Tributação dos 'softwares': mercadoria, serviço ou realidade nova?

AutorFernando Luiz Ximenes Rocha, João Gabriel Laprovitera Rocha e Sofia Laprovitera Rocha
Ocupação do AutorMestre em Direito Púbico pela UFC-CE/Doutorando em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade de Fortaleza (PPGD/UNIFOR)/Mestranda em Direito Público pela UFC/CE
Páginas89-115
TRIBUTAÇÃO DOS “SOFTWARES”:
MERCADORIA, SERVIÇO
OU REALIDADE NOVA?
Fernando Luiz Ximenes Rocha
Mestre em Direito Púbico pela UFC/CE. Professor aposentado de Direito Constitu-
cional da UFC. Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. E-mail:
ximenesrocha@uol.com.br.
João Gabriel Laprovitera Rocha
Doutorando em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação da Univer-
sidade de Fortaleza (PPGD/UNIFOR). Mestre em Direito pela UFC/CE. Professor de
Direito Tributário do Centro Universitário Farias Brito – FBuni. Conselheiro Diretor
da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará – ARCE.
E-mail: joaogabrielrocha@yahoo.com.br.
Sof‌ia Laprovitera Rocha
Mestranda em Direito Público pela UFC/CE. Pós-graduada em Direito Processual Civil
pela Faculdade Damásio. Advogada. Jornalista. Corregedora-Geral do Município de
Fortaleza. E-mail: soalaprovitera@gmail.com.
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. O âmbito constitucional do ISS, do ICMS e do imposto
residual. 2.1 A estrutura da norma atinente ao ISS. 2.2 A estrutura da norma atinente ao ICMS.
2.3 A competência residual da União. 3. A questão dos softwares: mercadoria, serviço ou
realidade nova? 3.1 A comercialização de softwares por download, sem suporte físico. 3.2
A comercialização mediante cessão temporária dos diretos de uso do software e os casos de
cloud computing. 3.3 A aquisição de “bens virtuais” no âmbito de jogos eletrônicos on-line.
4. A proposta do IBS e simplicação da tributação sobre o consumo. 5. Considerações nais.
6. Referências.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Economia Digital tem proporcionado novos modelos de negócios mundiais, com
o comércio eletrônico de bens e serviços intangíveis (digitais) e, em especial, aqueles
relacionados aos softwares e à computação em nuvem (cloud computing) – modelo pelo
qual o acesso aos recursos computacionais disponibilizados ao usuário ocorre via internet,
usualmente por meio do pagamento de um valor periódico com base no uso.
Por muito tempo, o debate acerca da tributação de programas de computador limi-
tou-se a responder se o tributo incidente sobre a aquisição de softwares comercializados
por meio de suporte físico era de competência dos Estados ou dos Municípios, cobran-
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FERNANDO LUIZ XIMENES ROCHA, JOÃO GABRIEL LAPROVITERA ROCHA E SOFIA LAPROVITERA ROCHA
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do-se, portanto, ICMS ou ISS, respectivamente. Entretanto, as operações com softwares
evoluíram do meio físico para os digitais, sendo possível a aquisição mediante download
e, atualmente, o uso de software em nuvem.
As controvérsias referentes ao conf‌lito de competência tributária entre Estados e
Municípios, que tinham fundamentalmente como premissa o caráter físico da comer-
cialização de bens ou da prestação do serviço, hoje não mais se restringe à discussão da
tributação atrelada à ideia de disponibilização de forma padronizada ou personalizada
mediante suporte físico.
Ao passo que novas tecnologias digitais vão surgindo velozmente, a legislação
caminha em passos lentos, não contemplando os novos negócios jurídicos, o que leva
à dif‌iculdade de enquadrar as novas operações nas hipóteses tradicionais de incidência
tributária. A evolução tecnológica impõe, portanto, o desaf‌io de se pensar em um novo
modelo de tributação mais compatível com a realidade virtual.
Nesse contexto, o presente artigo dispõe-se a discutir, inicialmente, os atuais con-
tornos limitadores da incidência do ISS e do ICMS, traçados pela Constituição Federal,
bem como a analisar os aspectos relacionados à instituição de um possível imposto
residual. Em seguida, passa-se a tratar da diferença estabelecida pelo Supremo Tribunal
Federal – STF no julgamento do RE 176.626/SP entre o “software de prateleira” e o “sof-
tware sob encomenda”. A partir das premissas ali consagradas, propõe-se uma ref‌lexão
sobre os desdobramentos desse entendimento à luz das novas realidades tecnológicas,
tais como a comercialização de softwares por download (sem corpus mechanicum) ou na
“nuvem” (cloud computing), sem cessão def‌initiva e, ainda, a aquisição dos chamados
“bens virtuais”, comercializados no âmbito de jogos eletrônicos on-line.
Por f‌im, no intuito de fomentar o debate acerca da necessidade de alterações no
sistema tributário brasileiro que venham solucionar ou minorar as incongruências da
nossa tributação sobre o consumo, comenta-se a proposta legislativa de instituição do
Imposto sobre Bens e Serviços – IBS em substituição ao IPI, ICMS, ISS, PIS e COFINS.
2. O ÂMBITO CONSTITUCIONAL DO ISS, DO ICMS E DO IMPOSTO RESIDUAL
A estrutura lógica de uma norma jurídica tributária convencional (v.g., uma norma
de comportamento), consoante os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho1, é com-
posta por “uma hipótese, suposto ou antecedente, a que se conjuga um mandamento,
uma consequência ou estatuição”.
As normas constitucionais de competência tributária, por sua vez, na qualidade
de regras de organização (e não de conduta), voltadas, portanto, ao legislador ordinário
dos respectivos entes federativos, estabelecem os contornos limitadores do critério
material de cada imposto, bem como indicam qual a pessoa jurídica de direito público
que poderá instituí-lo.
Nesse caso, a estrutura da norma muda um pouco de f‌igura, sendo certo que, em
seu antecedente, observa-se a mera descrição da existência do ente político competente
1. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 262.
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