A tutela da concorrência no setor de energia elétrica

AutorPatrícia Regina Pinheiro Sampaio
Ocupação do AutorProfessora da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio
Páginas232-268
232 Temas RelevanTes no DiReiTo De eneRgia eléTRica
I INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo consiste em discorrer sobre a tutela da concor-
rência no setor de energia elétrica.
O tema se apresenta relevante, pois o setor de energia elétrica
possui parcelas da cadeia produtiva que operam sob a forma de mono-
pólio natural, tem características de indústria de rede e, ainda, está
submetido a uma extensa e profunda regulação por parte de entidade
setorial, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

considerações acerca do histórico do desenvolvimento do setor
elétrico no país e a descrição das principais características dos
segmentos que compõem a cadeia produtiva do setor elétrico.
Em seguida, passa-se à análise das questões concorrencialmente
sensíveis em cada segmento – geração, transmissão, distribuição e
comercialização –, enfatizando os posicionamentos adotados pelo
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
Tendo em vista que as empresas estatais têm relevante partici-
pação no setor, comentam-se, adiante, algumas questões concorren-
ciais envolvendo empresas estatais e privadas no âmbito do setor
elétrico, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
       
legislativas decorrentes da promulgação da Lei nº 12.529 de 2011, a
nova lei nacional de defesa da concorrência, com ênfase nas funções a
serem desempenhadas pelos órgãos componentes do Sistema Brasi-
leiro de Defesa da Concorrência nos setores regulados de infraestrutura.
2 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E A TUTELA
DA CONCORRÊNCIA NO SETOR ELÉTRICO
Desde a década de 1930, com a promulgação do Código de Águas
(Decreto 24.643 de 1934), a competência para legislar sobre o forne-
cimento de energia elétrica é federal.
No que tange à prestação do serviço, o setor de energia elétrica
foi objeto de amplo processo de estatização na segunda metade do
século XX, sendo marco deste movimento a criação das Centrais
Fabio Amorim Cap 11.indd 232 23/10/2012 10:45:19
a TuTela Da concoRRência no seToR De eneRgia eléTRica 233
Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobras) em 1962,1 em um cenário que
se perpetuou até o advento da Constituição Federal. A partir da nova
Ordem Constitucional inaugurada em 1988, começou a ser redese-
nhada a repartição de atribuições entre mercado e Estado no que
tange ao desempenho de diversas atividades econômicas.
A Lei nº 8.031 de 1990 deu início ao Programa Nacional de Deses-
tatização (PND), que incluiu tanto a privatização de empresas estatais
quanto a decisão de delegação à iniciativa privada da prestação de
diversos serviços públicos. Anteriormente ao processo de desestati-
zação, o setor de energia elétrica era composto principalmente por
ativos federais (especialmente na geração e na transmissão) e esta-
duais (basicamente na distribuição, à exceção dos Estados do Rio de
Janeiro e Espírito Santo, em que essa atividade estava sob responsa-
bilidade de estatais federais – a Light e a Escelsa).2
Em termos históricos, o processo de desestatização vivenciado
na década de 1990 iniciou-se pelo setor de distribuição de energia
elétrica, pois esse segmento da indústria apresentava condições
de conferir maior segurança ao investidor privado, tanto por ser a
última etapa da cadeia produtiva, portanto menos suscetível ao risco
governamental,3 como pelo fato de que, no momento em que a legis-
lação de concessão e o novo marco regulatório do setor ainda estavam
sendo elaborados, a distribuição de energia elétrica mostrava-se
um segmento apto a ser regulado, em grande parte, pelo contrato
de concessão, independentemente de um maior detalhamento da
regulação, que ainda estava sendo editada.4
1 Para ver um histórico do desenvolvimento do setor de energia elétrica no país,
ver LANDAU, E. e SAMPAIO, P. R. P. O setor elétrico em uma visão introdutória. In:
LANDAU, E. (coord.). Regulação jurídica do setor de energia elétrica. Rio de Janeiro:
Lumen Iuris, 2006.
2 PINHEIRO, A. C. Reforma regulatória na infraestrutura brasileira: em que pé
estamos? In: SALGADO, L. H. e SEROA DA MOTTA, R. Marcos regulatórios no
Brasil: o que foi feito e o que falta fazer. Rio de Janeiro: IPEA, 2005, p. 57.
3 Caso se iniciasse o processo de desestatização pela geração, por exemplo, os inves-
tidores poderiam temer o risco de gerar energia e não conseguir ter seus contratos
adimplidos com as transmissoras e as distribuidoras estatizadas.
4 LANDAU, E.; SAMPAIO, P. R. P. O setor elétrico em uma visão introdutória, ob. cit.
Fabio Amorim Cap 11.indd 233 23/10/2012 10:45:19
234 Temas RelevanTes no DiReiTo De eneRgia eléTRica
Assim, as primeiras distribuidoras de energia elétrica a serem
privatizadas – Light e Escelsa – foram-no ainda antes da promul-
gação do novo marco legal para o setor5 e da criação da Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), esta última constituída na
forma de autarquia em regime especial pela Lei nº 9.427, de 26 de
dezembro de 1996. No novo marco regulatório, foi determinado um
processo de desverticalização, tendo sido introduzida uma compe-
tição na geração e na comercialização de energia elétrica, enquanto
a transmissão e a distribuição foram reconhecidas como serviços
públicos e disciplinadas a partir das diretrizes típicas da regulação
dos monopólios naturais.
3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A
CONCORRÊNCIA NO SETOR ELÉTRICO
O fornecimento de energia elétrica constitui, em grande parte, um
setor de infraestrutura caracterizado como monopólio natural. Dados
os elevados custos iniciais e afundados atrelados à transmissão e à
distribuição de energia elétrica, tem-se que um único agente econô-
mico atuando nesses segmentos mostra-se economicamente mais

e manter a sua própria rede. Esclarece-nos a economia que, em
mercados caracterizados como monopólio natural, a duplicação da
infraestrutura que seria, em princípio, necessária à introdução da
6
5 A mudança do marco regulatório do setor elétrico iniciou-se com a promulgação
da Lei nº 9.074 de 1995, tendo sido complementada, principalmente, entre outras,
pelas Leis nº 9.427 de 1996, nº 9.648 de 1998 e nº 10.848 de 2004. Esta última
determinou a completa desverticalização da distribuição de energia elétrica rela-
tivamente aos demais segmentos da cadeia produtiva, além de ter introduzido o
mecanismo de leilão para a compra de energia no ambiente regulado.
6
Conforme esclarece Fábio Nusdeo, o mercado que consiste em um monopólio
natural é aquele que normalmente leva à existência de um único ofertante de um
bem ou serviço em virtude de condições de caráter técnico”. NUSDEO, F. Curso de
economia: introdução ao direito econômico. São Paulo: RT, 2000, p. 270. Por essa
razão, “o equilíbrio acontece com a existência de apenas um ofertante. Qualquer
Fabio Amorim Cap 11.indd 234 23/10/2012 10:45:20

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT