Um modelo de análise da argumentação legislativa

AuthorManuel Atienza
Pages131-178
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CAPÍTULO VII
UM MODELO DE ANÁLISE DA
ARGUMENTAÇÃO LEGISLATIVA
§ 28 Introdução. Análise de dois casos
legislativos
Em uma série de artigos publicados a partir dos anos de 1980, e
posteriormente reunidos em uma única obra, apresentei um modelo
para a análise da legislação que pode ser resumido nas duas tabelas
às quais me referirei a seguir. A primeira mostra como o processo
de produção das leis pode ser entendido como uma série de intera-
ções que ocorrem entre elementos distintos: editores, destinatários,
sistema jurídico, f‌ins e valores; e que dão origem a diferentes níveis
de racionalidade: linguística, sistemática, pragmática, teleológica
e axiológica.112 E a segunda sugere uma análise externa de caráter
dinâmico do processo legislativo (como as noções de racionalidade se
combinam para explicar esse processo) na qual é feita uma distinção
entre uma fase pré-legislativa, uma legislativa e uma pós-legislativa,
cada uma das quais é delimitada por dois extremos que marcam o
112
Ver o gráfico da página 54.
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MANUEL ATIENZA
início e o f‌im do processo e que, no esquema, é representado por
operações intermediárias.113
Depois disso, há pouco mais de uma década, f‌iquei interessado
em conectar essa concepção da legislação com a argumentação jurí-
dica: a teoria da legislação com a teoria da argumentação. Propus,
então, um modelo de análise da argumentação legislativa (entendida
como aquela que ocorre no interior dos parlamentos) a partir da
distinção de dois níveis ou perspectivas. O primeiro buscava captar
o processo de argumentação por meio de um esquema que engloba
as várias fases da discussão, as diferentes questões levantadas em
cada fase, as atitudes de cada um dos participantes (basicamente,
de aceitação ou rejeição) e as razões apresentadas a favor ou contra.
A segunda implicava a seleção de um fragmento dessa complexa
atividade: a argumentação levada a cabo por um dos intervenientes
em relação a uma das questões levantadas.
Agora, meu objetivo é tentar desenvolver um pouco mais o
esquema anterior a partir da análise de dois “casos legislativos”
tomados da experiência do parlamento espanhol. E verif‌icar se esse
estudo “empírico” nos permite chegar a alguma conclusão que possa
ser considerada de interesse tanto para a teoria da legislação quanto
para a teoria da argumentação jurídica.
§ 29 Uma modif‌icação da lei do aborto
O primeiro dos casos de argumentação legislativa que examinarei
aqui se refere à Lei Orgânica n. 11/2015 para fortalecer a proteção
das jovens e mulheres com capacidade judicialmente modif‌icada
na interrupção voluntária da gravidez. Um motivo para a escolha
dessa lei é que ela (sua discussão parlamentar) já foi objeto de uma
113
Ver o gráfico da página 64.
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CAPÍTULO VII - UM MODELO DE ANÁLISE DA ARGUMENTAÇÃO...
análise detalhada por Daniel Oliver-Lalana,114 de forma que isso pode
permitir algum tipo de comparação entre dois métodos de análise
e avaliação da argumentação legislativa. Desde já, esclareço que o
método que vou propor só difere realmente do de Oliver-Lalana
na medida em que pretende ser mais simples que o seu, muito mais
simples; o que talvez não seja irrelevante. E outro motivo é que se
trata de uma lei muito especial, não só porque contém apenas dois
artigos, mas também porque, na (extensa) discussão parlamentar à
qual deu origem, houve uma circunstância que simplif‌ica bastante
as coisas, pois o que aconteceu foi realmente um debate entre duas
partes: por um lado, os parlamentares do Partido Popular, defensores
da lei em questão; e, por outro lado, os demais parlamentares que,
embora pertencentes a partidos políticos de diversas tendências ideo-
lógicas, opunham-se à aprovação da lei, utilizando argumentos que
eram não só semelhantes, mas, diria, essencialmente coincidentes.115
Além do mais, em minha análise, parti da discussão que ocorreu
no plenário do Senado espanhol em 9 de setembro de 2015,116 mas
não acho que teria que mudar nada (ou nada de importante) se as
discussões anteriores no Congresso e na comissão do Senado fossem
agregadas a ela.
114 OLIVER-LALANA, A. Daniel. “Mejores y peores argumentaciones
legislativas: un enfoque para evaluar la justificación parlamentaria de
las leyes”. Convegno la motivazione delle leggi,Anais. Milão: Università
degli Studi di Milano, Dipartimento Cesare Beccaria, abr. 2017.
115
Creio que a única exceção sejam algumas declarações de alguns
representantes do Partido Nacionalista Basco e da Convergència
i Unió que, em todo caso, não contribuem em nada do ponto de
vista argumentativo, ou seja, não introduzem novos argumentos no
debate. E quanto às coincidências, existem, obviamente, algumas
diferenças de ênfase (e de retórica), mas eu diria que todos aqueles
que se opuseram à aprovação da lei concordariam com a síntese de
argumentos que agora vou apresentar.
116
ESPANHA.
Cortes Generales. “Senado, X Legislatura”. Diario de
Sesiones, 09 set. 2015. Disponível em: https://www.senado.es/le-
gis10/publicaciones/pdf/senado/ds/DS_P_10_171.PDF. Acessado em:
15.08.2022.

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