Tributação e novas tecnologias
Autor | Luiz Carlos Marques Simões e Isabel Fernanda Augusto Teixeira |
Ocupação do Autor | Membro da International Fiscal Association (IFA)/Possui curso de extensão em contabilidade tributária na Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) |
Páginas | 203-241 |
TRIBUTAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIAS
Luiz Carlos Marques Simões
Membro da International Fiscal Association (IFA). Líder da prática tributária. Autor de
diversos trabalhos e artigos publicados na área tributária. Advogado e consultor para
assuntos jurídicos tributários.
Isabel Fernanda Augusto Teixeira
Possui curso de extensão em contabilidade tributária na Associação Brasileira de Direito
Financeiro (ABDF). Diretora da União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro (UJUCARJ)
e membro da Comissão Permanente de Direito Tributário. Advogada.
Sumário: 1. Introdução. 2. Considerações sobre a matéria. Parte I – Software: mercadoria,
serviço, ou realidade nova? Parte II – Criptomoedas e tributação. Parte III – Tributação e dis-
ponibilização de conteúdos. Parte IV – Inteligência articial e tributação.
É sempre um prazer aceitar o honroso convite do Professor Hugo de Brito Macha-
do para enfrentar suas proposições voltadas para o deslinde da tributação de temas tão
importantes. Desta feita, suas questões versam sobre as novas tecnologias, nomeada-
mente: software e sua natureza jurídica; criptomoedas e tributação; disponibilização de
conteúdos e tributação; e inteligência artificial e tributação.
O conteúdo de nosso estudo é dividido em três partes: introdução ao tema pro-
priamente dita; considerações sobre a matéria, discorrendo sobre a natureza jurídica,
alcance, aplicação e tributação das novas tecnologias citadas; doutrina e orientação
jurisprudencial; e respostas às questões formuladas.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo versa sobre questões tributárias envolvendo bens e modelos de
negócios na era da economia digital realizados num ambiente virtual. Todos os estudio-
sos, legisladores e aplicadores do Direito estão convencidos das consequências sobre
os sistemas tributários e os respectivos desafios dos responsáveis em adaptá-los à nova
realidade mundial decorrentes dos novos meios introduzidos com a tecnologia digital,
com destaque para os diferentes tipos e modalidades de software, do cloud computing,
da criação e utilização das moedas virtuais, transmissão de conteúdos audiovisual pela
internet, internet das coisas, dentre outros.
Por conta dos efeitos dos citados bens tecnológicos nas transações em ambientes
virtuais, iniciativas surgiram no sentido de ampliar o debate sobre o tema com vistas a
uma revisão global das regras tributárias. Nesse sentido, destacamos o Projeto BEPS (base
erosion profits shifitting), da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico – e dos países do G20.
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Em nosso ordenamento jurídico, as dúvidas e os desafios são ainda maiores, tendo
em vista, sobretudo, as normas e regras tributárias terem sido elaboradas numa econo-
mia tradicional, com preponderante envolvimento dos bens corpóreos e participação
física dos agentes por meio de seus estabelecimentos permanentes em suas respectivas
jurisdições. Neste cenário, tendo por base um rígido sistema de repartição de compe-
tências tributárias entre as esferas federativas, aliado às reinterpretações dos conceitos
de mercadorias e serviços, acabaram por gerar muitas dúvidas com a qualificação jurí-
dico-tributária desses bens digitais, que precisam ser enfrentadas e solucionadas a fim
de não agravar ainda mais a denominada “guerra fiscal”, principalmente entre Estados
e Municípios, e os seus perversos efeitos da insegurança jurídica.
Com o propósito de enfrentar o deslinde da tributação sobre os denominados “pro-
dutos digitais”, o presente estudo está divido em 4 partes, e suas respectivas questões,
nomeadamente: (I) software; (II) criptomoedas; (III) disponibilização de conteúdos; e
(IV) inteligência artificial e tributação.
Em sua parte I, dedicada ao software, analisaremos sua natureza jurídica, conceito,
tipos e modalidades mais comuns; seu enquadramento em nosso ordenamento jurídico;
suas diversas formas de negociação; seus efeitos tributários com ênfase para os tributos
estadual (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte e Comunica-
ção – ICMS) e municipal (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS); conflitos
existentes entre as duas citadas esferas de poder; manifestações doutrinárias e orientação
de nossos tribunais; e os desafios que as autoridades administrativas tributárias têm para
capturar e lançar os tributos eventualmente devidos.
Em sua parte II, dedicada às denominadas criptomoedas, nos ocuparemos do seu
conteúdo, alcance e aplicação; e sua eventual tributação.
Em sua parte III, dedicada à disponibilização de conteúdos virtuais e sua tributação,
nos ocuparemos em classificar juridicamente esses conteúdo e sua disponibilização, de-
signadamente filmes, músicas, streaming etc., com vistas à sua tributação; indicaremos
os desafios das autoridades administrativas tributárias para conhecer e lançar o tributo
num ambiente altamente sofisticado, desafiador, pela sua natureza virtual, na maioria
das vezes gerando conflitos de competência entre os entes políticos de direito público
interno e internacional sobre competência para tributação dessas realidades virtuais;
disponibilização gratuita da informação e conteúdo, onde a remuneração se dá por meio
de publicidade e da coleta de dados pessoais dos usuários e suas incidências tributárias
(ou não) decorrentes da comercialização em definitivo ou não do uso do software, ou,
ainda, a criação de um novo tributo, sua estrutura, competência para exigi-lo; classifica-
ção jurídica da disponibilização de espaço para armazenamento de dados em ambiente
virtual e sua eventual tributação.
Em sua parte IV, dedicada à inteligência artificial, nossa análise será sobre a viabilida-
de (ou não) da instituição de tributos sobre empresas (robottax); elementos distintivos de
sua natureza: serviço ou não; locação de bem ou nova realidade jurídica; Administração
Tributária: controle, arrecadação, finalidade e princípios da publicidade e transparência.
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2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A MATÉRIA
PARTE I – SOFTWARE: MERCADORIA, SERVIÇO, OU REALIDADE NOVA?
1.Software – mercadoria, serviço, ou nova realidade. Aspectos controvertidos da tributa-
ção. Entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) antigo (RE 176.626/SP) e atual.
Comercialização definitiva ou temporária dos direitos de uso do software. Autoridade
Administrativa Tributária, sua fiscalização e lançamento tributário.
1.1.Breves considerações introdutórias sobre o tema, software: conceito, tipos e sua
classificação em nosso ordenamento jurídico.
1.1.1. Trata-se o software de um bem de propriedade intelectual, intangível por excelência,
reconhecido como o maior fenômeno para a economia digital mundial, tendo surgido
em meados da década de 1990 e, continuamente, revolucionado o comportamento das
pessoas, física e jurídica, e da economia, com destaque para o crescente fluxo de dados
e informações de conteúdos intangíveis.
Sem necessidade de maior reflexão, parece-nos evidente o quão complexo e imenso
são os desafios que se apresentam para a sua tributação internacional e, em especial para
a nossa, cujas regras/normas foram moldadas a partir da economia tradicional, a qual
privilegiava a localização física dos contribuintes e a comercialização de bens tangíveis.
Daí a necessidade de adaptação às mudanças tecnológicas introduzidas com e/ou em
decorrência desse intangível, sob pena de as regras/normas não serem aplicadas, quer
pela sua incompatibilidade frente aos inerentes avanços e a fluidez da economia digital,
quer pela sua ineficácia.
Atualmente, a ação humana e a presença física no local onde a atividade é desenvol-
vida são cada vez menos relevantes. E assim é, sobretudo, porque o grande diferencial na
valorização das empresas reside em seus intangíveis, utilizados em suas atividades, em
seus processos produtivos cada vez mais integrados. As transações digitais ultrapassam
as barreiras territoriais para acontecerem e se desenvolverem num ambiente onde não
há mais fronteiras, em diferentes jurisdições, gerando graves conflitos sobre a repartição
das competências tributárias de maneira justa.
1.1.2. De acordo com o artigo 7°, XII, da Lei 9610/98 (Lei de Direitos Autorais), os pro-
gramas de computador são obras intelectuais protegidas independentemente do meio
(físico ou intangível) em que estejam expressas, sendo a eles conferida a mesma pro-
teção das obras literárias por força do artigo 2º da Lei 9609/98 (Lei sobre a proteção da
propriedade intelectual de programa de computador). São, do ponto de vista legal, bens
móveis e sua titularidade pode ser transferida total ou parcialmente, segundo defendem
alguns operadores do Direito.
A obra imaterial, a criação do espírito (corpus misticum), está protegida pelo direito de
propriedade intelectual, tendo sido relegado a um segundo plano o suporte físico (corpus
mechanicum) no qual ela está inserida. Com o avanço da tecnologia digital, um novo tipo
de suporte digital e intangível foi criado, de modo a possibilitar a reprodução simultânea
e ilimitada de bens digitais – o download –, sem, entretanto, implicar na transferência
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