Uma evolução das medidas protetivas de urgência

AutorEduardo Luiz Santos Cabette
CargoProfessor de direito do UNISAL
Páginas66-92
66 REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 662 I FEV/MAR 2020
DOUTRINA JURÍDICA
Eduardo Luiz Santos CabettePROFESSOR DE DRETO DO UNSAL
UMA EVOLUÇÃO DAS MEDIDAS
PROTETIVAS DE URGÊNCIA
I
A LEI 13.827 PERMITE A APLICAÇÃO DE ATOS DE PROTEÇÃO À
MULHER PELA AUTORIDADE POLICIAL E AMPLIA OS ESFORÇOS
PARA PRESERVAR SUA INTEGRIDADE FÍSICA E PSÍqUICA
possibilitando, em certas circunstâncias, o defe-
rimento direto das medidas protetivas à mulher
pela autoridade policial, apenas com análise de
legalidade posterior pelo Judiciário.
Na mesma toada, foi editada a Lei 13.836/19
para constar do artigo 12, § 1º, , da Lei Maria da
Penha a condição de a ofendida ser pessoa com
def‌iciência ou se da violência sofrida resultou
def‌iciência ou agravamento da def‌iciência pre-
existente.
1. A AMPLIAÇÃO DOS LEGITIMADOS A
DEFERIR MEDIDAS PROTETIVAS
A Lei 11.340/06, em seu artigo 22, , prevê que nos
casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher o juiz poderá aplicar imediatamente ao
agressor a medida de “afastamento do lar, domi-
cílio ou local de convivência com a ofendida”.
Como já mencionado, tal medida é de salutar
previsão legal. No entanto, sua aplicação real-
mente imediata tem sido algo extremamente
excepcional, senão absolutamente inexistente.
Acontece que o delegado de polícia, ao receber a
notícia e o pedido da vítima, não podia determi-
nar, por si mesmo, a medida. Devia encaminhar
o pedido e demais documentos instrutórios ao
ALei 11.340/06, conhecida como Lei Maria
da Penha, criou uma série de medidas
protetivas de urgência em prol da mu-
lher vítima de violência doméstica e fa-
miliar. Entretanto, sempre se constatou
um déf‌icit na real aplicação dessas proteções,
sendo um, dentre vários problemas, a obrigato-
riedade de jurisdicionalização do decreto. Isso
porque sequer foi ainda possível instalar a con-
tento em todo o país os chamados juizados es-
peciais de violência doméstica e familiar contra
a mulher, muito menos ainda criar plantões de
24 horas para o atendimento de casos1.
Como o próprio nome diz, as cautelares pro-
cessuais penais consistentes em medidas prote-
tivas da mulher são de “urgência”, quando não
de “emergência”, de forma que o atendimento
imediato e a tomada de providências é crucial
para um bom funcionamento do sistema legal-
mente estabelecido, sob pena de que se tenha
uma boa normatização e uma péssima aplica-
ção concreta.
Com vistas a essa situação de descompasso
entre a legislação e a efetivação da proteção de-
vida às mulheres em situação de vulnerabilida-
de, foi alterada a Lei 11.340/06 pela Lei 13.827/19,
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juiz de direito no prazo de 48 horas (art. 12, ,
da Lei 11.340/06), sendo fato que o magistrado,
ao receber o pedido devidamente instruído,
teria outro prazo de 48 horas para deliberação
(art. 18, , da Lei 11.340/06). Percebe-se que entre
o pedido da ofendida e o eventual deferimento
judicial podem correr 96 horas, isso sem contar
o tempo para a expedição do respectivo manda-
do e a intimação do agressor.
Não há nada mais notório do que o fato de
que esse sistema não poderia funcionar a con-
tento no que diz respeito à proteção efetiva da
mulher vitimizada. Na verdade, o sistema é uma
espécie de maquinaria de vitimização secundá-
ria da mulher agredida.
Foi considerando esse quadro que o legisla-
dor procedeu à alteração na Lei 11.340/06, in-
cluindo o artigo 12-C e permitindo que, em cer-
tas situações, não somente a autoridade judicial
seja legitimada a deferir medida protetiva de
afastamento, mas também o delegado de polícia
e até mesmo, em casos extremos, outro policial.
Como bem aduz Sannini Neto:
Percebe-se, assim, que, nesse cenário, a sua adoção
depende de um rito procedimental extremamente
burocrático e que, não raro, demonstra-se absoluta-
mente incompatível com o seu caráter de urgência.
Justamente por isso, surge a Lei 13.827/19 visando
ampliar a proteção da mulher, mitigando a reserva
de jurisdição em hipóteses específicas.2
Certeira é também a manifestação de Barbosa:
Neste diapasão, a Lei 11.340/06 trouxe, dentre di-
versas ferramentas de proteção à mulher, os artigos
22 a 24, sob a rubrica de ‘Medidas Protetivas de Ur-
gência’, na qual o legislador imaginou que, para pro-
teger a vítima agredida e ameaçada de morte, por
exemplo, bastaria que ela fizesse um requerimento
perante o delegado, e este expediente fosse remeti-
do, num prazo de 48 horas, ao juiz (*artigo 12, III c/c
artigo 19), que, por sua vez, teria mais 48 horas para
decidir sobre o requerido, conforme o artigo 18, I da
Lei Maria da Penha, e que isso garantiria a ‘urgên-
cia’. Salta aos olhos que 96 horas, equivalente a qua-
tro dias, está longe de ser uma resposta urgente.3
Conforme ressalta Foureaux, a legislação uti-
liza uma acepção ampla de “autoridade policial”,
conferindo à polícia o poder-dever de concessão
de medida protetiva específ‌ica e em situações
bem determinadas, naquilo que o autor deno-
mina de uma “legitimidade condicionada”4.
Note-se que há várias medidas protetivas de
urgência previstas na Lei Maria da Penha nos
artigos 22 a 24. Porém, a Lei 13.827/19 somente
autorizou o deferimento de uma única dessas
medidas pela polícia diretamente em certos
casos, qual seja, a de afastamento do agressor,
nos termos do artigo 22, , da Lei 11.340/06. As
demais ações previstas nos incisos do artigo 22
e no corpo dos artigos 23 e 24 somente podem
ser legitimamente deferidas pelo Judiciário.
Neste passo, f‌ica a indagação da razão por
que o legislador não ampliou logo o deferimen-
to de todas as medidas protetivas para a polícia
em casos excepcionais. Não se vê motivo palpá-
vel para essa limitação, salvo no caso daquelas
medidas de caráter civil.
Razão assiste a Oliveira e Leitão Júnior ao
asseverarem que “a lei possibilita apenas o afas-
tamento do agressor do lar, quando muitas das
vezes são necessárias as demais medidas pre-
vistas na Lei Maria da Penha. Cria-se uma pro-
teção def‌iciente à vítima, onde a Lei não poderia
ter sido tão tímida como foi”5.
Já antevia Dias essa conveniência de amplia-
ção da atuação imediata da autoridade policial:
É indispensável assegurar à autoridade policial que,
constatada a existência de risco atual ou iminente à
vida ou integridade física e psicológica da vítima ou
de seus dependentes, aplique provisoriamente, até
deliberação judicial, algumas medidas protetivas de
urgência, intimando desde logo o agressor. Deferida
a medida – tal como ocorre com a prisão em flagran-
te – o juiz deve ser comunicado no prazo de 24 horas
e poderá mantê-la, revogá-la ou ampliá-la. Ou seja, o
‘poder’ que se está querendo conceder à autoridade
policial, tem limite do prazo de eficácia. Às claras que
não há qualquer prejuízo ao controle judicial das pro-
vidências tomadas pela polícia e não se pode falar em
afronta ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.6
Enf‌im, legem habemos. E o artigo 12-C da Lei
Maria da Penha estabelece o seguinte:
Não há nada mais notório do que o fato de que esse sistema não
poderia funcionar a contento. Na verdade, o sistema é uma espécie
de maquinaria de vitimização secundária da mulher agredida
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