Um novo modelo de processo para a lei de ação civil pública

AutorMarcelo Abelha Rodrigues
Páginas25-40
CAPÍTULO 2
UM NOVO MODELO DE PROCESSO
PARA A LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
1. O PROCESSO DEMOCRÁTICO PÓS CF/88
O art. 1º da CF/88 estabelece que a República Federativa do Brasil é um Estado
Democrático de Direito e que “todo poder emana do povo que o exerce por meio de represen-
tantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Está claro no texto constitucional que todo poder emana do povo e que o modelo
democrático de Estado é, ao mesmo tempo, o fundamento e o f‌im da atuação estatal.
Registre-se que o poder estatal nada mais é – ou deveria ser – que o povo exercendo
direta ou indiretamente a sua soberania. O Estado deveria agir pelo povo, com o povo
e para o povo.
Neste diapasão, parece-nos lógico que se o processo é um método estatal de atuação
do Poder Judiciário, Legislativo e Executivo, então, seja ele destinado à resolução de
conf‌litos, ou à função legislativa ou à executiva, é preciso que esse método seja efetiva-
mente democrático na mais lata acepção que a palavra comporta.
Um adendo ainda é preciso ser feito. É que considerando que os membros do Poder Judiciário – ao contrário
dos membros do legislativo e executivo – não são escolhidos pelo sufrágio popular, mas mesmo assim exer-
cem o poder estatal que pertence ao povo, então resta claro que o processo, visto como método estatal de
resolução de conitos pelo qual atua o poder judiciário, deve de forma ainda mais contundente permear-se
completamente pelos tentáculos da democracia.
Sendo o processo o vetor que liga o jurisdicionado ao poder judiciário, e, meio pelo
qual poderá obter a proteção jurisdicional contra lesão ou ameaça aos seus direitos,
então é certo que a este jurisdicionado deve ser proporcionado o direito a um processo
totalmente regido pelo Modelo Democrático de Estado, pois, frise-se, é assim que deve
o Estado atuar.
Enf‌im, quando se diz que o jurisdicionado tem o direito fundamental a um processo
democrático e o Estado tem este dever correlato é preciso saber de que forma e com que
conteúdo este direito (e este correlato dever) deve ser preenchido.
É neste ponto que se realiza a conexão entre o modelo democrático de processo e o
direito a um processo justo. Resta claro que todos tem direito a um processo que exale a
democracia e o Estado o dever de prestar e atuar com base neste modelo de processo.
Mas, paralelamente a isso existe ainda dois direitos fundamentais que densif‌icam o
conteúdo do processo democrático. São eles o direito fundamental de acesso à justiça e
o direito fundamental ao devido processo.
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA E MEIO AMBIENTE • MARCELO ABELHA RODRIGUES
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Assim, dentre os direitos fundamentais previstos no artigo 5º da CF/88 merecem
destaque para esta explanação o previsto no inciso XXXV e o no inciso LIV. Segundo
estes dispositivos “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
a direito” e “ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal”. Tem-se
aí, resumidamente o direito de acesso à justiça e que este acesso seja realizado com a
concretização do direito fundamental a um devido processo (giusto processo).
É o processo democrático que legitima o amplo e irrestrito acesso à justiça e que
este acesso seja feito segundo os ditames de um processo adequado, justo. Como se
disse, é o modelo estatal democrático que impõe ao Estado o cumprimento de um devi-
do processo, que, frise-se, também atinge o modelo de processo legislativo e executivo.
E, vale dizer, em relação ao poder legislativo, eleito pelo povo, a este impõe o dever de
legislar de forma a criar técnicas processuais que respeitem o direito fundamental ao
processo justo. Só assim a democracia será cumprida em prol do verdadeiro soberano
do poder estatal. E, ao dizer que deve o poder legislativo legislar orientado pela busca de
um devido processo signif‌ica dizer que deve concentrar-se em criar técnicas processuais
que sejam adequadas aos direitos materiais que visam tutelar.
O conteúdo deste devido processo que deve pautar a atuação do estado-juiz, que
deve servir de norte para o legislador na criação de regras processuais adequadas à
tutela dos direitos e que deve constituir a tessitura da atuação do poder executivo não
é tarefa fácil, pois constitui uma cláusula aberta, justamente para que se lhe outorgue
uma f‌lexibilidade lógica e vinculada ao direito que vise tutelar. Contudo há um núcleo
duro que de alguma forma densif‌ica esta cláusula geral e que serve de guia para o esta-
do-juiz-legislador-administrador.
Não basta dizer que todos temos direito a um processo justo ou a um devido pro-
cesso porque é preciso identif‌icar o conteúdo mínimo deste devido processo que garanta
o exercício da democracia no (e pelo) processo. Nesta sede nos ateremos ao processo
jurisdicional, ou seja, ao método jurisdicional de resolução de conf‌litos.
O direito fundamental a um devido processo (processar e ser processado)
deve ser preenchido com observância das garantias processuais fundamentais que
corporif‌icam o devido processo legal processual. Tais garantias, são, em síntese: (a) o
direito de acesso à justiça; (b) juiz natural; (c) igualdade das partes; (d) contraditó-
rio e ampla defesa; (e) publicidade e motivação das decisões judiciais; (f) duração
razoável do processo.
Por isso, sendo o “devido processo legal” a raiz de todos os demais princípios estru-
turantes do exercício da função jurisdicional, tem-se que os postulados constitucionais
da isonomia, contraditório, ampla defesa, imparcialidade do juiz, juiz natural, acesso
à prova, duração razoável do processo etc. nada mais são do que desdobramentos do
“devido processo legal”, que, quando exercitados no processo, culminam no que se
chama de “processo justo ou tutela jurisdicional justa”. Portanto, justa é a tutela juris-
dicional que consegue pôr em prática todos os princípios do devido processo legal, com
o adequado equilíbrio entre os mesmos, de forma a alcançar um resultado que possa
ser tido como “justo”.
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