Uma Crítica à Crítica Doutrinária das Greves por fora do Sindicato

AutorDanilo Uler Corregliano
Ocupação do AutorMestre e Doutorando pela FDUSP. Professor da Universidade São Judas Tadeu e da pós-graduação em Direito do Trabalho da Unianchieta. Membro do GPTC ? Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo/SP, Brasil
Páginas435-462
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UMA CRÍTICA À CRÍTICA DOUTRINÁRIA DAS GREVES POR FORA DO
SINDICATO
A REVIEW OF DOCTRINAL REVIEW OF NON-SYNDICAL STRIKES
Danilo Uler Corregliano
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RESUMO: Este artigo pretende discutir as greves que ocorrem sem a participação dos
sindicatos oficiais, sendo por isso chamadas de greves por fora. Para tanto, busca no
tratamento doutrinário ao tema as principais posições, revisando esta bibliografia à luz da
crítica ao sindicalismo de Estado no Brasil.
Palavras-chave: Greves por fora. Greves selvagens. Direito Coletivo do Trabalho.
Crítica do Direito.
ABSTRACT: This paper aims to discuss the strikes that occurs without the unions, so-
called non-syndical strikes. Therefore, pursue at the theme’s doctrinal handling the main
positions, reviewing this bibliography by the criticism of the Brazilian state unionism.
Keywords: Strikes Without Trade Unions. Wildcat Strikes. Collective Labour Law.
Criticismo of Law.
1. O PROBLEMA DOUTRINÁRIO DAS GREVES POR FORA DOS SINDICATOS
O carnaval carioca de 2014 foi surpreendido com um acontecimento da maior
importância: os garis recusaram o acordo coletivo firmado pelo seu sindicato e
mantiveram por oito dias uma greve histórica, que se deu contra a vontade da direção
sindical e ainda obteve uma relevante conquista econômica. Os noticiários mostravam
com certo sensacionalismo as pilhas de lixo que se acumulavam na cidade maravilhosa,
ao mesmo tempo em que a população apoiava aquela amarela massa plebeia – tamanha
força simbólica emanou daquele acontecimento que, no fim daquele ano, o grupo de rap
Racionais MCs lançou o álbum Cores e Valores, cuja capa mostrava garis armados, como
que se preparando para uma ação ilegal.
Entre 2011 e 2013, rebentaram nas obras do PAC (Programa de Aceleração do
Crescimento) violentas paralisações sem a participação sindical, cujas cenas de incêndios
e destruição dos alojamentos tomaram o debate nacional – greves com rebeliões
irromperam no canteiro de obras das usinas hidroelétricas (UHE) de Jirau e Santo Antônio
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Mestre e Doutorando pela FDUSP. Professor da Universidade São Judas Tadeu e da pós-graduação em
Direito do Trabalho da Unianchieta. Membro do GPTC Grupo de Pesquisa Trab alho e Capital da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo/SP, Brasil. E-mail: danilo.uler@gmail.com
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em Rondônia; da UHE Belo Monte; da UHE. Finalmente, no setor do transporte coletivo
de passageiros não são incomuns o que aqui chamamos de greves por fora dos sindicatos,
deflagradas ou continuadas pelos trabalhadores, à revelia ou contra as diretorias sindicais.
É bem verdade que as greves por fora são uma minoria, se comparadas às greves
deflagradas pelos sindicatos oficiais, mas tal fato não interdita sua importância na cena
sindical contemporânea.
Irrompendo com forte carga simbólica e repercussão social, as residuais greves
por fora chamam a atenção do jurista, que se sente tentado ao tradicional enquadramento
destas manifestações no que a doutrina nacional denomina greves selvagens. De modo
que uma primeira aproximação conceitual (que se pretende crítica) às greves por fora
deverá colocar em questão este enquadramento – afinal, o que se entende por greves
selvagens e o que subjaz a esta denominação? Este é o leitmotiv do presente artigo.
É bem possível que a doutrina juslaboral tenha avocado o adjetivo “selvagem” da
experiência dos países de língua inglesa, a partir das famosas wildcat strikes que
apareceram na cena sindical estadunidense após a II Guerra Mundial. Porém, há que se
notar que as wildcat strikes designam tanto as greves sem a entidade sindical quanto as
greves ocorridas na vigência de um acordo coletivo de trabalho, sendo que, neste último
caso, os sindicatos podem liderar e conduzir uma greve reputada selvagem pelos sistemas
jurídicos daqueles países. Fica patente, pois, a inadequação conceitual, pois nem todas as
greves selvagens se dão sem a participação do sindicato; e a persistência de nossa doutrina
neste enquadramento só pode ser explicada por motivos ideológicos: tende-se a etiquetar
negativamente tudo aquilo que foge à “civilização” das regulares negociações coletivas,
que já aprenderam a não tumultuar a produção e circulação de bens mais que o
“necessário”.
Sob esta hipótese crítica, o presente artigo irá analisar o tratamento doutrinário
nacional e estrangeiro às greves por fora, demonstrando as suas condicionantes a partir
dos sistemas sindicais de cada país e buscando compreender alguns padrões entre as
diferentes interpretações, seja aquelas que restringem a utilização do expediente grevista
aos grêmios sindicais, seja aquelas que admitem a legalidade e legitimidade das greves
sem sindicato. Ao final, pretende-se traçar um quadro analítico do problema das greves
por fora enquanto sintoma específico de disfuncionalidade do sistema dominante das
relações coletivas de trabalho. Neste enfoque, ao invés de ceder ao precipitado
enquadramento do fenômeno no pálio do qualificativo selvagem (que, dada a suposta
arbitrariedade, deveria ser repelido pelo Direito), a interpretação jurídica deverá buscar

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