Um ensaio sobre a tolerância, a interculturalidade e a educação em direitos humanos como meio eficaz para a efetivação da dignidade (da pessoa) humana no atual contexto do estado constitucional

AutorGabrielle Bezerra Sales Sarlet - Jayme Weingartner Neto
CargoDoutora em Direito pela Universidade de Augsburg (Alemanha)- UNIA. Juíza do Inter American Human Rights Moot Court Competition 2013/2014 (Academy on Human Rights and Humanitarian Law -The American University of Washington).Membro do IAC -Instituto dos Advogados do Ceará e membro da comissão de direitos dos animais da OAB - Graduado em Direito...
Páginas4-37
Rev. direitos fundam. democ., v. 23, n. 1, p. 4-37, jan./abr. 2018.
DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v23i11187
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
UM ENSAIO SOBRE A TOLERÂNCIA, A INTERCULTURALIDADE E A EDUCAÇÃO
EM DIREITOS HUMANOS COMO MEIO EFICAZ PARA A EFETIVAÇÃO DA
DIGNIDADE (DA PESSOA) HUMANA NO ATUAL CONTEXTO DO ESTADO
CONSTITUCIONAL
A ESSAY ON TOLERANCE, INTERCULTURALITY AND HUMAN RIGHTS
EDUCATION AS AN EFFECTIVE MEANS FOR THE REALIZATION OF HUMAN
DIGNITY IN THE CURRENT CONTEXT OF THE CONSTITUTIONAL STATE
Gabrielle Bezerra Sales Sarlet
Doutora em Direito pela Universidade de Augsburg (Alemanha)- UNIA. Juíza do Inter American
Human Rights Moot Court Competition 2013/2014 (Academy on Human Rights and
Humanitarian Law -The American University of Washington).Membro do IAC -Instituto dos
Advogados do Ceará e membro da comissão de direitos dos animais da OAB.
Jayme Weingartner Neto
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990), mestre em
Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra (2000) e doutor em Instituições de
Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2006). Professor
vinculado ao Programa de Mestrado em Direito e Sociedade do Unilasalle. Promotor de Justiça
(1991-2012). Desembargador junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Resumo
Trata-se de artigo que, mediante pesquisa bibliográfica e a partir do
atual contexto extremamente complexo, intenta investigar a confluência
das noções de interculturalidade, de sociodiversidade, de tolerância e
de educação em direitos humanos e fundamentais para a produção de
uma gramática cultural e, sobretudo, jurídica, que clarifique a ruptura do
paradigma atual, propicie o afastamento do perigo do fundamentalismo
e, desse modo, possibilite no cenário atual a efetiva concretização da
garantia da dignidade da pessoa humana na qualidade de pressuposto
lógico e axiológico do Estado Constitucional.
Palavras-Chave: Direitos humanos e fundamentais; Tolerância;
Dignidade da pessoa humana; Estado constitucional; Fundamentalismo
Abstract
Its an article that, through a bibliographical research and from the
current extremely complex context, tries to investigate the confluence of
GABRIELLE BEZERRA SALES SARLET / JAYME WEINGARTNER NETO
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Revista de Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 23, n. 1, p. 4-37, jan./abr., de 2018.
the notions of interculturality, sociodiversity, tolerance and education in
human and fundamental rights for the production of a cultural grammar
and, above all, juridical, which clarifies the rupture of the current
paradigm, propitiates the removal of the danger of fundamentalism and,
in this way, makes possible in the present scenario the effective
concretization of the guarantee of the dignity of the human being as a
logical and axiological presupposition of the Constitutional State.
Key-Words: Human and fundamental rights; Tolerance; Human Dignity;
Constitutional State; Fundamentalism.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Os Estados, assim como a própria ordem jurídica e política nacional e
internacional, existem em função e a serviço do Homem e se legitimam na medida em
que respeitam, protegem e promovem a dignidade da pessoa humana, os direitos
humanos e os direitos fundamentais. O modelo do Estado Constitucional, portanto, é o
de um Estado essencialmente “amigo” dos direitos humanos e fundamentais e que
também os assume como tarefa e como objetivo. Da mesma forma, amplamente
reconhecido o estreito vínculo entre a cultura (num sentido mais amplo), o ensino e a
educação (categorias mais estritas que a primeira) e a dignidade da pessoa humana e
os direitos humanos e fundamentais que lhe são inerentes. Sem que se possa aqui
detalhar, mesmo em caráter parcial, tais relações, o fato é que cada vez mais se
assume como correta a noção de que tanto a dignidade, quanto os direitos humanos e
fundamentais, não sendo nem dádiva nem qualidade inerente à natureza humana (em
uma perspectiva jusnaturalista clássica), são, assim como o próprio Direito, um
fenômeno cultural, resultado de um processo de atribuição de valor e de
reconhecimento recíprocos, institucionalizados mediante a regulação pelo Direito e
pela Política. Mais uma vez enunciadas as escusas pela falta de desenvolvimento de
tais premissas, considerado o enfoque do presente trabalho, o que nos move é
identificar algumas aproximações entre a dignidade da pessoa humana, os direitos
humanos e fundamentais, e o dever do Estado e da sociedade com uma educação
comprometida com a dignidade e os direitos, o que e esta a tese central aqui
esgrimida (ainda que despida de qualquer pretensão em termos de originalidade)
desafia uma compreensão e aplicação inclusiva (portanto, plural), tolerante e
definitivamente não-fundamentalista da dignidade da pessoa humana e dos direitos
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humanos e fundamentais, especialmente no âmbito do processo que envolve a
educação em geral, assim como o ensino e a pesquisa em particular.
Em verdade, basta um exercício de memória e a resposta salta aos olhos. Se
contra os fundamentalismos - fiquem nas crenças, sejam eles militantes
(WEINGARTNER NETO, 2007)- a linguagem talvez possa substituir a violência, o que
se propugna é que o discurso do direito seja instrumento para maximizar a tolerância e
bloquear o ódio, constituindo a linha que nos separa do intolerável, o que, de resto, nos
remete à função da dignidade da pessoa humana, na sua condição de princípio e regra
na arquitetura jurídico-constitucional, como limite à ação do Estado e da sociedade
aliás, como barreira mesmo à degradação do homem por si mesmo,
1 aspecto que, por
ora, não será mais desenvolvido.
Para que o discurso do Direito seja bem construído, devidamente embasado e
mostre-se efetivo, é preciso que os respectivos profissionais e estudantes sejam bons
leitores da realidade nacional e internacional, que se apresenta em termos de
sociodiversidade, interculturalidade e complexidade, minorias e inclusão. Para tanto, a
intenção do artigo, é a de que é preciso refletir sobre temas de formação geral,
sobretudo em face da ideia de tolerância, que são verdadeiros pressupostos para a
tomada de decisão jurídica sobre uma série de problemas concretos2 tendo como
horizonte a dialética de complementaridade de Miguel Reale, no sentido de que o
fenômeno jurídico é sempre inarredável trama de fatos, valores e normas. É o que se
passa a fazer, nos tópicos que seguem.
2. A TOLERÂNCIA EM FACE DA RUPTURA DO PARADIGMA VIGENTE
É dado de percepção geral que a sociedade moderna está em crise, sendo a
proliferação dos fundamentalismos uma de suas facetas mais visíveis, pelo que
parece interessante examiná-la no bojo de transições paradigmáticas mais amplas.3
1 Sobre as dimensões e funções da dignidade v., por todos, SARLET (2015).
2 Cf. Portaria INEP nº 129, de 24/6/2009, que trata do Exame Nacion al de Desempenho dos Estudantes
(ENADE), parte integrante do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES),
especialmente art. 3º (componente de Formação Geral).
3 A humanidade atravessa um período de transição. Immanuel Wallerstein, que foi presidente da
Associação Internacional de Sociologia entre 1994-1998, argumenta que se vive um “momento de
bifurcação do sistema e de grande instabilidade, cujo resultado é o fim de nossas certezas e da crença
no progresso. Mas, também, simultaneamente, a possibilidade de criar um mundo mais democrático e
igualitário.” Essa a sum a da conferência que pronunciou em Praga (1997), sob o título Uncertainty and
creativity – WALLERSTEIN, Immanuel. “Incerteza e criatividade”, Logos, ano 12, nº 2 (especial),
setembro de 2000: Cachoeira do Sul, Universidade Luterana do Brasil, pp. 5-8. Para uma visão de

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