A tutela judicial do direito público à saúde no Brasil

AutorRicardo Perlingeiro
CargoJuiz federal na Seção Judiciária do Rio de Janeiro
Páginas184-203
A tutela judicial do direito público à
saúde no Brasil*
Ricardo Perlingeiro**
1. Considerações iniciais
No Brasil, o tema “judicialização das políticas de saúde”1 continua ali-
mentando debates nas três esferas do Poder e, naturalmente, despertando
o interesse da academia e das escolas de magistratura. A recente Recomen-
dação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no 31, de 30 de março de
20102, referente à assistência à saúde, e a Resolução no 107, também do
* Adaptação do texto da palestra proferida no seminário internacional “A judicialização da saúde pública em
uma perspectiva comparada franco-brasileira”, organizado pela Universidade Federal Fluminense (Núcleo
de Ciências do Poder Judiciário – Nupej) em parceria com a Universidade Paris Descartes (Instituto de
Direito e Saúde – IDS), em Niterói/RJ, nos dias 30 e 31 de agosto de 2010.
** Juiz federal na Seção Judiciária do Rio de Janeiro; professor titular da Faculdade de Direito e coordenador
do Núcleo de Ciências do Poder Judiciário da Universidade Federal Fluminense (Nupej/UFF); membro
do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual e da
Associação Internacional de Direito Processual; coordenador do Comitê Executivo do Conselho Nacional
de Justiça para o monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde no Estado do Rio de
Janeiro. E-mail: r.perlingeiro@terra.com.br.
1 Com muita propriedade, o conselheiro Milton Nobre, do Conselho Nacional de Justiça, registrou que:
“Fala-se em ‘judicialização da saúde’ como se fosse uma distorção, que precisa ser combatida tal qual uma
epidemia de ações judiciais, quando a observação constante da realidade, atitude metodológica essencial em
qualquer ramo científ‌ico, demonstra exatamente o contrário, isto é, que a demanda judicial termina sendo,
em não poucos casos, o único remédio ef‌icaz e atualmente disponível pela sociedade para enfrentar certas
disfunções ou insuf‌iciências do sistema, as quais decorrem – e esta é a verdadeira causa a ser eliminada – da
falta de regras mais claras quanto aos direitos e deveres de cada qual dos atores, bem ainda sobre as suas
responsabilidades e limitações” (NOBRE, Milton. Discurso na solenidade de instalação do Fórum Nacional
do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde, ocorrido no dia 3 de
agosto de 2010, em Brasília/DF. Disponível em: . Acesso em: dez. 2010).
2 Publicada no Diário da Justiça eletrônico (DJ-e), n. 61/2010, pp. 4-6, 7 abr. 2010.
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CNJ, de 6 de abril de 20103, que instituiu o Fórum Nacional do Judiciá-
rio para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde,
são inequívocas demonstrações da importância e atualidade do assunto
junto à sociedade brasileira4. Também vale mencionar o Projeto de Lei do
Senado Federal no 338, de 20075, que modif‌ica a Lei no 8.080/1990 para
dispor sobre a oferta de procedimentos terapêuticos e a dispensação de
medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e o projeto acadêmico
“O direito aos cuidados: análise comparada franco-brasileira”, da Univer-
sidade Federal Fluminense, em parceria com a Universidade Paris Descar-
tes6. Assinale-se, ainda, que, no cenário latino-americano, o fenômeno da
3 Publicada no Diário da Justiça eletrônico (DJ-e), n. 61/2010, pp. 6-9, 7 abr. 2010.
4 Com base na Audiência Pública 4, realizada pelo Supremo Tribunal Federal, em abril de 2009, e nas
conclusões do Grupo de Trabalho instituído pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça (Portaria no
650, de 20 de novembro de 2009), os citados atos normativos, objetivando solucionar ou minimizar o
problema, indicam aos tribunais e às escolas de magistratura a adoção de diversas ações, entre as quais: 1. A
proposição de medidas concretas e normativas voltadas à otimização de rotinas processuais, à organização e
estruturação de unidades judiciárias especializadas (Resolução CNJ no 107, art. 2o, III); 2. A proposição de
medidas concretas e normativas voltadas à prevenção de conf‌litos judiciais e à def‌inição de estratégias nas
questões de direito sanitário (Resolução CNJ no 107, art. 2o, IV); 3. A inclusão da legislação relativa ao direito
sanitário como matéria individualizada no programa de Direito Administrativo dos respectivos concursos
para ingresso na carreira da magistratura, de acordo com a relação mínima de disciplinas estabelecidas
pela Resolução no 75/2009 do CNJ (Recomendação CNJ no 31, I, c); 4. A incorporação do direito sanitário
nos programas dos cursos de formação, vitaliciamento e aperfeiçoamento de magistrados, pela Escola
Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e Escolas de Magistratura Federais e
Estaduais (Recomendação CNJ no 31, II, a); 5. A realização de seminários para estudo e mobilização na área
da saúde, congregando magistrados, membros do Ministério Público e gestores, no sentido de propiciar
maior entrosamento sobre a matéria (Recomendação CNJ no 31, II, b); 6. A celebração de convênios pelos
Tribunais Regionais Federais e pelos Tribunais de Justiça, objetivando apoio técnico composto por médicos
e farmacêuticos para auxiliar os magistrados na formação de um juízo de valor quanto à apreciação das
questões clínicas apresentadas pelas partes litigantes (Recomendação CNJ no 31, I, a); 7. A promoção
pelas Corregedorias dos Tribunais, para f‌ins de conhecimento prático de funcionamento, de visitas dos
magistrados aos Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde, bem como às unidades de saúde pública ou
conveniadas aos SUS (Recomendação CNJ no 31, I, d).
5 O referido projeto de lei foi convertido da Lei 12.401, de 28 de abril de 2011. Constava do parecer da
Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal: “A importância do tema objeto deste relatório e a ne-
cessidade de que sejam encontradas soluções que preservem o direito de acesso universal e igualitário às
ações e aos serviços para a promoção, a proteção e a recuperação à saúde, conforme determina o art. 196
da Constituição Federal, levaram os gestores da saúde, o Poder Judiciário, o Ministério Público e segmentos
representativos da sociedade civil a promover [nos últimos anos] vários debates sobre a judicialização das
políticas públicas de atenção à saúde. O próprio Supremo Tribunal Federal realizou, em abril de 2009, uma
audiência pública para instruir a apreciação de ações submetidas a seu julgamento, na qual cinco dos seis
temas previstos estão diretamente relacionados com a judicialização da política de assistência à saúde no
âmbito do SUS” (Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal. Projeto de Lei do Senado Federal no
338, de 2007. Disponível em: .br>. Acesso em: dez. 2010.
6 Projeto de ensino e pesquisa desenvolvido em conjunto pela Universidade Federal Fluminense (Núcleo
de Ciências do Poder Judiciário – Nupej e Programa de Pós-Graduação Justiça Administrativa – PPGJA)
A tutela judicial do direito público à saúde no Brasil
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