Uberização do trabalho, subordinação jurídica e dependência econômica

AutorMurilo Carvalho Sampaio Oliveira
Páginas152-175
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
Vol.93 N.01 - Anno CX XX
OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. UBERIZAÇÃO DO TRABALHO, SUBORDIN AÇÃO JURÍDICA E DEPENDÊNCIA
ECONÔMICA. Revista Acadêmica da Faculdade de Direito d o Recife - ISSN: 2448-2307, v. 93, n.1, p.152-175 Abr. 2021. ISSN
2448-2307. <Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/art icle/view/249085>
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UBERIZAÇÃO DO TRABALHO, SUBORDINAÇÃO JURÍDICA E
DEPENDÊNCIA ECONÔMICA
UBERIZATION OF WORK, LEGAL SUBORDINATION AND ECONOMIC
DEPENDENCE
Murilo Carvalho Sampaio Oliveira1
RESUMO
O artigo discute as ideias de subordinação jurídica e dependência econômica no contexto
daqueles que laboram em plataformas digitais, especificamente no modelo Uber. Inicia pela
demonstração dos problemas provocados pela dimensão clássica (fordista) da noção de
subordinação jurídica diante da uberização e em antigas relações flexíveis. Para compreender
adequadamente quem deve ser o sujeito protegido pelo Direito do Trabalho, recorre-se à
economia política clássica para delinear os traços do trabalho assalariado no capitalismo. A par
da contribuição interdisciplinar, apresenta-se uma dependência econômica ressignificada,
refutando as conhecidas críticas à ideia, de modo a considerar que a antiga noção de dependência
econômica era superficial. No caso do modelo da Uber, indica como os métodos de controle, em
especial o dirigismo econômico, caracterizam a noção de dependência econômica. Com o
método dialético, foram empregadas técnicas de pesquisa de análise bibliográfica e documental.
Palavras-chaves: Uberização. Assalariamento. Relação de emprego. Subordinação jurídica.
Dependência econômica.
ABSTRACT
The article discusses the ideas of legal subordination and economic dependence in the
context of those who work on digital platforms, specifically the Uber model. It begins by
demonstrating the problems caused by the classical (Fordist) dimension of the notion of legal
subordination to uberization and in old flexible relationships. In order to adequately understand
who should be the subject protected by labor law, classical political economic sisused to out line
the traits of wage labor in capitalism. Along with the interdisciplinary contribution, there is a
resigned economic dependence, refuting the well-known criticisms of the idea in order to
consider that the old notion of economic dependence was superficial. In the case of the Uber
model, it indicates how control methods, especially economic dirigisme, characterize the notion
of economic dependence. With the dialectic method, bibliographic and documentary analysis
research techniques were employed.
Keywords:Uberization. Employment. Employmentcontract. Legal subordination.
Economicdependence
1 Juiz do Trabalho na Bahia e Professor Associado da UFBA, Especialista e Mestre em Direito pela UFBA, Doutor
em Direito pela UFPR e Pós-Doutorando pela UFRJ.
Recebimento em 15/12/2020
Aceito em 10/02/2021
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
Vol.93 N.01 - Anno CX XX
OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. UBERIZAÇÃO DO TRABALHO, SUBORDIN AÇÃO JURÍDICA E DEPENDÊNCIA
ECONÔMICA. Revista Acadêmica da Faculdade de Direito d o Recife - ISSN: 2448-2307, v. 93, n.1, p.152-175 Abr. 2021. ISSN
2448-2307. <Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/art icle/view/249085>
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1 INTRODUÇÃO
Na economia digital contemporânea, o novo modelo de negócios plataformasdigitais
vem englobando setores da economia de transportes, serviços, profissionais liberais, entre outros.
Essas plataformas criam um mercado de pessoas conectado com os consumidores que necessitam
de serviços específicos oferecidos por outras pessoas. A virtualidade da interconexão promove o
encontro do trabalhador prestador com o consumidor, sujeitos que dificilmente se encontrariam
por meios físicos ou presenciais.
No entanto, nessas plataformas vários riscos do negócio são repassados ao trabalhador, a
exemplo do cancelamento das chamadas do tempo de espera não remunerado e o risco social de
doença ou acidente, além das despesas com equipamentos ou veículos. Isto porque os
trabalhadores destas plataformas são postos, no prisma formal-contratual, na posição jurídica de
parceiros autônomos. São tidos como livres para se ativar ou desativar no horário de sua escolha,
contudo por ganharem tão pouco são impelidos sempre a trabalhar o máximo da jornada
fisicamente possível. Curioso que na condição de autônomos, não tem autonomia para fixar o
preço de seu trabalho, recusar clientes ou mesmo avaliar seu parceiro, a plataforma eletrônica.
Em suma, esta contemporaneidade do trabalho em plataformas digitais renova a
avaliação da eficácia e dimensão do critério de subordinação jurídica como nota distintiva do
Direito do Trabalho. Fora da noção clássica de “subordinação jurídica”, estes trabalhadores
dependentes são excluídos da tutela legal da relação de emprego, inclusive padecendo de
extensas jornadas e baixas remunerações nos trabalhos “uberizados”. Entretanto, a realidade
destes dependentes desprotegidos repete o problema da excessiva exploração do trabalhador que
culminou no surgimento do Direito do Trabalho, embora o faça através de formas distintas da
relação de trabalho subordinado clássica. Não obstante, tem-se indubitavelmente repetida a
condição originária trabalhista: uma parte hipossuficiente que carece de proteção legal ante ao
poder econômico do seu tomador de serviços. A desigualdade das partes nestas novas relações de
trabalho persiste, ensejando a necessidade de um tratamento diferenciado e protetivo.
No âmbito normativo brasileiro, a Constituição Federal de 1988, que irradia seus
princípios e valores no sistema normativo, elenca como seu fundamento a dignidade da pessoa
humana (art. 1°, III). Para além da constitucionalização da tutela do trabalhador (art. 7°), o
ordenamento jurídico brasileiro estabelece a proteção ao trabalho como um dos seus valores
fundamentais e objetivos do Estado Brasileiro. Neste contexto valorativo constitucional, o
sistema normativo trabalhista tem objetivo proteger os trabalhadores (expressão literal do art.
7°), cabendo a reinterpretação da CLT a fim de cumprir o programa constitucional, na direção da

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