Uma visão da incidência jurídico-tributária acerca da requalificação de operações jurídicas em planejamentos tributários lícitos à luz do constructivismo lógico-semântico

AutorKátia Alvarenga Franza Gatti
CargoMestranda em Direito Tributário pela PUC/SP. Especialista em Direito Tributário e Processo Tributário pela Escola Paulista de Direito. Advogada em São Paulo
Páginas129-141

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Introdução

O intuito do presente trabalho é demonstrar brevemente como acontece a incidência da norma jurídica tributária com sua aplicação e sua relação dentro dos planejamentos tributários.

Contudo, não basta apenas tecer os mais diversos comentários sobre incidência e aplicação da norma jurídica tributária, primeiro é necessário desenvolver um completo raciocínio para compreensão do que é uma norma, o que é uma norma jurídica, e depois, uma norma jurídica tributária. Para, somente assim, poder trazer ao foco o tema da incidência e da "requalificação" de operações jurídicas em planejamentos tributários lícitos.

Deste modo, para adentrar efetivamente no tema proposto, o primeiro capítulo inicia pela abordagem da própria incidência, passando sobre conhecimento, linguagem, realidade e verdade, fato e evento, direito e sistemas, um breve estudo sobre normas, apresentando as premissas adotadas no presente trabalho, com base nas quais as ideias serão construídas.

No capítulo segundo, faz-se breve aná-lise do planejamento tributário, os limites da licitude, e os temas de elisão e evasão fiscal, o propósito negocial e a, denominada pelo Fisco, "requalificação" de operações jurídicas.

Por fim, como o estudo busca tratar de incidência e a relação da "requalificação" dos atos jurídicos em planejamentos tribu-

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tários, se destacam os enfoques escolhidos conforme o corte metodológico realizado e o sistema de referência adotado, finalizando-se com conclusões do trabalho.

1. Incidência jurídico-tributária e o constructivismo lógico-semântico
1. 1 O giro linguístico

O denominado giro linguístico pode ser entendido como uma evolução do estudo do conhecimento.

Anteriormente a ele, a linguagem era tida simplesmente como elo de ligação entre o objeto estudado e o ser cognoscente, ou seja, era tida apenas como a relação entre o sujeito do conhecimento e a realidade.

A partir da publicação do Tractatus Logico-Philosophicos, de Ludwing Wittgenstein, iniciou-se a fase da filosofia da linguagem, rompendo com a tradicional forma da filosofia da consciência, e a linguagem passou a ser um meio pelo qual é possível criar tanto o ser cognoscente como a realidade.

Ao tratar do assunto, Renata Elaine Silva afirma que o giro linguístico representou "a mudança de paradigma da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem, relaciona linguagem e conhecimento, construção do conhecimento por meio da linguagem".1Desta maneira, com o advento dessa "nova" filosofia, o conhecimento passa a ser entendido como uma construção por meio da linguagem. Não mais originado do elo de ligação entre o sujeito e objeto, e mais, "a linguagem deixa de ser apenas instrumento de comunicação de um conhecimento já realizado e passa a ser condição de possibilidade para constituição do próprio conhecimento enquanto tal".2REVISTA DE DIREITO TRIBUTÁRIO-124

Com o giro linguístico estreando a importância da linguagem para o conhecimento, buscou-se maior rigorosidade na linguagem para alcançar o saber jurídico, tentando sanar quaisquer vícios e demais problemas advindos de sua utilização.

A linguagem rigorosa que passou a ser utilizada, chamada linguagem científica, buscou eliminar os ditos problemas da linguagem natural, excluindo a vagueza e a ambiguidade.

De tal sorte, com todo esse aprimoramento, surge a necessidade de um método analítico que fosse rigoroso para poder ser eficaz como se pretendia, e por relacionar-se à filosofia da linguagem, deveria, ainda, ser preciso no discurso científico e, tal método, é o constructivismo lógico-semântico, que auxilia os estudiosos no exame do direito.

O constructivismo apresenta uma linguagem com rigor, pois seu método de investigação é o analítico hermenêutico, no qual o objeto de estudo é decomposto analiticamente, e depois reconstruído através da hermenêutica em seu contexto.

Nesse sentido o constructivismo lógico-semântico "enfatiza a uniformidade da análise do objeto e a precisa demarcação da esfera de investigação, somando-se sempre o contexto cultural em que está inserido o objeto de investigação".3Têm-se assim os pressupostos de que a linguagem constitui a realidade, sendo certo que a linguagem está inserida no ser cognoscente e, conclui-se que somente aquilo que pode ser expresso em linguagem faz parte do mundo desse indivíduo.

1. 2 Conhecimento, linguagem, realidade e verdade

O acesso ao conhecimento é buscado em muitos ramos científicos, cada qual com suas exatas particularidades. Para os estudiosos do direito, não seria diferente.

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Do mesmo modo expõe Tarék Moysés Moussalem ao referir-se ao conhecimento, que a "linguagem, ao constituir a realidade, passa a ocupar lugar essencial na relação de conhecimento" e complementa dizendo que o "conhecimento é a relação entre lingua-gens-significações".4Dessa concepção de conhecimento e da importância da linguagem, compreende-se que a realidade é criada pela linguagem, nesse contexto, deve-se lembrar de que nunca se tem conhecimento sem um sistema de referência - este é condição para o conhecimento.

Cada indivíduo possui seu sistema de referência, constituído por suas experiências de vida, as vivências, tudo aquilo que carrega consigo. Por consequência disto, fica claro entender porque de um mesmo evento ou objeto, duas pessoas diferentes podem alcançar interpretações diversas.

Nesse sentido são as lições de Fabiana Del Padre Tomé explicando que em razão de "se colocarem em um sistema de referência que os objetos adquirem significados, pois algo só é inteligível à medida que é conhecida sua posição em relação a outros elementos, tornando-se clara sua postura relativamente a um ou mais sistemas de referência".5Assim como o conhecimento, para que se fale ou pense em verdade, imprescindível que se trace o sistema de referência. Sem a demonstração do modelo dentro do qual está inserida a proposição, não se pode mensurar sua veracidade. A verdade está presente quando se pode estabelecer coerência entre enunciados do mesmo sistema de referência.

Diante disso, o conhecimento do sujeito possui a finalidade de aproximar-se do objeto de estudo, por meio de um método escolhido, possibilitando que expresse suas ideias sobre o objeto estudado.

Linguagem, realidade e verdade, estão umbilicalmente ligadas ao conhecimento, temos o conhecimento, a realidade e a ver-dade como feições da linguagem dentro do mencionado sistema de referência. Assim, as afirmações sobre certo objeto apenas serão válidas nesse sistema, e dentro da mesma perspectiva.

Com a finalidade de entender o direito, seguindo o percurso traçado, somente terá importância para o direito aquilo que estiver vertido em linguagem, mas, não basta qualquer linguagem, por não possuírem relevância para o direito os fatos econômicos, sociais, religiosos, antes de serem vertidos na linguagem do direito - a linguagem jurídica competente.

O direito, por ser um sistema comunicacional, é formado por linguagem. Esta linguagem é formada pelo homem, a aplicação do direito também o será. O homem criou o direito assim, a incidência normativa para ocorrer, necessitará de um indivíduo que relate em linguagem adequada ao direito o evento do mundo fenomênico, para que a norma correspondente ao fato (evento relatado em linguagem adequada) venha a ser aplicada.

1. 3 Fato e evento

Em continuidade do raciocínio tem-se evento como um acontecimento do mundo fenomênico, que se esvai no tempo e espaço, e o fato corresponde ao relato em linguagem do evento, a única maneira de fazer com que o evento se eternize.

O evento pode ser descrito como um acontecimento em si considerado, como dito, um acontecimento no mundo fenomênico e, neste aspecto, é irrelevante para o direito sem a materialização por meio de linguagem competente. Seja este evento, fruto econômico, social, ou outro qualquer, sem a linguagem competente ele não tem relevância para o direito e a constituição de obrigações tributárias.

Com a transcrição do evento em linguagem, surge o fato, que pode ser ou não

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relevante para o direito. Se determinado fato materializa um evento com relevância para o direito posto, encontra-se materializado em algum seletor de propriedade normativa - hipótese normativa, este fato será considerado fato jurídico, desde que seja constituído pela linguagem competente do direito.

Noutro aspecto, se após a transcrição em linguagem tiver um fato irrelevante para o direito, tomados aqui os fatos apenas sociais, os econômicos, ou até religiosos, sendo ausente a relevância para o direito, não se encontrará em nenhuma hipótese normativa a possibilidade desse fato gerar um consequente jurídico, ou seja, não tem como tornar-se um fato jurídico.

O fato, tomado como relato linguístico, corresponde então a um "enunciado denotativo de uma situação, delimitada no tempo e no espaço".6Dessa maneira, se ocorrido certo "even-to jurídico" que se enquadre na hipótese normativa, existe apenas uma possibilidade desse acontecimento ser materializado para o direito como fato, qual seja, mediante a linguagem adequada, constituindo uma relação jurídica. Caso isto não ocorra, não poderá ser materializado para o mundo jurídico.

Para o direito tributário, ao ocorrer um evento, e sendo este materializado como fato jurídico tributário (por meio da linguagem adequada - a competente), tem-se o fato jurídico descrito na hipótese tributária da regra-matriz de incidência tributária (norma geral e abstrata), que se materializa como uma norma individual e concreta, constituindo a relação...

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