Uma ideia de Constituição

AutorEdilson Pereira Nobre Júnior
CargoProfessor da Faculdade de Direito do Recife - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE - Recife-PE)
Páginas111-145
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
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Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 1, n. 1, p. 111-145, jan./abr. 2014.
Uma ideia de Constituição *
An idea of Constitution
EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR**
Universidade Federal de Pernambuco (Brasil)
edilsonnobre@trf5.jus.br
Recebido/Received: 14.04.2014 / April 14th, 2014
Aprovado/Approved: 30.04.2014 / April 30th, 2014
Revista de Investigações Constitucionais
ISSN 2359-5639
DOI: http://dx.doi.org/10.5380/rinc.v1i1.40251
Resumo
O presente artigo objetiva traçar aquilo que, nos dias
atuais, pode ser tido como conceito de constituição, par-
tindo-se de uma retrospectiva até chegar no que vem,
atualmente, sendo denominado Estado constitucional,
onde aquela incorpora densidade valorativa tal que a au-
toriza a se qualicar como a ordem jurídica fundamental
da coletividade.
Palavras-chaves: Constitucionalismo; constituição; es-
tado constitucional
Abstract
This article intends to delineate what, nowadays, can be
known as a concept of constitution, starting from a retro-
spective until it reaches what is currently been called con-
stitutional State, where the constitution incorporates eval-
uative density, such that authorizes it to qualify itself as the
fundamental law of society.
Keywords: Constitutionalism; constitution; constitutional
state
Como citar este artigo | How to cite this article: NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Uma ideia de Constituição. Revista de Investi-
gações Constitucionais, Curitiba, vol. 1, n. 1, p. 111-145, jan./abr. 2014. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/rinc.v1i1.40251
* Este escrito é o primeiro de uma série de quatro, todos contendo um mesmo liame lógico, os quais são hábeis, uma vez inte-
grados num conjunto, para dar lugar a um livro. As funções de magistrado – que, a despeito da incompreensão da sociedade,
são as mais exigentes em dedicação dentre as demais atividades jurídicas, sem que estas percam o seu relevo, – impossibili-
taram-me de escrever o trabalho pretendido de uma só assentada, o que se agravou com o exercício da Vice-Presidência do
Tribunal Regional Federal da Quinta Região, em virtude da qual me foi atribuído o múnus de examinar a admissibilidade de
milhares de recursos extraordinários e especiais. Segue, então, o capítulo inicial, à esperança que, nos dias vindouros, o tempo
seja compreensivo e me permita integralizar o trabalho, dedicado ao exame do relacionamento entre a jurisdição constitucional
e o legislador.
** Professor da Faculdade de Direito do Recife – Universidade Federal de Pernambuco (UFPE – Recife-PE). Doutor e Mestre em
Direito Público pela UFPR. Desembargador do Tribunal Regional Federal da Quinta Região. Segundo ocupante da Cadeira Dez-
esseis da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte.
Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 1, n. 1, p. 111-145, jan./abr. 2014.
Edilson Pereira Nobre Júnior
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SUMÁRIO
1. À busca de um conceito. 2. A constituição no correr do tempo. 3. A constituição do Estado constitu-
cional. 4. A matéria constitucional. 5. Algumas conclusões. 6. Referências.
1. À BUSCA DE UM CONCEITO
Um dos desaos mais instigantes e, ao mesmo tempo, penosos, da ciência jurí-
dica – e que é reexo dos mistérios que envolvem a verdade cientíca – é a procura da
denição de seus institutos. Essa circunstância se faz presente, com intensidade, quan-
do a tarefa é a de buscar uma compreensão do que seja constituição.
A problemática se põe seja pela pluralidade semântica que o vocábulo “consti-
tuição” faz evocar, ou, ainda, pela existência, no plano do tecnicismo jurídico, de inúme-
ras denições que, na sua maioria, portam, não obstante as suas diferenças, elementos
comuns.
Essa preocupação não passou despercebida por García-Pelayo1, ao armar
que o conceito de constituição é um daqueles a oferecer uma maior pluralidade de
formulações, o que acontece por dois motivos. Inicialmente, aponta o autor a circuns-
tância dos conceitos jurídico-políticos, em sua maioria, serem conceitos polêmicos, por
referirem-se à substância da existência política de um povo. Noutro passo, há uma ra-
zão de ordem objetiva, consistente no fato de a constituição formar um liame entre
diversas esferas da vida humana, nas quais se inter-relacionam setores da realidade po-
lítica, jurídica, sociológica, entre outros.
A diculdade em se conceituar o que venha a ser a constituição fez com que
a doutrina se lançasse a sistematizar as mais diversas denições. Talvez seja possível
atribuir-se um pioneirismo a Carl Schmitt2, cujo relevo de sua lição é demonstrado pela
sua atualidade inconteste.
Delineia aquele uma signicação absoluta e outra relativa de constituição. A pri-
meira delas, no entender do autor, permite abrigar quatro sentidos, a saber: a) a manei-
ra concreta de ser de qualquer unidade política (um Estado particular e concreto); b) a
forma especial de domínio que afeta cada Estado, ou seja, a constituição é identicada
com a forma de governo; c) o princípio do futuro dinâmico da unidade política, isto é, o
fenômeno da contínua renovação da unidade política; d) a regulação legal fundamen-
tal, ou seja, o sistema de normas últimas e supremas (Constituição como norma das
normas), concepção que parece ter alcançado uma maior aceitação doutrinária.
1 Derecho constitucional comparado. Madri: Alianza Editorial, 1993, p. 33.
2 Teoría de la constitución. Madri: Alianza Editorial, 1982, p. 36-40 e 45.
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Noutro pórtico, é cogitado o sentido relativo ou formal, consistente numa lei
fundamental determinada. Desprende-se, assim, de todo e qualquer critério objetivo
e de conteúdo. Aguram-se indiferentes quais os temas disciplinados pelo seu texto3.
Volvendo-se a García-Pelayo4, é encontradiço o desenvolvimento de três con-
cepções distintas. Uma delas é a concepção racional normativa, a visualizar a constitui-
ção como um sistema de normas que disciplina de forma total e exaustiva as funções
fundamentais do Estado, regulando os seus órgãos, o âmbito de suas competências e
as relações entre eles. É dele característico a consideração da constituição unicamente
como a constituição expressa juridicamente e de forma escrita, operando como garan-
tia de racionalidade frente à irracionalidade dos costumes. Aproxima-se do conceito
formal de constituição.
Em seguida, traz o autor o conceito histórico tradicional, a preconizar que a
constituição de um povo não se qualica como um produto da razão, mas sim uma
estrutura que resulta duma lenta transformação histórica. Daí que aquela não é a resul-
tante de um ato único e total, mas, diversa e assiduamente, de atos parciais que são o
reexo de situações concretas, bem assim de usos e costumes de lenta formação. Por
isso, agura-se cristalino que a constituição não necessita revestir-se da forma escrita
integralmente, não se podendo obscurecer o costume, o qual deve ostentar a mesma
qualidade que lhe corresponde na teoria do Direito elaborada sob as bases historicis-
tas5.
Numa terceira ordem, traz o autor o conceito sociológico, o qual, apartando-se
das concepções racional e histórica, louva-se nas seguintes constatações: a) a constitui-
ção é preferencialmente uma forma de ser e não de dever ser; b) a constituição não é
produto do passado, mas imanência de situações e estruturas sociais do presente; c) a
3 Isso é perceptível através da seguinte parcela do texto do autor: “Para este conceito <> é indiferente
que a lei constitucional regule a organização da vontade estatal ou tenha qualquer outro conteúdo. Já não se
perguntará por que uma prescrição legal-constitucional necessita ser <> (grundlegend). Este
modo de consideração relativizadora, chamada formal, faz indistinto tudo o que está numa <>;
igual, é dizer, igualmente relativo” (Para este concepto <> es indiferente que la ley constitucional regule
la organización de la voluntad estatal o tenga cualquier otro contenido. Ya no se preguntará por qué una prescri-
ción legal-constitucional necesita ser <> (grundlegend). Este modo de consideración relativi-
zadora, llamada formal, hace indistinto todo lo que está en una <>; igual, es decir, igualmente
relativo. Loc. cit., p. 45).
4 Derecho constitucional comparado. Madri: Alianza Editorial, 1993, p. 34-53.
5 Recentemente, do paralelo entre história e constituição se ocupou Gustavo Zagrebelsky (Historia y constitu-
ción. 2ª ed. Madri: Editorial Trotta, 2011, p. 90. Tradução e prólogo de Miguel Carbonell), para quem a interpre-
tação de uma constituição informada por princípios representa um ato que relaciona um passado constitucional
que se assumiu como valor e um futuro que se apresenta como um problema a ser solucionado numa relação de
continuidade. Durante a tentativa de desenvolver o seu remate, bem assinalou o autor: “As constituições de nosso
tempo observam o futuro tendo rme o passado, é dizer, o patrimônio de experiência histórico-constitucional que
querem salvaguardar e enriquecer” (Las constituciones de nuestro tiempo miran al futuro teniendo rme el
pasado, es decir, el patrimonio de experiencia histórico-constitucional que quieren salvaguardar y enriquecer”.
Loc. cit., p. 91).

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