Por uma reescrita do ideal moderno do medo da criminalidade nas cidades brasileiras contemporâneas / For a re-writing of the modern ideal of the fear of criminality in contemporary brazilian cities

AutorÁlvaro Filipe Oxley da Rocha, Tiago Lorenzini Cunha
CargoPós-doutorado em Criminologia pela Kent University - UK (Inglaterra) em 2010. Professor titular do Programa de Pós-graduação, Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e pesquisador-líder do GEPCRIM - Grupo de Estudos e Pesquisa em Criminologia. Email: oxleyalvaro37@gmail.com - ...
Páginas620-661
Revista de Direito da Cidade vol. 10, nº 2. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2018.30710
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Revista de Direito da Cidade, vol. 10, nº 2. ISSN 2317-7721 pp. 620-661 620
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Ál va ro F ilipe Oxl ey d a Ro ch a 1
Ti ag o Loren zini Cun ha 2
Resumo
O presente artigo objetiva reescrever o ideal moderno do medo da criminalidade ou da
transgressão social, no sentido de revelar, tanto as suas dinâmicas ocultas quantos os outros
ideais modernos que se ocultam nesse temor social , e na racionalidade tediosa de vigilância
institucional. Para c oncretizar esse propósito, utilizaremos o conceito de reescrita de Lyotard e
os estudos recentes da Criminologia Cultural, a fim de que, no primeiro caso, possamos
reescrever e resignificar o ideal moderno do medo da criminalidade e, no segundo, expor a
relação entre crime, controle social, excitação e cultura nas cidades. Por esse motivo,
entendemos que a sensação de insegurança social que justifica as políticas iluministas (medo do
crime) é antes uma problemática agravada pela modernidade e que impõe a noção de que o
crime é uma patologia, um fato menos normal ou social do que a punição.
Palavras-chave: Medo do crime; Outros ideais; Cidades; Modernidade; Excitação.
Abstract
The present article aims to r ewrite the modern ideal of criminality fear or social transgression,
in the sense of revealing both its hidden dynamics and the other modern ideals hidden in this
social fear and tedious rationality of institutional vigilance. To accomplish this purpose, we will
use Lyotard's rewriting concept and recent studies of Cultural Criminology, so that in the first
case we can rewrite and reframe the modern ideal of criminality fear and, in the second, expose
the relationship between crime, crime control, excitement and culture in cities. For this reason,
we understand that the sense of social insecurity that justifies the enlightenment policies (fear
of crime) is early a problem aggravated by modernity and that imposes the notion that crime is
a pathology, a fact less normal or social than punishment.
Keywords: Ideal of Criminality Fear; Other modern ideals; Cities; Modernity; Excitement.
1 Pós-doutorado em Criminologia pela Kent University - UK (Inglaterra) em 2010. Professor titular do
Programa de Pós-graduação, Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul e pesquisador-líder do GEPCRIM - Grupo de Estudos e Pesquisa em
Criminologia. Email: oxleyalvaro37@gmail.com
2 Doutorando em Ciências Criminais pela PUCRS na linha de violência e segurança pública. Integrante dos
Grupos de Pesquisa GEPCRIM/PUCRS e NUPCRIM/PUCRS. Email: tiagolorenzini@hotmail.com
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DOI: 10.12957/rdc.2018.30710
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PR IM EI RA S REE SC RI TA S
Em virtude dos altos índices de violência social nas cidades brasileiras (CARVALHO e
JÚNIOR, 2017, p. 108; JOBIM e NAZÁRIO, 2017, p. 55 e ss.; TREVIZAN, 2017), as reflexões sobre
o suc esso ou o fracasso das políticas racionais de repressão e de prevenção ao crime
(iluministas),3 cuja ààà à (BITENCOURT, 2011, p. 71 e ss.) para
combater e conter socialmente a criminalidade, estão send o constantemente questionadas, no
sentido de enc ontrar outras razões para a ineficácia da lei, de modo que essa problematização
não fi que voltada, no plano teórico e administrativo, para a crença de que a dureza da pena
poderá aten uar a violência. Assim sendo, sobre essas outras justificativas, necessárias à
compreensão do crime (desvio), não apenas pelo medo, mas pela sed ução em transgredir as
regras ou normas racionais (sociais e jurídicas), Haywa rd (2004, p. 144-145) lembra-nos de que
àà àà àà ààààààà
que a adoção de estratégias de r epressão e de prevenção ao crime seriam suficientes para
avaliar a complexidade do comportamento desviante, à.
De acordo com Haywa rd, nesse à à , no qual vivemos uma
à à à à à à à a pós-modernidade, tentamos
3 Em face da complexidade do tema proposto neste estudo, optamos por não aprofundar, na sua origem,
o movimento iluminista e suas principais características. No entanto, é importante assinalar que a
ààà ààààààààà àà
moderno, da qual todos os homens deveriam seguir as leis terrenas para que houvesse a constante
melhora da humanidade, bem como a preservação da própria ordem social. Assim, tanto essa lógica
iluminista quanto a tese do contrato social de Hobbes foram os principais resgates retomados pela Escola
Clássica criminológica que acreditava na utilidade da justificação irracional da pena por meio da
compreensão do crime em sua concepção legal e racional. Nesse sentido, Beccaria teve grande
contribuição e importância na evolução penal das noções de repressão e de prevenção ao crime (medo),
ààààààà ààààààààà àà
àààààààààààà àààààààà
defendê-las dos inimigos desse sistemà˂à Bààà ààà àà
as leis para que os novos delitos fossem desencorajados no futuro, defendeu o apaziguamento do estado
natural destrutivo, antissocial e sobrevivente dos homens que apenas poderiam ser controlados por meio
de uma linguagem que permitisse reuni -los em prol do interesse público (BECCARIA, 1999, p. 126; 128-
129). Dessa forma, Beccaria reforçou o contratualismo de Hobbes, que havia idealizado o Rei ou o
Estado-nação como lógica de guerra criada para a função de proteção do espaço civilizatório, a fim de
que em troca da segurança promovida pelo Soberano, seus súditos jurariam fidelidade e lealdade a ele,
à à à à à à contra si (HOBBES, 1983, p. 89 e ss.; 91). Por esse motivo,
gostaríamos de ressaltar que quando utilizada a expressão políticas racionais de repressão e de prevenção
ao crime, estamos a analisar essa herança iluminista, racional e moderna que foi difundida na história do
pensamento criminológico e, diametralmente, no sistema punitivo. Todavia, sobre os crimes que jamais
serão perdoados pela história da humanidade em que pese foram genocídios aplicados em nome dessa
humanidade e do projeto civilizatório e que não podem ser esquecidos, se quisermos tratar de uma
CriminolàGàààààààààsofre e não para quem
se beneficia com o sistema hobbesiano (MORRISON, 2012, p. 2 e ss.; 58 e ss.).
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encontrar certeza em um tempo de incertezasààààààà
à à à à à à à à à à ,
haja vista que viver o crime não é viver fora dos padrões sociais e jurídicos, mas viver a
possibilidade de construção de uma narrativa própria, no crime. Essa afirmação sustenta-se no
entendimento do autor de que essa é a única possibilidade para fugirmos àà
dessa racionalidade moderna, que nos controla e sufoca a todo instante (HAYWARD, 2004, p.
147 e ss.; 143-144; 152; 154-155). Diante dessa contradição lógica, precisamos pensar nos
espaços urbanos, não como centros físicos de repressão e de contenção do crime, mas sobre o
questionamento de quais poderiam ser os motivos de tamanha excitação e prazer em
transgredir socialmente nesses ambientes?
Neste estudo, pretendemos apresentar quais outros ideais modernos estão redefinindo
os limites da cidade e que, apesar de se ocultarem no discurso do ideal moderno do medo da
criminalidade porque enquanto estamos temendo, não vemos as razões de nosso temor ,
são esses ideais diversos modus essenciais de análi se para desmitificar a r elação entre crime,
modernidade, instituições sociais e sociedade, enquanto fatores isolados e incomunicáveis. Para
concretizar essa intenção, utilizaremos o conceito de reescrita de Lyotard (1997) com duplo
propósito: primeiro, obje tivando reescrever e resignificar o ideal moderno do medo da
criminalidade a partir desses demais ideais modernos que estão escondidos nos discursos de
repressão e de prevenção à criminalidade, expondo os int eresses e as dinâmicas ocultas que
estão por baixo desse quadro entre o normal e o desvio, o medo e a sedução do crime, a
insegurança social e a modernidade, entre outras discussões que serão tratadas neste estudo;
e, em segundo lugar, escrever novamente essa racionalidade modern a, não para destruí-la, mas
para redescobrir as suas limitações, expondo suas fraquezas e banalidades.
Nesse sentido, nossa intenção é reescrever para desmistificar pois, nada pode ser
desmistificado sem que anteriormente se realize uma nova escrita a visão tradicional de que o
medo da criminalidade seria o medo de transgredir ou violar as normas e os padrões sociais de
comportamentos definidos e aceitos pela sociedade e/ou medo de transgredir as normas e os
padrões jurídicos impostos pelo Direito, bem como pensar o porquê dessa racionalidade de
repressão e de prevenção de os órgãos de controle social (Estado, polícia, mídia, etc.) não
conseguirem cumprir a sua tarefa central, a saber, diminuir os índices de violência social em
uma determinada sociedade. Por isso, nos é relevante reescrever os limites dessa racionalidade
moderna (social e jurídica) que, por vezes, pode ser apenas vista como simples temor social, ou

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