A tutela jurisdicional dos direitos humanos trabalhistas por meio das ações coletivas

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas251-256

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Apresentação

Os direitos humanos são reconhecidos na perspectiva da garantia de uma vida conforme a dignidade humana. A dignidade humana não é alcançada pela simples afirmação da titularidade de direitos, mas tem como condição de possibilidade o seu gozo efetivo, o que se aplica aos direitos humanos trabalhistas, ou seja, direitos cujo reconhecimento atende à necessidade de garantir a todos uma vida conforme a dignidade humana. A realização concreta dos direitos humanos trabalhistas pode ser realizada pela via judicial, não apenas em demandas individuais, mas, principalmente, por meio das ações coletivas, que permitem uma tutela jurisdicional que não seja meramente reparatória de danos decorrentes de lesões já ocorridas, assim como a tutela de titulares de direitos cujo acesso à justiça seja prejudicado pela possibilidade de retaliações por parte dos seus empregadores. O que se pretende é demonstrar que as ações coletivas constituem valioso instrumento para a realização concreta dos direitos humanos trabalhistas, cuja disciplina deve ser construída na perspectiva do diálogo das fontes do Direito.

1. Introdução

O tema central do presente artigo é o exame da relação entre a efetividade dos direitos humanos trabalhistas e tutela jurisdicional coletiva.

A concretização dos direitos humanos trabalhistas não respeitados espontaneamente pelo empregador pode ser realizada pela via judicial, em especial, por meio das ações coletivas, cuja disciplina deve ser construída na perspectiva do diálogo das fontes do Direito.

Anote-se que: os direitos humanos trabalhistas são reconhecidos para assegurar aos trabalhadores uma vida conforme a sua dignidade; a dignidade é um atributo do ser humano, inclusive aquele que vive da alienação da sua força de trabalho; mais importante do que reconhecer a existência de direitos humanos é promover a sua concretização; para cumprir o disposto nos arts. 5º, § 2º, e , caput, da Constituição da República de 1988, cumpre promover a integração entre a ordem jurídica interna e a internacional e o constante diálogo entre as diversas fontes do Direito, sejam materiais sejam processuais, como condição de possibilidade para a promoção e proteção da dignidade humana, inclusive no contexto das relações de emprego, ressaltando-se que a força expansiva do princípio da digni-dade humana impõe a utilização, em favor do ser humano, de todo o instrumental jurídico estabelecido pela ordem jurídica interna e internacional em seu favor.

Recorde-se que direitos humanos são direitos inerentes à dignidade humana, ou, na dicção da Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993, que “têm origem na dignidade e valor inerente à pessoa humana”. Não se trata, contudo, de direitos cujo exercício decorre do simples fato de ser o seu titular um ser humano. Com efeito, como adverte Joaquim Herrera Flores:

Falar de dignidade humana não implica falar de um conceito ideal ou abstrato. A dignidade humana é um fim material. Um objetivo que se concretiza no acesso igualitário e generalizado aos bens que fazem com que a vida seja ‘digna’ de ser vivida [...]. A dignidade consiste na obtenção de acesso igualitário aos bens tanto materiais como imateriais que se foram conseguindo no constante processo de humanização do ser humano [...]. Viver com dignidade [...] em termos materiais significa gerar processos igualitários de acesso aos bens materiais e imateriais que conformam o valor da ‘dignidade humana’. (FLORES, Disponível em http:www. juragentium.unifi.it/es/surveys/rights/herrera/ indez.htm. Acesso em: 11 maio 2016.)

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A titularidade real de direitos humanos exige o acesso aos bens materiais e imateriais que promovam o valor da dignidade humana, ou seja, os direitos humanos são inerentes à dignidade humana no sentido de que sem o seu gozo efetivo não se terá uma vida conforme a dignidade humana. Em suma, os direitos humanos são direitos cuja titularidade real é uma exigência da dignidade humana.

Várias normas que compõem o Direito Internacional dos Direitos Humanos reconhecem direitos a serem respeitados no contexto da relação de emprego. Neste sentido, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece o direito a uma remuneração justa e satisfatória, que assegure ao trabalhador, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana; a organizar sindicatos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos reconhece o direito de ser tratado com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais reconhece o direito de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem, dentre outros direitos, uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores: um salário equitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer distinção e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem dispõe que toda pessoa tem direito ao trabalho em condições dignas e de receber uma remuneração que, em relação à sua capacidade de trabalho e habilidade, lhe garanta um nível de vida conveniente para si e para sua família.

A existência de direitos humanos trabalhistas, além de ser formalmente reconhecida em normas de Direito Inter-nacional dos Direitos Humanos, resulta do fato de serem eles reconhecidos com a intenção de universalidade, ou seja, de que sejam gozados por todos aqueles que prestam serviços a outrem na condição de empregados, sem distinção fundada na raça, cor, gênero, língua, religião, nacionalidade, situação econômica, idade e opinião política ou outra condição, isto é, pelo só fato de pertencerem à família humana.

Note-se, quanto a este último aspecto, que, mesmo antes de vir à luz a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Organização Internacional do Trabalho já havia assinalado, na Declaração de Filadélfia, a necessidade de assegurar direitos a serem respeitados universalmente, dentre os quais vários foram posteriormente contemplados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, como, por exemplo, o direito a igual remuneração por igual trabalho, a salário que assegure existência compatível com a dignidade humana e à organização de sindicatos e de filiação sindical, o que significa que os direitos trabalhistas estão na gênese dos direitos humanos.

Acrescente-se que o direito internacional dos direitos humanos reconhece a todos os homens não só a titularidade de direitos humanos materiais, como também direitos humanos processuais, dentre os quais o direito à jurisdição e ao processo (arts. 8º e 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, arts. 2º, n. 3, “a”, e 14 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e arts. 8º e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos). Além disto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos garante a todos o direito de receber dos tribunais competentes recurso efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei (art. 8º). O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos também estabelece o compromisso dos Estados dele signatários de assegurar que toda pessoa cujos direitos e liberdades nele reconhecidos hajam sido violados disponham de recurso efetivo, mesmo que a violência tenha sido perpetrada por pessoas que agiam no exercício de funções oficiais (art. 3º, “a”). A Convenção Americana sobre Direitos Humanos dispõe, em seu art. 25, que toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela própria Convenção. Assim, o processo justo deve atentar também para os direitos humanos processuais, operando-se, portanto, o diálogo entre a ordem jurídica interna e a externa, também nesta esfera.

Cumpre acrescentar que:

  1. os direitos humanos são assegurados a todos os seres humanos, inclusive os trabalhadores, como forma de enfrentar a globalização desenfreada e inescrupulosa;

  2. os direitos humanos são direitos que atuam como resistência a toda forma de arbitrariedade no exercício de poder e as relações entre capital e trabalho e entre empregado e empregador são relações de poder.

O exercício de qualquer poder é susceptível de resultar em ofensa à dignidade humana, o que torna necessária a sua limitação, o que é reconhecido pelos signatários das normas que compõem o Direito Internacional dos Direitos Humanos...

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