Tributos como instrumentos de intervenção: entre neutralidade e extrafiscalidade

AutorDiego Bomfim
Ocupação do AutorDoutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo/USP
Páginas69-115
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CAPÍTULO IV – TRIBUTOS COMO INSTRUMENTOS
DE INTERVENÇÃO: ENTRE NEUTRALIDADE E
EXTRAFISCALIDADE
4.1. Introdução
Do esforço expositivo realizado até aqui, extrai-se a con-
clusão de que existe autorização no texto constitucional para
que o Estado brasileiro intervenha sobre o domínio econômi-
co, desde que respeitados determinados limites. A intervenção
estatal é possível, mas a livre-iniciativa, como valor fundante
da ordem econômica, não pode sofrer menoscabos absolutos.
Portanto, ainda que cumpridas certas exigências, deve
ser permitida ao Estado a intervenção sobre o domínio eco-
nômico. Esta não pode, jamais, se configurar em dirigismo
estatal.
A questão que se coloca agora se relaciona com a
existência ou não de fundamentos constitucionais que
legitimem que as normas tributárias extrafiscais sejam
utilizadas como instrumentos estatais de intervenção sobre o
domínio econômico e social.
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EXTRAFISCALIDADE
De acordo com os pressupostos metodológicos firmados,
a análise terá de ser feita ante a Constituição Federal, justa-
mente para que o discurso não seja baseado em um viés polí-
tico ou econômico. Não se pretende enunciar as vantagens e
desvantagens do emprego da tributação como instrumentos
de intervenção econômica, senão identificar em que ampli-
tude o ordenamento jurídico brasileiro permite, estimula ou
limita sua utilização.
O capítulo se inicia por uma breve exposição do pen-
samento econômico acerca das funções que teoricamen-
te deveriam ser exercidas pelos tributos. Essa construção é
importante para que, uma vez conhecido o pensamento eco-
nômico, não se deixe influenciar aprioristicamente por este
quando da interpretação jurídica que deve ser empreendida.
Independentemente do caminho que gere maior eficiência
econômica, a interpretação quanto à autorização para o em-
prego de normas tributárias extrafiscais tem de se basear ex-
clusivamente no texto constitucional.
Esta precaução será especialmente importante no mo-
mento da (re)construção jurídica do conceito de neutralidade
tributária que, indiscutivelmente, está associado à fundamen-
tação da extrafiscalidade.
4.2.
Alguns comentários sobre a neutralidade econômica
dos tributos
O correto entendimento da ideia de neutralidade eco-
nômica dos tributos passa por uma análise da função que
estes devem exercer de acordo com o pensamento liberal
econômico122.
122. O liberalismo econômico não deve ser tratado como uma corrente de pensa-
mento ultrapassada. Ainda que atualmente se reconheça, aos Estados modernos,
muito mais funções, inclusive no campo econômico, do que quando da fundação do
liberalismo clássico, é preciso destacar a influência do liberalismo em importantes
reformas fiscais empreendidas por diversos países do globo a partir de 1970, ten-
dência que parece ter recuado apenas a partir da crise internacional de 2008. Sobre
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Não é objetivo desta obra, contudo, discutir as diversas
facetas do liberalismo, mas antes reconhecer, nas difusas li-
nhas de abordagem do tema, o papel que a tributação deve
(ou deveria) ter.
Nesse contexto, a tributação deveria funcionar primor-
dialmente com o objetivo de angariar recursos financeiros
necessários à consecução dos objetivos do Estado, havendo,
por isso, pouquíssimos fundamentos que legitimam a utiliza-
ção dos tributos ou de normas tributárias como instrumentos
de atuação do Estado sobre o domínio econômico. A tribu-
tação é encarada, nestes termos, como um mal necessário e
deve influir o mínimo possível sobre as decisões dos agentes
econômicos123.
Se ao Estado não cabia intervir sobre o domínio econô-
mico, esta intervenção também não seria bem aceita caso em-
preendida por meio dos tributos. Defendia-se, então, a exis-
tência de uma tributação que não fosse por si só relevante
para fins de tomada de decisões dos agentes econômicos, sur-
gindo daí a expressão: a tributação deveria ser neutra.
É nesse sentido que os chamados liberais libertários124,
de um ponto de vista ético-filosófico, entendem, como explica
MICHAEL J. SANDEL125, que “o Estado deveria respeitar as
liberdades civis e políticas fundamentais, e ainda o direito aos
frutos do trabalho, como propicia a economia de mercado, de
a questão, Christophe Heckly apresenta uma síntese sobre as principais reformas
liberais empreendidas pelos mais importantes países-membros da OCDE a partir
da década de 1970. Cf. HECKLY, Christophe. Fiscalité et mondialisation. Paris:
LGDJ, 2006, p. 59- 73.
123. BOUVIER, Michel. Introduction au droit fiscal géneral et à la théorie de l’impôt.
11ª ed., Paris: LGDJ, 2012, p. 205.
124. Como paradigmas dessa corrente de pensamento, Cf. HAYEK, Friedrich A. The
constitution of liberty. Chicago: University of Chicago, 1960, p. 306 e ss.; e FRIED-
MAN, Milton. Capitalism and freedom. Chicago: The University of Chicago Press,
1962, p. 161-176.
125. SANDEL, Michael J. Liberalism and the limits of justice. Second edition. New
York: Cambridge University Press, 1998, p. 184.
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