UM OLHAR SOBRE O FENÔMENO DA MATERNIDADE NATURALISTA: REFLETINDO SOBRE O PROCESSO DE MATERNAGEM

AutorCamilla Araújo Lopes Vieira, Alana Aragão Ávila
Páginas26-47
GÊNERO|Niterói|v.18|n.2|26 |1. sem.2018
UM OLHAR SOBRE O FENÔMENO DA
MATERNIDADE NATURALISTA: REFLETINDO SOBRE
O PROCESSO DE MATERNAGEM
Camilla Araújo Lopes Vieira1
Alana Aragão Ávila2
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo fomentar a discussão em torno
do tema da maternidade, especialmente no que diz respeito à maternidade
naturalista e sua formulação discursiva. Traçando um percurso histórico em torno
das modificações culturais no ocidente a respeito das formas de maternagem e da
figura da boa mãe, analisamos como o discurso naturalista estabelece no século
XXI um parâmetro moral para o correto exercício da maternidade, visto como
humanizado, ecológico e consciente e como esse discurso age no corpo social,
especialmente no que diz respeito à categoria das mulheres-mães.
Palavras-chave: maternidade; feminismo; gênero.
Abstract: This work aims to broaden the discussion around the theme of
motherhood, especially with regard to the naturalistic maternity and its discursive
formulation. Drawing a historical journey around the cultural changes in the
West about the forms of motherhood and good mother figure, we analyze how
the naturalistic speech traces the twenty-first century a moral parameter for the
correct exercise of motherhood, seen as humane, ecological and conscious and
how this discourse works in the social body, especially with regard to the category
of women-mothers.
Key words: maternity; feminism; gender.
Introdução
Existem alguns estereótipos relacionados ao “ser mulher”, dentre eles a
1 Doutora em Saúde Coletiva. Professora da Universidade do Ceará. E-mail: tgd.camilla@gmail.com
2 Mestranda no Programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catari-
na. E-mail: alanaavila01@yahoo.com.br
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necessidade de tornar-se mãe. Em uma sociedade onde a ordem vigente ainda é
a construção da família nuclear burguesa, consequentemente heteronormativa e
patriarcal, a maternidade é, por vezes, apresentada como a representação máxima
da feminilidade e realização da mulher.
Sempre nos inquietou a relação que a sociedade tem com mulheres grávidas.
Ao mesmo tempo em que elas são sacralizadas, são também fiscalizadas para
tomarem atitudes compatíveis com o que se entende por uma ‘boa mãe’. Essas
mulheres têm seus corpos tomados como públicos, e assim, são orientadas,
repreendidas, aconselhadas, tocadas e faladas por praticamente todos que as
cercam, especialmente outras mulheres. Essa relação entre mulheres foi a
primeira coisa que chamou atenção no tema.
Durante os cinco anos de graduação do curso de Psicologia, alguns elementos
auxiliaram a compreender a necessidade de problematizar e descristalizar temas
que, por vezes, parecem imutáveis como, por exemplo, os ideais de família. O
contato com a filosofia, a sociologia e a psicanálise propiciou uma base na qual
trabalhar esses temas que geralmente são delegados ao nível do indiscutível, sob
a naturalização das práticas diárias.
Muito além do senso comum precisamos então admitir algo: a maternidade
é construída. Não é inata e muito menos natural, é construção cultural. Quando
Simone de Beauvoir (1967) disse em uma de suas obras mais famosas “não se nasce
mulher, torna-se mulher” ela disse em uma frase simples uma forma de enxergar a
construção da nossa sociedade e papéis que se desenvolvem nela: o gênero.
Cotidianamente construímos verdades sobre gênero, sobre o que é ser
homem ou mulher. A partir dessas construções são designados papéis sociais que
enquadram os sujeitos dotados desses gêneros através de afinidades de cunho
‘natural’ que seriam tomados como parte inata dos sujeitos. A feminilidade vem
sendo construída de modo a definir o sujeito mulher, além de arrastar com esse
significante, tantos outros tais como: dócil, frágil, afável, passiva e destinada à
procriação e vida doméstica (NUNES, 2000). Ser mulher, de acordo com tais
construções, é ser mãe e a mãe é, assim, um dos personagens através nos quais
a sociedade perpetua seu poder sobre o corpo social. A construção de discursos
e práticas relacionados à maternidade e ao corpo feminino são produtoras de
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