Tributação das Heranças e Doações Pela União Federal (?)

AutorDenise Lucena Cavalcante
Ocupação do AutorPós-doutorado pela Universidade de Lisboa. Doutora pela PUC/SP. Mestre pela UFC
Páginas301-315
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TRIBUTAÇÃO DAS HERANÇAS E DOAÇÕES
PELA UNIÃO FEDERAL (?)
Denise Lucena Cavalcante1
1. Considerações iniciais
Na crise que abala a economia brasileira, o Estado busca
de todas as maneiras recompor as finanças públicas, cuja Dívi-
da Bruta do Governo Central atingiu o percentual de 67,5% do
PIB em abril de 2016
2
. As medidas emergenciais iniciais são, de
um lado, reduzir gastos públicos, do outro, aumentar a arreca-
dação. Para obter resultado com estas medidas em período de
economia estagnada, é necessária muita habilidade na gestão
pública, para não agravar ainda mais os problemas com os cor-
tes das despesas públicas e a arrecadação excessiva.
A polêmica Proposta de Emenda Constitucional n. 241/2016
demonstra o desafio de equilibrar as contas públicas, propon-
do o Novo Regime Fiscal, com estimativa de vigência por 20
anos, antevendo a audaciosa meta de estabelecer um teto para
os gastos públicos neste período.
1.
Pós-doutorado pela Universidade de Lisboa. Doutora pela PUC/SP. Mestre pela
UFC. Professora de Direito Tributário e Financeiro da graduação e pós-graduação –
UFC e FA7.
2.
Dado retirado da Exposição de Motivos da PEC n. 241/2016. Disponível em:
camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1468431&filena-
me=PEC+241/2016>. Acesso em 26 out. 2016.
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Surge do outro lado, então, a necessidade de aumentar a
receita pública. A cada dia surgem projetos de novas medidas
fiscais que possibilitem o aumento da arrecadação, como a ins-
tituição do Impostos sobre Grandes Heranças e Doações; a re-
gulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas; o aumento
da alíquota do tributo sobre Ganho de Capital; a possibilidade
da repatriação de bens; a discussão da volta da CPMF; enfim,
medidas voltadas para aumentar a arrecadação que se encon-
tra reduzida neste momento de instabilidade econômica.
Discutir atualmente a tributação dos mais ricos é tema que
vem à tona neste momento em que o País clama por justiça
fiscal.
No caso da tributação sobre as grandes fortunas, não há
um, mas vários projetos tramitando no Congresso Nacional. O
que vai variar em cada um deles é a definição do conceito de
“grandes fortunas” e as alíquotas. E aqui está o maior óbice
desse imposto - definir o que venha a ser “grande fortuna” -
ressaltando que o constituinte no art. 153, VII, incluiu o adje-
tivo “grande”, não podendo ser, portanto, desconsiderado. A
Lei Complementar n. 95/1998, que dispõe sobre a elaboração,
redação, alteração e consolidação das leis, já alerta para o fato
de que para se obter a clareza prevista na orientação legal, o
uso das palavras e as expressões devem estar no seu sentido
comum. E o sentido comum de “grande” é extenso; avantajado;
fora do comum
3
, portanto, espera-se que o IGF recaia sobre os
grandes patrimônios, entendidos, assim, os que estejam acima
da média. Consequentemente, a mesma análise deverá ser feita
sobre a definição do que sejam “grandes heranças e doações”,
nos termos da PEC n. 96/2015.
Tributar a riqueza é uma necessidade contemporânea,
constituindo senso comum a noção de não mais se poder per-
mitir o excesso de tributação aos menos favorecidos e a libe-
ração dos mais ricos. A tributação sobre o capital (e nela in-
cluem-se os impostos sobre heranças e grandes fortunas) tem
3. AULETE, Caldas. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. III vol., Rio
de Janeiro: Delta, 1958, p. 2481.
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sido descuidada há muito tempo. O tema é delicado e demanda
análises técnicas e compatíveis com a realidade de cada País,
de maneira a garantir uma tributação equitativa, sem correr o
risco de representar um confisco e gerar mais efeitos danosos
à economia, do que propriamente trazer benefícios no que se
refere a justiça fiscal.
A análise que se fará doravante restringir-se-á à tributação
sobre as heranças e doações pela União Federal, em virtude
das alterações que estão sendo discutidas no País, decorrentes
do Projeto de Emenda Constitucional n. 96/2015, que outorga
competência à União Federal para criar um imposto adicional
ao ITCMD e do Projeto de Lei n. 5.205/2016 que aumenta as alí-
quotas do Imposto de Renda sobre o ganho de capital na trans-
ferência de direito de propriedade por sucessão nos casos de
herança, legado ou por doação em adiantamento de legítima.
2. A tributação sobre as heranças e seus limites
Ao analisar a tributação da herança, ressalta-se que, no
Brasil, a Constituição da República assegura expressamen-
te o direito de herança (artigo 5º, inciso XXX), não podendo,
portanto, haver uma tributação excessiva ao ponto de confli-
tar com as garantias constitucionais. Há que se respeitar os
direitos fundamentais do cidadão-contribuinte.
Parte-se da premissa de que não existe nenhum óbice
para que se gravem a herança e a doação, sendo fatos gerado-
res lícitos e com fulcro no acréscimo patrimonial do herdeiro
ou donatário. Não pode, contudo, o gravame fiscal implicar
numa retenção confiscatória, mas, também, deixar de tribu-
tar esta forma de recebimento gratuito seria uma agressão à
justiça tributária4.
4.
“Com isso, com uma alíquota que pode chegar a 8%, mas que, na prática, chega na
metade disto [no Ceará e São Paulo, a alíquota para as doações é de 4%], não há que
se falar em confisco de propriedade. Chega-se, na verdade, a uma aplicação da tão
desejada justiça fiscal, na medida em que o sujeito passivo, que recebe gratuitamente
um patrimônio, possui evidente capacidade contributiva e, nessa medida, há de
despender os respectivos valores ao erário estadual.” (PACOBAHYBA, Fernanda
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Como bem recorda Klaus Tipke, a formação de um pa-
trimônio se fundamenta, entre outros motivos, na garantia
do seu destino futuro aos parentes próximos, sobretudo aos
filhos5. Se o Estado determina uma retenção elevada sobre
o patrimônio repassado aos herdeiros, passa ele próprio a se
incluir no rol dos beneficiados, desvirtuando assim a natureza
do próprio instituto.
A desigualdade de renda é um tema atual e discutido pra-
ticamente em todas as nações6, sendo uma das responsáveis
pelos desequilíbrios econômicos causados pela concentração
da riqueza mundial. Neste momento de acentuação dessa de-
sigualdade econômica, a transmissão de herança e sua res-
pectiva tributação devem ser urgentemente repensadas.
Thomas Nagel e Liam Murphy ressaltam que, nos Esta-
dos Unidos, a média das estimativas das riquezas recebidas
por herança é de cerca de 50%, sendo uma das principais cau-
sas da desigualdade econômica. Os autores criticam fortemen-
te a tributação insuficiente do imposto de renda progressivo
Mara de Oliveira Macedo. Imposto sobre a transmissão causa mortis e doação e o
direito de propriedade: o respeito ao direito fundamental do contribuinte por meio
do não confisco. In: MENDONÇA, Maria Lírida Calou de Araújo e. As garantias da
propriedade e as intervenções estatais. Curitiba: Juruá, 2012, p. 130.
5. “El Impuesto sobre Sucesiones y Donaciones tiene su justificación en el aumento
de capacidad económica del heredero o donatario. El importe de la herencia no
constituye renta procedente del mercado, pero es también renta desde el punto de
vista económico. Es cierto que ya ha sido gravada, pero no en la persona del here-
dero o donatario. Sin embargo, el principio de capacidad económica en el ámbito
del Impuesto sobre Sucesiones y Donaciones encuentra en todos los países un lími-
te razonable en el principio de protección de la familia. De acuerdo con éste, el im-
porte del gravamen depende del grado de parentesco. La formación del patrimonio
se funda, entre otros motivos, en su destino a la herencia de parientes cercanos, so-
bre todo de los hijos. Cuanto mayores sean los impedimentos fiscales a este propó-
sito, menor será el patrimonio que se constituya o que se ponga en conocimiento de
la Administración tributaria.” (TIPKE, Klaus. Moral tributaria del Estado y de los
contribuyentes. Trad. Pedro M. Herrera Molina. Madrid: Marcial Pons, 2002, p. 43).
6. Sobre os conflitos com relação a receita e poder constantes nas sociedades con-
temporâneas e as causas do fosso entre prosperidade e pobreza, ver: ACEMOGLU,
Daron; ROBINSON, James. Por que as nações fracassam. Trad. Cristiana Serra.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
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americano e o consequente desrespeito ao princípio da equi-
dade vertical, assim afirmando7:
[...] Não há dúvida de que também está em ação aí um libertaris-
mo vulgar: se os doadores têm plenos direitos sobre seus bens,
têm também o direito de substituir seu próprio consumo pelo
consumo de outro – sem ter que pagar por isso. [...] De qualquer
modo, os impostos não são meras taxas cobradas para facilitar as
transações do mercado; são meios de obtenção de receita para o
fornecimento de bens e serviços públicos e para a promoção da
justiça econômica. Sob a esta luz, a ideia de que não se deve tri-
butar grandes recebimentos gratuitos parece absurda: significa
que a pessoa que trabalha, abre mão do lazer e contribui para a
vida econômica tem de partilhar as cargas coletivas da socieda-
de, ao passo que a pessoa que tira a sorte grande sem fazer nada
não tem.
O economista francês Thomas Piketty também alerta so-
bre as consequências danosas no mundo contemporâneo de-
correntes da dinâmica do capital privado e da concentração
de riquezas, chamando a atenção para a queda da progressi-
vidade sobre as rendas altas, sendo este um alerta que serve
para todos os países8:
Se essa regressividade fiscal no topo da hierarquia social se con-
firmar e se ampliar no futuro, é provável que haja consequên-
cias importantes para a dinâmica da desigualdade patrimonial e
para o possível retorno de uma enorme concentração do capital.
Além disso, é bastante óbvio que essa separação fiscal dos mais
ricos talvez seja muito prejudicial para o consentimento fiscal
em geral. O relativo consenso em torno do Estado fiscal e social,
já frágil pelo baixo crescimento, encontra-se enfraquecido, so-
bretudo nas classes médias, que naturalmente têm dificuldade
em aceitar pagar mais do que as classes mais elevadas. [...]. De-
vemos acrescentar, ainda, que essa forma de representar a pro-
gressividade do sistema fiscal, sob o ponto de vista da hierarquia
7.
MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade. Trad. Mar-
celo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 200-201.
8. PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Trad. Mônica Baumgarten de Bol-
le. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014, p. 483-484.
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da renda, não considera os recursos recebidos por herança, que,
como já vimos, são cada vez mais relevantes. Ora, a herança é,
na prática, muito menos taxada do que as rendas.
Quando se defende a progressividade dos impostos so-
bre o capital, no caso, sobre as heranças, destaca-se que não
basta a satisfação das premissas teóricas, mas, sim, alcançar
o resultado efetivo da redistribuição de rendas, averiguando
se na prática, a progressividade fiscal melhorou realmente as
condições dos menos favorecidos com a devida redistribuição
de riqueza por meio de políticas sociais9. Caso contrário, a tri-
butação não alcançará seu objetivo, mas tão-somente atingirá
o patrimônio do herdeiro, sem a contrapartida necessária de
efetiva melhoria das políticas públicas redistributivas.
É preciso discutir, neste passo, o que se pretende obter
com a instituição de mais impostos no País, enfrentando os
questionamentos, tais como: qual a finalidade de um Imposto
sobre Grandes Heranças e Doações no Brasil? Redistribuir
rendas? Promover a justiça social? Aumentar a arrecadação
do Governo Federal? Enfim, é preciso fazer uma análise téc-
nica adequada que justifique a instituição de mais um tributo
e, principalmente, a posterior comprovação da justificativa
que o motivou.
E para se obter estas respostas, deve ser apresentado um
estudo técnico detalhado, muito além do campo jurídico, al-
cançando os setores econômico, político e social. As respos-
tas às perguntas anteriormente formuladas devem partir da
9.
Neste sentido, muito bem esclarece o autor: “O nosso objetivo é averiguar agora se
tais fins foram ou não alcançados, isto é, se a progressividade fiscal das taxas do im-
posto sobre o rendimento melhorou realmente as condições dos que mais pretendia
beneficiar e se, correspondentemente, a situação das classes possidentes se alterou
no sentido pretendido pelos seus defensores. A resposta que tem sido dada pelos es-
tudos vindos dos mais diversos quadrantes é claramente negative: a tributação pro-
gressiva não tem servido os fins a que se propôs, a saber, o da redução das diferenças
de rendimentos através de taxas crescentes visando uma redistribuição da riqueza
por intermédio de políticas sociais.”(CATARINO, João Ricardo. Redistribuição tri-
butária: Estado social e escolha individual. Coimbra: Almedina, 2008, p. 485).
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análise da realidade brasileira. A finalidade que motiva a cria-
ção de um tributo não deve ser desconsiderada.
No caso do Projeto de Emenda Constitucional n. 96/2015,
esta analise é ainda mais relevante, considerando que há pre-
visão expressa de que o produto da arrecadação do IGHD será
destinado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional,
para o financiamento da política de desenvolvimento regio-
nal. Não obstante a necessária análise técnica para justificar
a criação de um tributo, infelizmente, esta não se encontra
na breve justificação da PEC n. 96/2015. Esta carece de uma
fundamentação razoável que fundamente o IGHD; do mesmo
modo, também, não existem argumentos sólidos nas críticas
que os desaprovam. Ambos se baseiam em dados superficiais
e sem nenhum rigor técnico.
Apesar da necessidade de revisão da legislação brasileira
que trata da tributação sobre as heranças e doações no Bra-
sil, considerando suas alíquotas baixas, (a alíquota máxima
do ITCMD é de 8% - Resolução n. 9/1992), a questão central,
agora, é saber se nesta reestruturação será permitida a ex-
tensão da competência tributária para a União Federal, como
previsto na PEC n. 96/2015.
3. ITCMD x IGHD: bitributação?
Em relação ao Projeto de Lei n. 96/2015, a primeira polê-
mica a ser esclarecida é se a instituição do IGHD implicaria
uma bitributação, considerando a competência constitucional
dos Estados e do Distrito Federal, prevista no art. 155, inciso
II, que assim define: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Dis-
trito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa
mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos” (CR/88).
Desde logo, se esclarece este ponto, assinalando que a alte-
ração proposta pela PEC n. 96/2016 não enseja a bitributação10,
10. Esclarece Regina Helena Costa: “A bitributação significa a possibilidade de um
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pois o fato jurídico tributado difere do previsto no art. 155, I,
da CR/88, incidente somente sobre a transmissão causa mortis
e doação de valores elevados, tal qual a previsão do Imposto
sobre Grandes Fortunas.
Também não há impedimento jurídico para a alteração
da competência tributária mediante emenda constitucional.
Como bem defende Paulo de Barros Carvalho11, é possível a
alteração da Constituição por via do poder constituinte deri-
vado, só podendo ser questionada se agredir o princípio da
Federação.
No presente caso, a proposta cria outro imposto que, a
princípio, não causa prejuízo à atual arrecadação dos Esta-
dos. É certo que a medida deveria ser debatida entre os entes
federativos envolvidos e não simplesmente imposta, mas rei-
tera-se que o problema aqui é político e não jurídico.
Assim está previsto na PEC n. 96/2016, nos seguintes
termos:
Art. 1
o
A Constituição Federal passa a vigorar acrescida do se-
guinte art. 153-A:
“Art. 153-A. A União poderá instituir adicional ao imposto pre-
visto no inciso I do art. 155, a ser denominado Imposto sobre
Grandes Heranças e Doações, de forma a tributar a transmissão
causa mortis e doação, de bens e direitos de valor elevado.
mesmo fato jurídico ser tributado por mais de uma pessoa. Diante de nosso sistema
tributário, tal prática é vedada, pois cada situação fática somente pode ser tributa-
da por uma única pessoa política, aquela apontada constitucionalmente, pois, como
visto, a competência tributária é exclusiva ou privativa por uma única pessoa políti-
ca autorizada a exigir tribute sobre o mesmo fato jurídico.” (In: Curso de direito
tributário. 3. ed., São Paulo: 2013, p. 69).
11. “[...] a alterabilidade está ínsita no quadro das prerrogativas de reforma consti-
tucional e a experiência brasileira tem sido rica em exemplos dessa natureza. Se
aprouver ao legislador, investido do chamado poder constituinte derivado, promo-
ver modificações no esquema discriminativo das competências, somente outros li-
mites constitucionais poderão ser levantados e, mesmo assim, dentro do binômio
‘federação e autonomia dos municípios’. A prática de inserir alterações no painel
das competências tributárias, no Brasil, tem sido efetivada reiteradamente, sem
que seu exercício haja suscitado oposições mais graves.” (CARVALHO, Paulo de
Barros. Curso de direito tributário. 18. ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 233).
309
§ 1
o
O produto da arrecadação do adicional de que trata o caput
será destinado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional,
para o financiamento da política de desenvolvimento regional.
§ 2
o
O adicional de que trata o caput terá alíquotas progressivas
em função da base de cálculo, e sua alíquota máxima não poderá
ser superior à mais elevada do imposto de renda da pessoa física.
§ 3
o
Não se aplica ao adicional de que trata o caput o disposto no
inciso IV do § 1
o
do art. 155, e no inciso IV do art. 167.”
Numa análise estritamente jurídica, a PEC n. 96/2015 não
é inconstitucional, uma vez que seu texto prevê as exceções
aos princípios que iriam gerar conflitos, no caso, a alteração
da competência tributária da União Federal e a possibilidade
de destinação do produto da arrecadação ao FNDR.
Não se pode, contudo, deixar de alertar para a noção de
que a futura legislação terá que definir o que venham a ser
“grande herança” e “grande doação”, correndo o sério risco
de ter mais um imposto da União Federal sem regulamenta-
ção, tal como ocorre com o Imposto sobre Grandes Fortunas.
Ressalta-se, ainda, que a PEC n. 96/2015 surge num mo-
mento no qual os Estados e o Distrito Federal também plei-
teiam a alteração da alíquota máxima do ITCMD para 20%,
conforme Ofício n. 11/15, do Consórcio Nacional de Secreta-
rias de Fazenda, Finanças, Receita e Tributação – CONSE-
FAZ, encaminhado ao Presidente do Senado em 10/09/2015:
Assunto: Proposta de Resolução do Senado fixando a alíquota
máxima do ITCMD.
Vimos à presença de Vossa Excelência para, respeitosamen-
te, encaminhar proposta de Resolução do Senado Federal, com
fundamento no art. 155, § I’, inciso IV da Constituição Federal,
alterar a Resolução n° 9, que estabelece alíquota máxima para
o Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação, de
que trata a alínea “a”, inciso I do caput do art. 155 da Consti-
tuição Federal, para fixar a alíquota máxima de 20% (vinte por
cento).
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A fixação da alíquota máxima de 20% (vinte por cento) para
o Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação preten-
de ampliar a prerrogativa dos estados e do Distrito Federal em
aumentar a alíquota do imposto, considerando o atual quadro
de dificuldades financeiras dos governos subnacionais, e, tendo
em conta que uma tributação mais justa e que impacta menos as
relações econômicas é aquela que é feita se sobretaxando os con-
tribuintes mais aquinhoados, e portanto sujeitos aos impostos di-
retos, e não aumentando impostos que afetam a população como
um todo, pobres e ricos, como ocorre com os indiretos, prática
esta já comum nos países desenvolvidos.
Comprova-se que pretensão dos Estados é aumentar sua
arrecadação com o ajuste da alíquota do ITCMD, daí a oposi-
ção deles à PEC n. 96/2015, refletida no voto em separado do
senador Ronaldo Caiado perante a Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania:
[...] Se há algum aumento da carga tributária sobre heranças e
doações, deve ser aproveitado pelos Estados, e não pela União.
Estamos enfrentando, nos últimos tempos, um avanço arreca-
datório inimaginável dos cofres federais sobre as riquezas dos
cidadãos e das empresas, sem que o produto gerado tenha sido
repartido com Estados e Municípios.
A questão agora é saber qual medida que irá vigorar, es-
perando-se que não sejam ambas, pois, se assim for, fatalmen-
te agredirá o direito fundamental à herança.
Concorda-se, assim, com a conclusão de Igor Mauler
Santiago12, que “considera a PEC uma ideia infeliz, mas nem
por isso inconstitucional” e, assim enfatiza: “em tempos de
judicialização da política e de politização do judiciário, pare-
ce-nos salutar insistir na distinção entre esses dois campos.”
12.
SANTIAGO, Igor Mauler. PEC do imposto sobre grandes heranças é infeliz, mas
não inconstitucional. In: Revista Consultor Jurídico, de 19 de outubro de 2016. Dispo-
nível em: .com.br/2016-out-19/consultor-tributario-pec-imposto-
grandes-herancas-infeliz-nao-inconstitucional?imprimir=1>. Acesso em: 30 out. 2016.
311
4. Imposto de renda sobre ganho de capital: Projeto de
Lei n. 5.205/2016
No Brasil, a transferência de direito de propriedade por
sucessão no caso de herança também é tributada pelo Impos-
to de Renda incidente sobre ganhos de capital, caso seja feita
a opção prevista no art. 23, da Lei n. 9.632/91.
O Projeto de Lei n. 5.205, de 6/5/2016, apresentado em
maio deste ano pelo Governo Federal,13 integra um pacote
de medidas tributárias que alteram a legislação do Imposto
de Renda, com o objetivo de compensar a perda de arreca-
dação decorrente da correção de 5% na tabela deste tributo
para pessoas físicas a partir de 2017, aumentando também a
alíquota do Imposto de Renda sobre o Ganho de Capital inci-
dente sobre a herança.
Recorda-se o fato de que a Lei n. 7.713/88 isentava ex-
pressamente os valores dos bens adquiridos por doação e he-
rança. Posteriormente, com o advento da Lei n. 9.532/97, pas-
sou a incidir o imposto de renda sobre o ganho de capital, com
alíquota de 15% no caso de o herdeiro optar por avaliar o bem
a valor de mercado, nos seguintes termos:
Art. 23. Na transferência de direito de propriedade por sucessão,
nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da
legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mer-
cado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus
ou do doador.
§ 1º Se a transferência for efetuada a valor de mercado, a dife-
rença a maior entre esse e o valor pelo qual constavam da decla-
ração de bens do de cujus ou do doador sujeitar-se-á à incidência
de imposto de renda à alíquota de quinze por cento. [...].
Vê-se que a legislação brasileira garante o diferimento do
ganho de capital para o momento de sua respectiva alienação,
13.
O Projeto de Lei está em tramitação na COORDENAÇÃO DE COMISSÕES
PERMANENTES (CCP) desde 23/5/2016. Disponível em: http://www.camara.gov.br/
proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2083686. Acesso em: 29 out. 2016.
312
IBET - INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS
caso que seja mantido o mesmo valor do imóvel da declaração
do de cujus.
O Projeto de Lei n. 5.205/2016 propõe o aumento das alí-
quotas no caso da incidência do imposto de renda sobre o ga-
nho de capital nas heranças e doações por adiantamento da
legítima, variando as alíquotas de 15% a 25%, nos seguintes
termos:
rar com as seguintes alterações:
“Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendi-
mentos percebidos por pessoas físicas:
XVI - valor dos bens ou direitos adquiridos:
a) por herança e pelas doações em adiantamento da legítima, até
o limite de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), a cada dois
anos-calendário subsequentes; e
b) pelas demais doações, até o limite de R$ 1.000.000,00 (um mi-
lhão de reais), a cada dois anos-calendário subsequentes;
[...].
Art. 4º Os valores dos bens e direitos adquiridos por herança
ou doação, por pessoa física residente no Brasil, superiores aos
limites de que tratam, respectivamente, as alíneas ‘a’ e ‘b’ do in-
estão sujeitos à incidência do imposto sobre a renda às seguintes
alíquotas:
I - em relação às heranças e doações em adiantamento da
legítima:
a) 15% (quinze por cento) sobre a parcela da transmissão que ex-
ceder a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) e não ultrapassar
a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais);
b) 20% (vinte por cento) sobre a parcela da transmissão que ex-
ceder a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e não ultrapassar
a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais);
c) 25% (vinte e cinco por cento) sobre a parcela da transmissão
que exceder a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais);
II - em relação às demais doações:
313
a) 15% (quinze por cento) sobre a parcela da transmissão que
exceder a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e não ultrapassar
a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais);
b) 20% (vinte por cento) sobre a parcela da transmissão que ex-
ceder a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) e não ultrapassar
a R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais);
c) 25% (vinte e cinco por cento) sobre a parcela da transmissão
que exceder a R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais).
[...].”
As majorações das alíquotas do PL n. 5.205/16 também
têm sido muito questionadas, aumentando ainda mais o ce-
nário de incertezas sobre o tema em questão. Muitas são as
correntes doutrinárias nestes momento14, não sendo possível
se antecipar quais as mudanças que ocorrerão, restando so-
mente a certeza de que a revisão é necessária e urgente, de-
vendo haver uma compatibilidade entre as legislações federal
e estadual.
5. Considerações finais
Observa-se que o Governo Federal intenciona aprovar me-
didas legais que permitam a tributação das heranças e doações
também pela União Federal, simultaneamente a pretensão dos
Estados em aumentar a alíquota máxima do ITCMD.
Ainda não está claro se estas propostas vingarão e, qual
será a medida instituída no País, se o aumento das alíquotas
do Imposto de Renda sobre Heranças e Doações – Projeto de
Lei n. 5.205/16, se a criação do Imposto sobre Grandes Heran-
ças e Doações, nos termos da PEC n. 96/2015, ou se o aumento
das alíquotas do ITCMD.
14. Sobre as correntes doutrinárias e jurisprudência recomenda-se a leitura do ex-
celente trabalho de Vittorio Cassone: In: Imposto de renda sobre herança e doação.
Art. 23 da Lei 9.532/97 e as correntes doutrinárias que se formaram. O art. 96 da Lei
8.383/91. A E.M. de 02.05.2016 que ajusta tributação da doação e herança. In Revis-
ta Fórum de Direito Tributário, v.14, n.82, jul./ago 2016, p. 23-97.
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Seja qual for a medida adotada, espera-se que os direitos
de herança e da propriedade, garantias fundamentais do cida-
dão-contribuinte, sejam garantidos.
É certo que as grandes fortunas e, consequentemente, as
transmissões delas devem ser tributadas de maneira eficiente
e equitativa, mas não no limite do confisco.
A princípio, conclui-se que a medida que gerará menor
conflito será a revisão da Resolução n. 9, de 1992, do Senado
Federal, que estabelece a alíquota máxima do ITCMD a 8%.
Esse limite é que deve ser revisto de modo a garantir uma
tributação equitativa.
Acerca do que não restam dúvidas é a necessidade de re-
ver a tributação das heranças e doações, cuja tributação mui-
to menor do que a da renda tem agravado as distorções do
sistema fiscal.
Conclui-se, pois, que, apesar de a PEC n. 96/2015 ser
constitucional, e concordando com a necessidade de rever a
tributação sobre as heranças e doações, tal medida deveria
ser efetivada no âmbito dos Estados e do Distrito Federal e
não da União, mas esta é uma questão política e não jurídica.
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