Tributação e novas tecnologias

AutorJosé Eduardo Soares de Melo
Ocupação do AutorLivre-docente e Doutor em direito. Ex-Professor titular de Direito Tributário da PUC-SP
Páginas167-186
TRIBUTAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIAS
José Eduardo Soares de Melo
Livre-docente e Doutor em direito. Ex-Professor titular de Direito Tributário da PUC-SP.
Visiting scholar da U.C. Berkeley (Califórnia). Orientador da Bucerius Law School
(Hamburgo). Professor emérito da faculdade brasileira de tributação. Consultor jurídico.
Sumário: Parte I – Software: mercadoria, serviço, ou realidade nova? Parte II – Criptomoedas
e tributação. Parte III – Tributação e disponibilização de conteúdos. Parte IV – Inteligência
articial e tributação.
PARTE I – SOFTWARE: MERCADORIA, SERVIÇO, OU REALIDADE NOVA?
1.1. O software pode ser considerado uma mercadoria, de modo a que sua comercialização
possa sofrer a incidência do ICMS, ou um serviço a ser alcançado pelo ISS, ou, ainda, uma
terceira realidade econômica passível de ser tributada pela União Federal no exercício
de sua competência residual?
Conceitos de software:
a) técnico: conjunto de informações e procedimentos que permite o processamento
de dados no computador, e comandam o seu funcionamento, segundo os objetivos do
usuário.
b) normativo: programa de computador é a expressão de um conjunto organizado
de instruções em linguagem natural ou codif‌icada, contida em suporte físico de qualquer
natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento de informa-
ções, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica
digital ou análoga, para fazê-lo funcionar de modo e para f‌ins determinados (Lei federal
O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o
conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais, e conexos vigentes no
país, observado o disposto nesta lei (art. 2º).
c) jurídico: “O programa de computador (software) possui natureza jurídica de
direito autoral (obra intelectual), e não de propriedade industrial, sendo-lhe aplicável
o regime jurídico atinente às obras literárias” (REsp 443119/RJ, 3ª T., rel. Min. Nancy
Andrighi, j. 8.5.2003, DJ 30.06.03, p. 240. RSTJ v. 180, p. 380).
Software é bem material, intangível, pertinente a trabalho intelectual, com a natureza
jurídica de direito autoral, compreendendo a cessão de direito de uso.
O STF tem se manifestado sobre a incidência do ICMS (RE 176.626 de 1998; ADIN
1.945-7/MT de 2010), assentando a repercussão geral (Tema 590 no RE 688.223) relativa
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JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO
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à “incidência, ou não de ISS em contrato a envolver cessão ou licenciamento de progra-
mas de computador (software) desenvolvidos para clientes de forma personalizada”.
A legislação estabelecera a incidência do ISS (Lei Complementar 157/16, item 1.05,
da lista de serviços anexa à LC 116/03); enquanto que o Convênio ICMS n. 106/2017
dispôs sobre a cobrança do ICMS nas “operações com bens e mercadorias digitais tais
como softwares, programas, jogos eletrônicos etc. que sejam padronizados, ainda que
tenham sido ou possam ser adaptados, comercializados por meio de transferência ele-
trônica de dados”.
Entendo o seguinte:
a) na cessão do direito de uso do software ocorre apenas o direito de fruir ou dispor
da obra intelectual, e não propriamente uma obrigação de fazer;
b) a utilização do software não poderia implicar incidência do ISS porque não se
trata de efetiva prestação de serviços (obrigação de fazer), considerando-se o CTN (arts.
109 e 110);
c) não signif‌ica operação mercantil – não conf‌igurando a incidência do ICMS –,
porque não ocorre a efetiva transferência da titularidade do bem; além do fato de que o
suporte físico constitui mero elemento-meio, e não o objeto principal do negócio jurídico.
O software pode ser tributado pela União, no exercício de sua competência, ex-
cluindo-se as incidências do IPI e do ISS.
1.2. A distinção estabelecida pelo STF, quando do julgamento do RE 176.626/SP subsiste
diante da comercialização de programas por meio de download, sem a presença de um
corpus mechanicum?
O STF (RE 176.626 de 1998) decidira o seguinte:
“III. Programas de computador (“software”): tratamento tributário: distinção necessária.
Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de “licenciamento
ou cessão do direito de uso de programa de computador” – matéria exclusiva da lide –, efetivamente
não podem os Estados instituir o ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, desde logo,
se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou
exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo – como
a do chamado “software de prateleira” (off the shelf) – os quais, materializando o corpus mechanicum
da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio”.
(1ª T., rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 1 de 11.12.98, p. 10-11).
Posteriormente, o STF modif‌icara parcialmente sua postura jurídica, julgando a
incidência do ICMS sobre softwares, adquiridos por meio de transferência eletrônica de
dados, por entender ser irrelevante a existência (ou não) de bem corpóreo ou mercadoria
em sentido estrito.
Asseverara que o Tribunal não pode se furtar a abarcar situações novas, conse-
quências concretas do mundo real, com base em premissas jurídicas que não são mais
totalmente corretas. O apego a tais diretrizes jurídicas acaba por enfraquecer o texto
constitucional, pois não permite que a abertura dos dispositivos da Constituição possa
se adaptar aos novos tempos, ante imprevisíveis (ADIn 1.945-7-MT, Pleno, j. 26.05.2010,
rel. p/acórdão Min. Gilmar Mendes, DJe 14.03.2011).
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