Tributação e livre-concorrência: a conexão entre o direito tributário e o direito econômico

AutorDaniel Moreti
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP. Professor de Direito Tributário e Econômico da Universidade São Judas Tadeu, onde é coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário
Páginas145-176
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6. TRIBUTAÇÃO E LIVRE-CONCORRÊNCIA: A
CONEXÃO ENTRE O DIREITO TRIBUTÁRIO E O
DIREITO ECONÔMICO
Durante muito tempo, o direito tributário foi estudado
de forma isolada de outros ramos do ordenamento jurídico e
completamente alheio a aspectos de valoração de cunho polí-
tico, social, econômico etc.
Contudo, na atualidade, esse isolamento do direito tribu-
tário não contribui para a resposta a questões que necessaria-
mente impõem a análise deste ramo do direito, em conjunto
com outras áreas que lhe tocam. Destacam-se, nesse sentido,
os efeitos da tributação sobre a concorrência, a relação entre
tributação e direitos humanos etc.
A construção do direito, na atualidade, requer uma vi-
são interdisciplinar, mediante análise sistemática não só da
ordem jurídica, como de outras áreas do conhecimento. Desse
modo, a dogmática jurídica tem se aprofundado no estudo das
relações do direito tributário e do direito da concorrência.
Tais análises passam pelo exame de temas como a con-
cessão de incentivos fiscais no âmbito do ICMS e de outros tri-
butos, no cenário da chamada guerra fiscal, consubstanciando
medidas de política tributária que podem influenciar na deci-
são dos agentes econômicos e desequilibrar a concorrência.
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REGIME ESPECIAL DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO DE TRIBUTOS E A
LIVRE-CONCORRÊNCIA
Também envolvem o exame de relações entre tributação
e concorrência no âmbito da oneração extrafiscal e das imuni-
dades tributárias,177 além da influência das obrigações tribu-
tárias acessórias na livre-concorrência.178
Registre-se ainda, embora não aplicável apenas ao direi-
to tributário, a teoria denominada Análise Econômica do Di-
reito (Law and Economics), que ganha em evidência a partir
da década de 1950, com os trabalhos de Richard Posner, Ro-
nald Coase e outros, método de interpretação e aplicação do
direito que coloca em primeiro plano a economia para aplicar
o direito.179
Fixado tal contexto, procuraremos ater-nos ao exame da
relação entre tributação e livre-concorrência apenas no as-
pecto da atuação da Administração Tributária, no exercício
da competência tributária administrativa. Para tanto, é ne-
cessário abordar o chamado princípio da neutralidade tribu-
tária e o comando previsto no art. 146-A da Constituição da
177. Para um estudo aprofundado do tema, vide a obra de Diego Bonfim Tributação
e livre-concorrência. São Paulo: Saraiva, 2011.
178. Acerca das obrigações acessórias e a neutralidade concorrencial do Estado
destaca-se artigo de Tercio Sampaio Ferraz Júnior. Obrigação tributária acessória e
limites de imposição: razoabilidade e neutralidade concorrencial do Estado. In: Teo -
ria geral da obrigação tributária: Estudos em homenagem ao Professor José Souto
Maior Borges. Coord. Heleno Taveira Tôrres. São Paulo: Malheiros, 2005, além da
abordagem de Thaís Helena Morando acerca do tema A natureza jurídica da obri-
gação acessória e os princípios constitucionais informadores. Programa de Pós-Gra-
duação em Direito da PUC/SP, tese de doutorado, 2010, inédita.
179.
Conforme leciona Fernando Herren Aguillar: “O Law and Economics procura
demonstrar como o Direito pode ser mais eficiente na regulação social e econômica.
Para tanto, estabelece um ferramental conceitual, baseado no individualismo meto-
dológico e no utilitarismo, que impõe o estudo da própria política econômica mais do
que das normas jurídicas que a veiculam. Tal política econômica é correta? Eficien-
te? Beneficiará a maioria da população? Será melhor se substituída por outra?
Como calcular-se o limite entre o exercício e o abuso de direito? Aplicando-se o cri-
tério de Kaldor-Hicks, pergunta-se se uma dada mudança de política é desejável. E a
resposta é: se os ganhos dos vencedores, medidos em termos monetários, excederem
o custo dos perdedores, sim.” (AGUILLAR, Fernando Herren. Direito econômico: do
direito nacional ao direito supranacional. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 42).
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DANIEL MORETI
6.1 Livre-concorrência e a neutralidade tributária
A teoria clássica entende que a neutralidade tributária im-
plica o fato de que um tributo não deve constituir um fator de
alteração ou desvio de rota das leis de mercado.
Nesse sentido, a lição de Paulo Antônio Caliendo Velloso
Silveira:
Existe uma compreensão uniforme desde os economistas neo-
clássicos de que a tributação deveria ser neutra, não se consti-
tuindo em um fator perturbador ou desviante das leis de mer-
cado. Para esta teoria a tributação é sempre um “peso morto”
(deadweight loss) a ser carregado pela sociedade, equivalente
aos monopólios ineficientes, às barreiras alfandegárias e às re-
gulações irracionais. Em teoria econômica este entendimento
foi expresso no chamado “Triângulo de Harberger’s”, em que é
demonstrado graficamente que em um mercado perfeito a curva
da oferta está em sintonia com a curva da demanda, mas quando
a tributação incide ela distorce a percepção dos preços pelo con-
sumidor, gerando uma perda social. Assim, por exemplo, se hou-
ver a incidência de tributos sobre o vinho mais do que sobre a
cerveja o consumidor irá substituir o primeiro item pelo segundo
mesmo que não seja o seu produto de preferência, de tal modo
que é reduzida a satisfação do consumidor. Para a teoria neoclás-
sica, portanto, a tributação sempre gera ineficiência, visto que
os produtos serão escolhidos não com base nas preferências dos
consumidores e do mercado, mas em intervenções políticas.
180
De acordo com tal entendimento, o tributo (ou a carga tri-
butária) não pode figurar como aspecto de definição da condu-
ta do agente econômico, já que a decisão, por exemplo, sobre
consumir ou não determinado produto, deve decorrer das pre-
ferências do consumidor e não do reflexo que a carga tributária
produz sobre o preço do bem de consumo no mercado.
Tal pensamento, todavia, é utópico e resta superado, pois
todo e qualquer tributo, independentemente de sua função
180. SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo Velloso. Princípio da livre-concorrência
em matéria tributária: Para uma superação do conceito de neutralidade fiscal. In:
Revista Interesse Público. Belo Horizonte. n. 67, p. 205-227, maio/jun. 2011, p. 206.

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