A tutela executiva na contemporaneidade: reflexões sobre a desjudicialização

AutorBruno Dantas e Daniel Vianna Vargas
Páginas525-540
A TUTELA EXECUTIVA NA
CONTEMPORANEIDADE:
REFLEXÕES SOBRE A DESJUDICIALIZAÇÃO
Bruno Dantas
Pós-Doutor em Direito pela UERJ, Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP. Pesquisador
visitante na Benjamin N. Cardozo School of Law (Nova York, EUA), no Max Planck
Institute for Regulatory Procedural Law (Luxemburgo) e no Institute de Recherche
Juridique da Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Ministro do Tribunal de Contas
da União (TCU).
Daniel Vianna Vargas
Doutorando e Mestre em Direito pela UERJ. Juiz Instrutor da Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiça e Juiz Auxiliar do Tribunal Superior Eleitoral.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
No f‌inal de 2019, existia um acervo de processos pendentes de baixa no Poder
Judiciário nacional de 77 milhões de processos, sendo que mais da metade desses
processos (54,5%) se referia à fase de execução1. Extrai-se do mesmo relatório que
as execuções que ingressam no Judiciário não somente representam metade dos
processos de conhecimento, mas se mantêm no acervo por muito mais tempo, o
que signif‌ica que não chegam ao seu resultado esperado, qual seja: a satisfação do
crédito e o reconhecimento da extinção da obrigação pelo pagamento. Cuida-se de
denominada taxa de congestionamento do Poder Judiciário, representando grande
parte dos processos pendentes, revelando-se do relatório que em todos os segmen-
tos de justiça, a taxa de congestionamento da fase de execução supera a da fase de
conhecimento, em mais de 20 pontos percentuais no total.
A Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2018, nos termos da Resolução A/
RES/72/279, aprovou a Agenda 2030, voltada ao estabelecimento de uma agenda de
Direitos Humanos, adotada por 193 países, dentre eles o Brasil, que incorporou os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ali traçados.
O Poder Judiciário brasileiro institucionalizou a Agenda 2030 em seu Planeja-
mento Estratégico, através das Metas Nacionais estabelecidas pelo CNJ – medidas e
providências para maior ef‌iciência e qualidade na prestação jurisdicional. Especif‌ica-
mente a Meta 9 tem por objetivo integrar a Agenda 2030 ao Poder Judiciário e, para
esse desiderato, o Judiciário deve realizar ações de prevenção ou desjudicialização
de litígios voltadas aos ODS da Agenda 2030.
1. Conselho Nacional de Justiça, Relatório CNJ em números, disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/
uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf.
Acesso em: 08 jun. 2021.
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A necessidade da adoção de práticas voltadas para a melhoria da prestação ju-
risdicional no que diz respeito ao trato da execução pode ser constatada pela análise
dos números disponibilizados anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça, através
do Relatório Justiça em Números.
O impacto da execução nos segmentos da Justiça Estadual, Federal e Trabalhista é
extremamente relevante, correspondendo, respectivamente, a 56,8%, 54,3%, e 55,1%
do acervo total de cada ramo. Importante ressaltar as maiores faixas de duração estão
concentradas no tempo do processo pendente, em específ‌ico na fase de execução da
Justiça Federal (7 anos e 8 meses) e da Justiça Estadual (6 anos e 9 meses).
Os estudos acerca dos problemas envolvendo a execução civil remontam al-
gumas décadas2, remanescendo em desenvolvimento, tanto na doutrina nacional,
quanto estrangeira, sendo um tema de difícil equacionamento, diante da sua natureza
multifatorial e metajurídica.
Acrescente-se ao dilema a constante preocupação científ‌ica com a efetividade da
tutela jurisdicional – reconhecida como uma faceta do acesso à justiça3 – com a entrega
tempestiva da prestação jurisdicional, inserida nesse contexto a tutela executiva4.
O presente trabalho se propõe a descrever e colocar em debate algumas práticas
atualmente em discussão quanto à desjudicialização da execução civil5, contextuali-
2. Se si tiene presente che l’attuale particolare oggetto dela mia ricerca concerne próprio la possibilità di concepire
l’azione come mossa da um único e típico scopo, l’aver rilevato che ogni possibilità di concepire unitariamente
lo scopo dell’azione dipende dalla possibilità di concepire l’attività tutelatrice como volta ad una sanzione
predeterminata, e l’aver precisato che la determinazione in senso unitário dela sanzione dipende dall’unicità
dell’esigenza di tutela, tutto ció porta alla conclusione che proprio da questo concetto sostanziale di unicità della
sanzione nel suo momento attuale ocorre prender le mosse. Ho già detto poc’anzi che l’attualità della sanzione
è determinata dal sopravvenire di un elemento perturbatore (lesione o violazione, Rechtsverletzung) della
situazione di diritto sostanziale anteriore. Se la tutela è difesa (Schutz), e se la difesa è reazione ad un’offensa, è
chiaro che quest’ultima è il postulato logico della tutela. (MANDRIOLI, Crisanto. L’azione esecutiva. Contributo
alla teoria unitaria dell’azione e del processo. Milano: Doot. A. Giuffrè Editore, 1955, p. 172).
3. A realidade do processo fez com que, desde muito, já se percebesse a inaptidão do modelo à consecução
dos f‌ins desses processos. No plano da garantia constitucional do acesso à justiça, não basta que se garanta,
ao indivíduo, o mero acesso ao Poder Judiciário. A regra do devido processo legal exige, para sua f‌iel
observância, uma preocupação voltada não apenas ao ingresso em juízo, mas também à efetiva e útil entrega
da prestação jurisdicional ao titular do direito material. (PINTO, Junior Alexandre Moreira. Conteúdos e
Efeitos das Decisões Judiciais. São Paulo: Atlas, 2008. p. 148).
4. “Desse modo, realização de um direito pode ser entendida, pragmaticamente, como o momento em que o
conteúdo do direito (fundado numa determinada situação social e a ela servindo), até então abstração, se
concretiza, modif‌icando-se, com isso, a realidade social para qual ele se presta. Numa relação jurídica de
crédito pecuniário, por exemplo, quando o devedor efetua o pagamento da soma em dinheiro, realiza o
conteúdo do crédito, de modo que, além da modif‌icação jurídica imediata (ultimação da relação jurídica,
com sua automática extinção), repercute para fora do mundo jurídico, na própria realidade socioeconômica,
base de tal relação jurídica. (GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos. Subsídios para uma Teoria da Execução
Forçada: breve crítica analítica à expressão execução indireta. In: MACEDO, Lucas Buril, PEIXOTO, Ravi,
FREIRE, Alexandre (Org.). Execução. Salvador: Jus Podivm, 2015).
5. Parte-se do conceito delineado por Leonardo Greco, sendo a execução civil a “modalidade de tutela jurisdicional
que consiste na prática pelo juiz (ou por outrem sob sua supervisão) de uma série de atos coativos concretos sobre
o devedor e sobre o seu patrimônio, a f‌im de, à custa dele e independentemente do concurso da sua vontade,
tornar efetivo o cumprimento da prestação por ele inadimplida, desde que tais atos coativos estejam previamente
constituídos na forma da lei” (GRECO, Leonardo. O processo de execução. Rio de Janeiro: Renovar, 1999).
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