Um olhar iconoclasta aos rumos da execução civil e novos e-designs: como os smart contracts e as online dispute enforcements podem revelar inovações para a desjudicialização da execução

AutorDierle Nunes, Antônio Aurélio de Souza Viana e Camilla Paolinelli
Páginas213-247
UM OLHAR ICONOCLASTA AOS RUMOS DA
EXECUÇÃO CIVIL E NOVOS E-DESIGNS: COMO
OS SMART CONTRACTS E AS ONLINE DISPUTE
ENFORCEMENTS PODEM REVELAR INOVÕES
PARA A DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO1
Dierle Nunes
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/ Universitá
degli Studi di Roma “La Sapienza”. Mestre em Direito Processual pela PUC Minas.
Professor permanente do PPGD da PUC Minas. Professor Adjunto na PUC Minas e
na UFMG. Secretário Adjunto do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro
da Internacional Association Procedural Law, do Instituto Iberoamericano de derecho
procesal e do Instituto Panamericano de Derecho Procesal. Diretor Executivo do Ins-
tituto de Direito Processual – IDPro. Membro da Comissão de juristas que assessorou
no Código de Processo Civil de 2015 na Câmara dos Deputados. Membro honorário
da Associação Iberoamericana de Direito e Inteligência Articial Diretor do Instituto
Direito e Inteligência Articial – IDEA. Advogado: dierle@cron.adv.br.
Antônio Aurélio de Souza Viana
Doutorando em Direito Processual pela Puc Minas, com bolsa da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Mestre e especialista em
Direito Processual pela PUC Minas. Presidente da Comissão de Direito, Tecnologia
e Inovação da OAB/Contagem. Membro do IDEA. Advogado e professor.e-mail:
aureliosviana@hotmail.com.
Camilla Paolinelli
Doutoranda e mestre em Direito Processual pela PUC Minas. Coordenadora do curso
de direito da PUC Minas - Serro, professora de cursos de graduação e especialização
da mesma instituição. Membra da Comissão de Processo Civil da OAB/MG. Advoga-
da.E-mail: camillamattos@hotmail.com.
1. INTRODUÇÃO: A CRISE NA EXECUÇÃO/O FRACASSO NA EXECUÇÃO
CIVIL
Não é de hoje que estudiosos apontam que o sistema brasileiro de justiça pública
padece de graves problemas nos procedimentos civis de recuperação de crédito. A
execução civil brasileira é sinônimo de crise: excesso de morosidade, dif‌iculdade
demasiada na localização e constrição de bens, altos custos na realização da expro-
1. Este texto é resultado do grupo de pesquisa “Processualismo Constitucional democrático e reformas
processuais”, vinculado à Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Universidade Federal de
Minas Gerais e cadastrado no Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa do CNPQ (http://dgp.cnpq.br/
dgp/espelhogrupo/3844899706730420). O grupo é membro fundador da “ProcNet – Rede Internacional
de Pesquisa sobre Justiça Civil e Processo contemporâneo” (http://laprocon.ufes.br/grupos-de-pesquisa-
-integrantes-da-rede).
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priação, burocratização e demora na consumação de leilões judiciais, obstáculos no
tocante à prevenção e combate das fraudes do devedor, inef‌icácia dos procedimentos
sub-rogatórios e coercitivos são alguns de seus entraves.
Flávia Pereira Ribeiro disserta que as mazelas enfrentadas na execução civil
estão também relacionadas a questões de ordem econômica ligadas à falta de juízes
e servidores em muitas comarcas, bem como a ausência de investimentos adequados
em aparelhamento material, instrumental e tecnológico do Poder Judiciário2. Araken
de Assis af‌irma que há também uma espécie de crise de demanda relativa ao vultuoso
número de conf‌litos, cada vez mais complexos que chegam à apreciação do Judiciário3.
As preocupações com a litigiosidade repetitiva e multifacetada, com a permis-
sividade no tocante a manobras proletórias no sistema de recuperação de crédito e
com o excesso de execuções f‌icais que somam, hoje, quase 70% dos procedimentos
judiciais de sub-rogação no Brasil, norteiam as discussões que indicam um cenário
de “crise” de produtividade e satisfatividade das execuções civis.
Os impasses são tantos que a série histórica do “Justiça em Números” (CNJ) tem
um recorte específ‌ico voltado ao exame dos gargalos da execução, tendo em vista
que dos mais de 77 milhões de processos que aportaram à estrutura do judiciário em
2019, mais da metade (55,8%) se referia a processos de execução. Os dados do estudo
apontam que o acervo de procedimentos executivos era 54,5% maior que de ações
de conhecimento, sendo que as execuções f‌iscais representaram 70% do estoque, em
2019. Isso denota que os procedimentos de execução civil e f‌iscal são os principais
responsáveis pela alta taxa de congestionamento do Judiciário, representando 30%
do total de casos pendentes com congestionamento de aproximadamente 87% em
20194. “O impacto da execução é signif‌icativo principalmente nos segmentos da
Justiça Estadual, Federal e Trabalhista, correspondendo, respectivamente, a 56,8%,
54,3%, e 55,1% do acervo total de cada ramo (...). Em alguns tribunais, a execução
chega a consumir mais de 60% do acervo.5
A situação é especialmente alarmante nos processos de execução de título ex-
trajudicial. Gráf‌icos do “Justiça em Números” 2020 destacam que no ano de 2019,
33.317.661 de execuções civis de título extrajudicial e 7.911.479 de execuções civis
de título judicial estavam suspensas ou pendentes de resolução6. O tempo médio de
tramitação de processos de execução f‌iscal, grande maioria do acervo de procedi-
mentos executivos, como já dito, em 2019, foi de 8 anos e para as demais execuções
2. RIBEIRO, Flávia Pereira. Desjudicialização da Execução Civil. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2019 (livro eletrônico).
Também nesse sentido, a autora alerta, se valendo de Bedaque, que “a divisão de “serviço” entre os juízes
não é proporcional, não sendo raros os casos de juízes subaproveitados, enquanto outros se encontram
assoberbados, sem condições de prestar a tempestiva tutela jurisdicional”.
3. ASSIS, Araken de. O direito comparado e a ef‌iciência do sistema judiciário. Revista do Advogado. São Paulo:
AASP, n. 43, jun. 1994, p. 11.
4. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2020: ano-base 2019. Brasília: CNJ, 2020, p.
150.
5. Ibidem.
6. Op. cit., p. 151.
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o tempo passaria de 5 anos e 11 meses para, em média, 3 anos e 3 meses, no ano de
20197.
Apesar do estudo demonstrar que, em 2019, houve um avanço dos indicadores
de desempenho na fase / processo de execução, apontando para um quantitativo
de processos baixados superior ao montante de casos novos, a taxa de congestio-
namento da execução supera muito a de conhecimento8. Isso importa não só numa
redução dos índices de produtividade, como é responsável por gerar uma sensação
de insatisfação por parte de quem busca a ajuda do Judiciário para recuperar o que
tem direito de receber.
O altíssimo número de procedimentos executivos suspensos ou pendentes de
resolução apontado pelo relatório, pode ser indicativo das dif‌iculdades no que toca
à localização de bens que façam frente à satisfação do débito. Explica-se: é que o
art. 921, III do CPC/15 dispõe que, se executado não possuir bens penhoráveis, o
processo de execução será suspenso, situação em que, depois de um ano, não loca-
lizados bens, haverá arquivamento dos autos com início da contagem de prazo de
prescrição intercorrente.
Não se olvida que os mais de 40 milhões de procedimentos de execução civil
pendentes de resolução ou, pelo menos a maioria deles, estão suspensos ou não fo-
ram resolvidos devido à dif‌iculdade excessiva de encontrar patrimônio do devedor,
capaz de solver a dívida.
A falta de um sistema unif‌icado de pesquisa de bens,9 com cruzamento de da-
dos e os embaraços na identif‌icação de possíveis condutas fraudulentas, associadas
à cumulatividade de hipóteses de impenhorabilidade de bens podem também estar
relacionados ao questionável desempenho dos procedimentos de recuperação de
crédito no Brasil.
O CPC de 2015 já havia direcionado esforços no sentido de contornar parte
dos obstáculos que acometem a execução civil brasileira: i) a inclusão da premissa
corretiva do art. 4º10, CPC/15 que atrela a garantia de duração razoável do proce-
dimento à execução; ii) a previsão do contraditório comparticipativo (cooperação
processual: art. 6º11, CPC/15) entre os sujeitos do procedimento (incluindo-se aí o
devedor); iii) a imposição de nudges executivos12 decorrentes da prescrição de medi-
7. Ibidem, p. 161.
8. Ibidem, p. 167.
9. Cf. NUNES, Dierle; ANDRADE, Tatiane. Recuperação de créditos: a virada tecnológica a serviço da execução
por quantia certa. Belo Horizonte: Expert, 2021.
10. Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade
satisfativa.
11. Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável,
decisão de mérito justa e efetiva.
12. NUNES, Dierle; ALMEIDA, Catharina. Medidas indutivas em sentido amplo do art. 139, IV do CPC: o
potencial do uso de nudges nos módulos processuais executivos para a satisfação de obrigações por quantia
certa – Parte 1. Repro – Revista de Processo, 2022 (no prelo).
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