Tributos no sistema constitucional brasileiro

AutorPaulo Ayres Barreto
Páginas25-73
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Capítulo II
TRIBUTOS NO SISTEMA
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
2.1 A opção do legislador constituinte de 1988 e seus
efeitos jurídicos
Todo trabalho legislativo de natureza constituinte pas-
sa, em teoria, pela definição, dentre um leque de alternati-
vas para estruturação do Texto Constitucional, do modelo a
ser adotado. Dentre as alternativas que se apresentam, tem
especial relevo a escolha de um texto genérico, sintético, de
caráter meramente principiológico ou, diversamente, de um
conjunto de prescrições mais específicas, que vise à redução
dos graus de abstração ou subjetividade, na interpretação e
aplicação do direito. A adoção de uma ou outra alternativa
produz efeitos radicalmente distintos na ordem jurídica, cuja
estruturação se inicia. Define-se, em síntese, a amplitude e o
grau de liberdade para a atuação do legislador infraconstitu-
cional. Geraldo Ataliba diz ser plástica a Constituição que “se
adapta às variáveis necessidades dos tempos e das circuns-
tâncias, porque suas fórmulas – por serem sintéticas e gené-
ricas – deixam larga margem a seu desenvolvimento e inte-
gração, mediante leis ordinárias, costumes e interpretações
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PAULO AYRES BARRETO
variadas.”56 De outra parte, é “exaustivo e complexo o sistema
constitucional que trace todos os contornos do sistema, de
maneira hirta, nada relegando à legislatura.”57
O sistema passível de ser erigido a partir da Constituição
de 88 dista de ser sintético ou genérico. Não se caracteriza pela
plasticidade. Ao revés, nossa Constituição é rígida. Cuida de
talhar, minudentemente, diversos subsistemas, dentre eles o
tributário. Com efeito, não há sistema constitucional que se as-
semelhe ao nosso, na extensividade no trato da matéria tributá-
ria. Tal opção legislativa, já de longa tradição no Brasil, produz
relevantes efeitos jurídicos. Gostemos ou não dela, é forçoso
reconhecer que foi o caminho escolhido pelo legislador consti-
tuinte. Em consequência, a aproximação que o intérprete ha-
verá de fazer ao direito posto terá não apenas como ponto de
partida a Constituição Federal; mais do que isso, exigir-se-á um
longo e espinhoso trabalho exegético, realizado exclusivamen-
te nesse plano constitucional, para então se perquirir sobre o
conteúdo de comandos normativos infraconstitucionais.
Como salienta Sacha Calmon Navarro Coêlho, o Brasil é
o país cuja Constituição é a mais extensa e minuciosa em tema de
tributação. Este cariz, tão nosso, nos conduz a três importantes
conclusões: primus – os fundamentos do Direito Tributário estão
enraizados na Constituição, de onde se projetam altaneiros sobre
as ordens jurídicas parciais da União, dos Estados e dos Municí-
pios; secundus – o Direito Tributário posto na Constituição deve,
antes de tudo, merecer as primícias dos juristas e dos operadores
do Direito, porquanto é o texto fundante da ordem jurídico-tri-
butária; tertius – as doutrinas forâneas devem ser recebidas com
cautela, tendo em vista as diversidades constitucionais.
58
Registre-se, por oportuno, que a opção pela extensivi-
dade prescritiva da Constituição brasileira revelou-se mais
intensamente em algumas matérias, como a tributária. Em
56. Sistema constitucional tributário brasileiro, p. 14.
57. Geraldo Ataliba, Sistema constitucional tributário brasileiro, p. 20.
58. Curso de direito tributário brasileiro, pp. 47 e 48.
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CONTRIBUIÇÕES
REGIME JURÍDICO, DESTINAÇÃO E CONTROLE
outras, como já destacamos anteriormente, o caminho trilha-
do foi outro. Se abrirmos hoje o Texto Constitucional, no capí-
tulo dedicado ao sistema financeiro nacional, encontraremos
um único dispositivo, vazado em termos bem genéricos, que
delega à lei complementar a missão de estruturar tal sistema.59
Em matéria tributária deu-se o oposto. Se o legislador cons-
tituinte cuidou de repartir competências, classificar tributos, es-
tabelecer os direitos fundamentais do contribuinte, fixar concei-
tos, repartir a receita tributária e vincular o produto arrecadado,
já no plano constitucional, é nesse plano que haveremos de en-
contrar balizas, parâmetros, limites, mecanismos de controle da
percussão tributária no Brasil. E, somente após o esgotamento
da atividade interpretativa nesse plano, é que caberá o exame
de conteúdos prescritivos postos em outros níveis hierárquicos.
No título VI da Carta Magna (“Da Tributação e do Orça-
mento”), temos o Capítulo I, “Do Sistema Tributário Nacional”.
Em breve digressão, procuraremos identificar os limites decor-
rentes do sistema positivado. Como já consignamos,60 a ideia
de sistema nos conduz à noção de limite. É necessário verificar
o que a ele pertence e o que está fora dele; quais são as pres-
crições que delineiam o sistema tributário nacional; e o que,
por consequência, não compõe o sistema de tributação erigido.
O cuidadoso exame da outorga constitucional de competência,
em matéria tributária, constitui uma primeira etapa no proces-
so de identificação das características relevantes desse sistema.
2.2 Competência tributária
A Constituição Federal de 88 pode ser definida como uma
verdadeira Carta de competências. O legislador contribuinte
59. Prescreve o art. 192, da Constituição Federal: “O sistema financeiro nacional,
estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir
aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as
cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclu-
sive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.”
60. Ver item 1.2 do Capítulo I.

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