O tríplex de Schröedinger ou Direito Privado, esse desconhecido (parte 1)

O Código de Processo Penal autoriza ao juízo criminal, ao proferir sentença condenatória, fixar “valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido” (artigo 397, IV, do CPP).

A ideia, naturalmente, é facilitar o ressarcimento do dano à vítima, que, tendo na sentença criminal condenatória um título executivo, não precisa se valer de uma ação cível de conhecimento.

Quando Caio furta a bicicleta de Tício, a fixação do dano é relativamente simples. Mas qual o dano a reparar, por exemplo, no famoso caso tríplex do Lula?

Dentro do grande marco de corrupção que teria ocorrido em torno da Petrobras, R$ 16 milhões teriam sido pagos pela empresa OAS ao Partido dos Trabalhadores. O acórdão condenatório impunha a Lula o dever de reparar toda essa quantia alegadamente recebida pelo PT.

Segundo o ministro Félix Fisher, relator, “não se mostra razoável admitir que o réu seja condenado a arcar, sozinho, com todo esse montante, já que inexiste prova de que ele tenha sido beneficiado com o valor integral desviado para o PT”. Reduz o montante para arredondados R$ 2,5 milhões[1].

Esse valor fica mais claro no voto do ministro Mussi: seria o valor do tríplex, “com reformas e mobiliário”. E faz uma ressalva: “apesar de o valor de R$ 2.424.991,00 (dois milhões, quatrocentos e vinte e quatro mil, novecentos e noventa e um reais) haver sido calculado com base na vantagem indevida comprovadamente recebida pelo acusado, com ela não se confunde, razão pela qual o confisco do apartamento tríplex como produto do crime não repercute no cálculo da indenização”.

Do voto seguinte, do ministro Soares da Fonseca, colhe-se que “condenou-se o recorrente (corrompido) e os corréus José Adelmário Pinheiro Filho e Agenor Franklin Magalhães (corruptores), ao pagamento de 16 milhões, a título de mínimo indenizatório, uma vez que foi este o valor destinado ao Partido dos Trabalhadores”.

É no voto do ministro Ribeiro Dantas que o valor final fica bem explicitado: “a diferença entre o valor pago na aquisição do imóvel 141 e o preço do apartamento 164-A, tríplex, no Condomínio Solaris, no Guarujá, no montante de R$ 1.147.770,96, mais os valores gastos na reforma e personificação do imóvel, avaliados em R$ 1.277.221,00, chegando-se ao total de R$ 2.424.991,00”.

Embora o conceito de dano seja tormentoso mesmo no Direito Privado, alguns pontos parecem consensuais o suficiente para mostrar o desacerto do Superior Tribunal de Justiça nessa decisão.

Em primeiro lugar, o dano é um só. Pode-se discutir, em um caso de roubo em concurso de agentes, isto é, com mais de um autor ou partícipe, se os gastos da vítima com remédios tranquilizantes para lidar com o trauma integram o dano sofrido...

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