Uma Lição Americana

AutorSebastião Machado Filho
CargoProfessor Titular da Faculdade de Direito da UnB - Doutor em Direito

O principal problema da Política é de natureza moral, porquanto não existe política sem conotação ética. Como no Direito, não há falar em neutralidade axiológica em Política. Justo porque a Política não é só um produto do homem como, também, é o homem mesmo, partindo-se da consideração aristotélica de que o homem é um zoon politikon por natureza, no exato sentido de que vive numa polis, isto é, como cidadão membro de uma cidade, como observou Marx, Karl ("El Capital", trad. W. Roces, Ed. F.C.E., México, 1946, T. I, V. 1, cap. XI, p. 363, nota n. 13), fora da qual é um deus ou um animal feroz.

Quando se fala em "crise política", em verdade, se trata de uma crise do próprio homem e, não, da política em si. Crise moral. A crise política é uma crise moral do homem. A crise não é política nem está na política em si mesma, mas é do e está no homem, em si mesmo. Está dentro do homem e fora da política. Por certo, não existe assunto mais importante do que o da eticidade do ser humano em geral e, em particular, daqueles que atuam no governo da Nação como representantes do povo, eleitos ou não, detentores de poder decisório. Um problema de caráter, de natureza cultural e religiosa.

Em matéria de "crise política" - na expressão de George Santayana - "o grande problema não é saber se somos capazes de transformar o mundo inteiro, mas saber se podemos fazer alguma coisa das nossas próprias vidas. Seremos capazes de as tornar mais humanas e mais belas?" (Wesep, H.B., "A Estória da Filosofia Americana", Ed. Fundo de Cultura, Rio, S. Paulo, Lisboa, 1966, p. 342). Mais: se somos capazes de realizar uma política digna de homens dignos. Seremos todos - e os políticos em primeiro plano, já que se propõem a cuidar da saúde social - capazes de criar biografias condignas que nos auxiliem a aprimorar nossa cultura, a nossa razão e o nosso espírito, enfim, a nossa humanidade, de modo que possamos nos orgulhar de ser quem somos? Ou valerá mais a prosperidade dos corruptos e o comodismo dos demais? Um Brasil… um país às avessas? Um país em que os corruptos mandam e os homens de bem obedecem?

Não se trata de achar uma solução teórica para um problema prático, mas - ao contrário - de encontrarmos uma solução prática para um problema teórico. Em outras palavras, um meio objetivo para uma mudança subjetiva de caráter. Nesse sentido, a filosofia do pragmatismo poderá servir de instrumento adequado para o alcance dessa meta, ainda que possa estar - segundo alguns de seus críticos - contaminada pelo vírus do utilitarismo empírico próprio do liberalismo do laissez faire laissez passer, do "laisser à quelqu'un à faire quelque chose"… mas, contanto que as pessoas sejam responsáveis pelas conseqüências de seus atos ilícitos e imorais. De qualquer modo, historicamente, parece não haver outro caminho a seguir. Pelo menos para qualquer comunidade que, no mínimo, não pretenda descartar a democracia como forma de convivência.

Pontuou Ralph Waldo Emerson: "é preciso ter a coragem de ser o que se é e viver de acordo com isso, enfrentando os problemas de hoje e resolvendo todos eles, não em um futuro indeterminado, mas hoje mesmo." (Wesep, H.B., "Ob. cit.", p. 82). EMERSON está aqui aconselhando que precisamos deixar de admitir e até mesmo de dizer que "o Brasil é um país do futuro…". Deixar de olhar para trás, e "exteriorizar as forças ocultas do desenvolvimento e da autoconfiança e estar sempre prontos para ser diferentes, para dar início a coisas novas". Deixar de ser "imitadores". Precisamos ser criativos. Quer dizer: precisamos ser nós mesmos.

Não importa o quanto, no início, possamos sofrer. É o sofrimento que nos calçará de dignidade e orgulho por valorarmos nossa personalidade, deixando florescer em nós o amor próprio e nos impondo o respeito a nós mesmos, para - só dessa maneira - merecer o respeito do resto mundo. Afinal, como enfatizava William James: "a vida não pode deixar de ser construída com base na ação, no sofrimento e na criação." (Wesep, H.B., "Ob. cit.", p. 163).

Portanto, deve ser desprezada qualquer política que implique qualquer subserviência, notadamente aos interesses econômicos estrangeiros. Este comportamento servil torna-se humilhante, lamentável e, às vezes, até mesmo digno de piedade. E, se adotado por devedores, somente inspira o desrespeito de todos aqueles que se respeitam, a si mesmos e, principalmente, a repugnância dos credores que nunca o adotaram.

A propósito, recentemente, noticiou a imprensa ter o Presidente da República do Brasil dado um pressuroso telefonema ao Presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, no dia 30 de maio de 1995, informando a este que a empresa norte-americana Raytheon vencera a concorrência para o fornecimento de equipamentos necessários à implementação do Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM) ou controle estratégico desta região - segundo foi revelado pelo jornalista Paulo Henrique Amorim (in "Jornal Nacional", da TV Globo, conforme noticiou o "Correio Braziliense", Brasília, sexta-feira, dia 9 de fevereiro de 1996, Seção "Política", p.5). O fato - a princípio negado, embora não de modo enfático - foi, posteriormente, admitido por um constrangido porta-voz do Palácio do Planalto, diante de um...

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