De uma Certa Coincidência dos Destinos dos Juízes e dos Advogados

AutorPiero Calamandrei
Ocupação do AutorJornalista, Jurista, Político e Docente universitário italiano
Páginas165-176

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O ADVOGADO – Feliz és tu, juiz, que podes seguir no teu trabalho o regulado ritmo do horário da profissão e sentir em tua volta, quando trabalhas, o respeito profundo da sala de audiência ou o secreto recolhimento da câmara de conselho. Quando entram os magistrados, finda todo o barulho. Tua obra faz-se longe dos tumultos, sem imprevistos e sem precipitações; ignoras a ânsia da improvisação, as surpresas da última hora; não te cansas à procura dos argumentos, visto que és chamado apenas para escolher entre os que nós, advogados, encontramos, nós que, para ti, fazemos o trabalho árduo da pesquisa.

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Ao passo que os outros homens se assentam para descansar, tu sentas-te para trabalhar e aos trabalhos de maior responsabilidade chamam-lhe até “assentos”. A tarefa do advogado não conhece horário nem trégua: cada processo abre um novo caminho, cada cliente suscita um novo enigma. O advogado deve estar ao mesmo tempo em cem lugares, bem como seu espírito deve seguir ao mesmo tempo cem pistas. É aos clientes e não a ele que pertencem suas horas noturnas e que são talvez aquelas em que atormentadamente elabora os mais preciosos argumentos. Ele, advogado, é, material e espiritualmente, o protótipo do irrequieto sempre alerta, enquanto tu és, oh juiz, a olímpica imobilidade, que sem pressa espera.

O JUIZ – Mas tu não sabes, advogado, qual a multidão de causas, qual o vaivém de incertezas, que se agitam às vezes na aparente imobilidade do magistrado. Se frequentes vezes, durante a noite, sentes bater à tua porta a petulância do cliente importuno, mais

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frequentemente eu sinto, até de madrugada, martelar no coração a angústia da dúvida. Qual o juiz que pode dormir na véspera de uma condenação à morte? E, depois, o peso da sentença proferida é apenas sobre o juiz que cai; o pavor do erro, o angustioso pensamento de ter atirado para a cadeia um inocente, são obcecações que o fazem vergar. Os juízes já não sabem rir, visto na sua frente se imprimir com os anos, tal como numa máscara, o espasmo da piedade a combater com o rigor. Quando, pela defesa que fizeste, cumpriste teu dever, podes, oh advogado, esperar calmamente, mas o juiz, esse, se consegue ser impassível, o que não pode é ter serenidade.

O ADVOGADO – Mas tu julgas que o advogado pode ser sereno? Não reparaste ainda, do alto da tua cátedra, que os advogados embranquecem precocemente e morrem mais cedo do que tu? O advogado vive cem vidas numa vida só, atormentam-no cem destinos diversos. Mesmo se, durante uma semana por ano, consegue isolar-se no alto de um monte

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ou a bordo de um...

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