A ultra-atividade das normas coletivas, a reforma trabalhista, a negociação coletiva e a inconstitucionalidade do § 3º, do Art. 614, da CLT

AutorRoberto Pessoa
Páginas146-155

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Roberto Pessoa

Advogado e Desembargador aposentado do TRT da 5ª Região, Membro da Academia Brasiliense de Direito do Trabalho.

1. Introdução

Sob a coordenação do Ministro Douglas Alencar Rodrigues e dos advogados Mauricio Figueiredo Corrêa da Veiga e Matheus Figueiredo Corrêa da Veiga, recebi o honroso convite para participar, como articulista, da obra jurídica editada pela LTr em homenagem ao Ministro Aloysio Corrêa da Veiga.

A excelente iniciativa dos coordenadores, a meu juízo, tem dupla finalidade: prestar uma justa homenagem ao magistrado de escol, operoso e que dignifica a magistratura com uma exemplar dedicação de quatro lustres à Justiça Trabalhista e ao Direito do Trabalho e, concomitantemente, apresentar uma contribuição coletiva “atual e instigante quanto aos novos rumos do Direito do Trabalho, em face da sua história, dos princípios que lhe informam numa perspectiva nova, diante das diversas e recentes alterações processuais na legislação”, como destaca o gentil convite da coordenação deste evento.

Sem dúvida, vivenciamos uma fase crucial por que passa o Direito do Trabalho no Brasil, e as instituições que se destinam a interpretá-lo e aplicá-lo, por esse motivo, também, a obra, em boa hora editada pela LTr, ultrapassa os limites de uma mera coletânea de textos de autoria de amigos e admiradores do eminente Ministro Aloysio da Veiga, para ter o objetivo de provocar um debate plural sobre os temas explorados pelos autores dos artigos.

A oportuna e justa homenagem que ora se presta ao Ministro Aloysio Veiga é, portanto, difundir ideias, e esta é a melhor forma de destacar a sua exitosa biografia, edificada na luta pela efetividade do Direito do Trabalho.

Sinto-me gratificado e muito honrado em participar desta obra, editada em homenagem ao magistrado humanista, culto e de exemplar produtividade na célere prestação jurisdicional, como registram os boletins estatísticos, publicados pelo colendo Tribunal Superior do Trabalho, e assim se conduz desde que ascendeu ao cargo de Ministro da Corte Superior Trabalhista, testemunho que profiro em nome da militância na advocacia e na magistratura no Judiciário Trabalhista.

Podemos, sem hesitação e diante de tantos atributos, qualificar o Ministro Aloysio Correa da Veiga como um magistrado da mais alta categoria, e se faz merecedor desta homenagem que seus colegas, amigos e admiradores lhe prestam através da edição desta obra.

2. A ultra-atividade das normas coletivas – acordo e convenção

Velho tema, instigante, e antigas polêmicas que reacendem com a edição da Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista)

Acentuávamos (Rodolfo Pamplona e eu) em artigo editado pela Revista do Tribunal Superior do Trabalho, “um dos temas que mais verificamos divergência entre a jurisprudência consolidada e o que se propugna na doutrina especializada é a velha questão da ultra-atividade das normas coletivas”.1

E, no mesmo artigo, destacamos que “denomina-se a questão de “velha” não por estar superada, mas sim por ser objeto de reflexão há muitos anos na dogmática jurídica trabalhista nacional e estrangeira”.

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Anotamos, em seguida, que “a velha questão ganhou nova roupagem e, a nosso entender, nova solução com o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004”.

Na oportunidade, registramos que o “o objetivo do nosso artigo era enfrentar aquela nova velha questão”.

Fomos a ela.

Tudo o que escrevemos, à época, foi antes da revisão pelo TST do enunciado da Súmula n. 277, tanto que ousamos em pugnar pela necessidade de revisão do verbete, ao fundamento de que a Emenda n. 45/2004 alterou o § 2º do art. 114 da Constituição Federal e consagrou o princípio ultra-ativo das normas coletivas editadas pela via da autocomposição e que a aplicação do princípio, ao contrário do que apregoava e, ainda, apregoa, parte da doutrina, incentivaria a negociação coletiva e atuação sindical, a exemplo do que ocorre com outros sistemas normativos correlatos.

O estímulo à negociação coletiva é objeto de relevo em vários trechos da Constituição da República, como se vê, por exemplo, nos incisos VI, XIII, XIV, XXVI do art. 7º da sobredita Carta e, também, enfatizado pela Lei n. 13.467/2017 embora imponha algumas restrições como se vê dos diversos incisos do art. 611-B da CLT.

Este estímulo à negociação é destacado pelos Ministros Augusto Cesar Leite de Carvalho, Katia Arruda Magalhães e Mauricio Godinho Delgado2, em artigo sobre a necessidade de Revisão da Súmula n. 277 e o acerto da decisão do Tribunal Superior em assim proceder.

Há quem advogue o contrário, quando sustentam a desmotivação da classe trabalhadora em promover nova negociação ao argumento de que o efeito ultra-ativo das cláusulas normativas gera a incorporação nos contratos individuais e a classe patronal não conseguirá demover os representantes da entidade sindical profissional da necessidade de revisão das condições concedidas no ano anterior e não permitem renová-las ou mantê-las após expirado o prazo de vigência da norma coletiva que as instituiu, sob o argumento, dentre outros, da ocorrência de mudanças na economia.

É um argumento relevante.

Mas, não menos relevante o que sinaliza para a recusa à negociação do lado patronal, em face do óbice processual erigido pela Emenda n. 45/2004, ao instituir um novo pressuposto processual para a instauração da ação coletiva perante o Judiciário Trabalhista, o “comum acordo”, praticamente irrealizável e intransponível “na rigorosa observação do Minis-tro Mauricio Godinho Delgado” in A Reforma Trabalhista no Brasil.3

Diante da exigência do comum acordo, o que ocorre, de praxe, é a fragilização das categorias profissionais, que ficarão sob a dependência do setor patronal para promoverem o dissídio coletivo, caso a negociação coletiva seja infrutífera e, admitida a recusa, ainda que imotivada, pelo Judiciário, a consequência é a extinção da ação coletiva (dissídio).

Os Tribunais Trabalhistas, inclusive o TST, registram a oposição patronal diante do ajuizamento da ação coletiva pelo Sindicato Profissional e a decisão, em geral, é pela extinção do Dissídio Coletivo.

A respeito do pressuposto processual criado pela Emenda n. 45, debate-se perante o Supremo Tribunal Federal, em Recurso Extraordinário, a existência de vício da inconstitucionalidade do § 2º, do art. 114, com a redação conferida pela Emenda n. 45, de 2004, por ofensa aos arts. 5º, XXXV e XXXVBI, e 6º, § 4º, do Diploma Maior.

Para o Ministro Marco Aurélio de Melo:

A controvérsia reclama o crivo do Supremo Tribunal Federal presentes diversas situações nos quais certo Suscitante encontra-se impedido de formalizar dissídio coletivo de natureza econômica ante a ausência de comum acordo entre as partes, versado no § 2º, do art. 114, da Carta de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 45, como requisito para tanto.4

Decidiu o Ministro Marco Aurélio, de forma monocrática, prover o Recurso de Agravo e determinou a sequência do extraordinário, pois reconheceu, no caso, a existência e configuração de repercussão geral.

O processo foi encaminhado à Procuradoria Geral da República para oficiar.

Em sentido diametralmente oposto, temos a posição do Ministro Gilmar Mendes que, na ação ADIN n. 3.243, ajuizada pela Confederação Nacional dos Profissionais Liberais

– CNPL e as de ns. 3.431, 3.432 e 3.450 ajuizadas pela CNTC-CONTEC, bem como do processo de Agravo Regimental interposto no Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo e, ainda, o que anota o Tribunal Superior do Trabalho, “que não se di-visa nenhuma inconstitucionalidade na exigência do comum acordo para o seu ajuizamento.” Eis a Ementa do Acordão:

AGRAVO REGIMENTAL. PEDIDO DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. “COMUM ACORDO”. I – A norma do § 2º do art. 114 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 45/2004, não aboliu o poder normativo desta Justiça, nem subtraiu sua função jurisdicional, a desautorizar a tese que se alardeara, aqui e acolá, de que ele teria passado à condição de mero juízo arbitral. II – É que a atividade jurisdicional inerente ao poder normativo identifica-se como atividade atípica, à medida que, diferentemente da atividade judicante exercida no processo comum, não tem por finalidade a aplicação de direito preexistente, mas a criação de direito novo, detalhe que lhe dá feição sui generis de a Justiça

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do Trabalho, como órgão integrante do Poder Judiciário, desfrutar, mesmo que comedidamente, da atividade legiferante afeta ao Poder Legislativo. III – Tendo por norte essa singularidade da atividade jurisdicional cometida à Justiça do Trabalho, em sede de dissídio coletivo, mais a constatação de o § 2º do art. 114 da Constituição ter erigido a negociação como método privilegiado de composição dos conflitos coletivos de trabalho, não se divisa nenhuma inconstitucionalidade na exigência do comum acordo para o seu ajuizamento. IV – Com efeito, se para a propositura do dissídio a Constituição exigiu a frustração da negociação coletiva entre os contendores, não há como se vislumbrar a pretensa vulneração do princípio da inderrogabilidade da jurisdição com a exigência de a entidade suscitada não se opor à sua promoção, considerando a atipicidade da atividade jurisdicional subjacente ao poder normativo deste ramo do Judiciário. V – Ressaltada a desnecessidade de a instauração do dissídio de natureza econômica ser precedida de petição conjunta dos dissidentes, como a princípio o poderia sugerir a expressão “comum acordo”, interpretação teleológica da norma constitucional induz à conclusão de a novel exigência não se configurar como mera...

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