Uma Visão Publicista do Estatuto da Criança e do Adolescente

AutorAntonio Cecilio Moreira Pires; Lilian Regina Gabriel Moreira Pires
Páginas55-62

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O art. 226 da Constituição Federal colocou a família como base de nossa sociedade. Por conseguinte, e como não poderia deixar de ser, os integrantes desta célula mater devem receber a especial proteção estatal de modo a garantir a paz da sociedade.

Assim, não é sem razão de ser que o art. 227 de nossa Constituição Federal determinou, expressamente, que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Para tanto, o Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida, ainda, a participação de entidades não governamentais, mediante o estabelecimento de políticas específicas.

Com vistas a promover os programas de assistência integral, deve o Estado obedecer aos preceitos estatuídos no art. 227, § 1º, de nossa Lei Fundamental, com a aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.

A par disso, o dispositivo constitucional mencionado, em seu § 3º, estabelece uma especial proteção às crianças e aos adolescentes, abarcando os seguintes aspectos: (i) idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal; (ii) garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
(iii) garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; (iv) garantia de pleno e formal

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conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; (v) obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;
(vi) estímulo do Poder Público, por meio de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, na forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; (vii) programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins.

Além disso, o § 4º do art. 227 determina que a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente, e determina, finalmente, em seu § 8º, que a lei também estabelecerá o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; bem como o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas.

Com efeito, é nítida a preocupação do legislador constitucional com vistas ao estabelecimento de políticas públicas específicas de forma a viabilizar os mandamentos de nosso texto maior, ensejando a edição da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, denominada de Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA.

1. O estatuto da criança e do adolescente enquanto norma de direito público

Com a publicação da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, e em consonância com o art. 2º, item 2, da Convenção dos Direitos da Criança, adotou-se a doutrina da proteção integral, nos termos do art. 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, albergando também o princípio do melhor interesse, afastandose, desde logo, da doutrina da situação irregular que se limitava a questões do menor carente, menor abandonado e de diversões públicas1.

É de se ver que, com o advento da Constituição de 1988 o sistema menorista sofreu uma reviravolta, sendo nitidamente possível verificar o interesse do Estado na proteção e reeducação de nossos futuros cidadãos.

Não temos dúvidas que o só fato de o Estado fazer valer a sua vontade, chamando para si uma função protecional e ordenadora, coloca o Estatuto da Criança e do Adolescente no contexto do direito público, como, aliás, já afirmava Munir Cury nos idos de 19872.

Diga-se de passagem, aliás, que o simples compulsar do diploma legal em comento será suficiente para verificar que a função protecional do Estado encontra-se permeada por toda a legislação de regência, notadamente nos arts. 54, 57, 59, 61, 70-A, 74, 86, 88, 89, 92, §§ 3º e 5º, 93, 95, 96, 125, 145, 261, parágrafo único.

Por óbvio, é impossível que o Estado exerça uma função protecional e garantidora sem o estabelecimento de sanções pelo descumprimento da Lei, ensejando uma disciplina disposta no Capítulo II do Título VII — Dos Crimes e Das Infrações Administrativas, em razão de condutas consideradas reprováveis.

Desde logo, deixamos claro que não é nossa proposição examinar todas as sanções determinadas pela Lei n. 8.069/90, posto que isto implicaria em adentrar na esfera penal, coisa que refoge à nossa linha de pesquisa. O nosso objetivo é, tão somente, traçar algumas balizas com relação às sanções de caráter administrativo, para final tomada de posição.

2. Algumas considerações de caráter geral da sanção administrativa

Para melhor entendimento da natureza jurídica da sanção administrativa é imperioso conhecer os

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elementos caracterizadores dessa figura jurídica. Nesse sentido, volvemos a examinar a doutrina, de sorte a coletar mais subsídios acerca da figura jurídica em comento.

Eduardo Garcia de Enterria e Tomás-Ramon Fernandez, em seu escólio, ensinam que a sanção administrativa “é um mal infligido pela Administração a um administrado, como consequência de uma conduta ilegal”3.

De sua vez, José Suay Rincón observa que a sanção administrativa se constitui em qualquer mau infligido pela Administração ao administrado em razão de comportamento considerado ilegal, e resultante de um processo administrativo, com uma finalidade exclusivamente repressora4.

Finalmente, para Marcelo Madureira Prates, a sanção administrativa é medida punitiva prevista em ato normativo, que pode ser aplicada diretamente pela Administração, a quem, sem justificativa, não venha a cumprir um dever administrativo certo e determinado normativamente imposto5.

As lições colacionadas levam-nos a afirmar que o elemento aflitivo e punitivo, em razão do descumprimento de uma norma, é requisito que se identifica nos conceitos em exame, com pequenas variações de ordem terminológica.

Estribados nas considerações precedentes, entendemos que a sanção administrativa é uma consequência negativa, que se constitui em uma medida de caráter punitivo, que deve ser aplicada pelo Estado, ou quem lhe faça às vezes, no exercício de sua função administrativa, em razão do descumprimento de um comportamento prescrito em lei, e observado o devido processo legal.

Conveniente se faz, ainda, examinar com mais detença o conceito de sanção administrativa. Nesse sentido, a consequência negativa decorre da prática de um ilícito, que se traduz em um comportamento reprovável previsto em lei. Releva enfatizar que essa consequência negativa se constitui sempre em uma medida de caráter punitivo.

Nesse mesmo passo, somente poderemos falar de sanção administrativa como aquela aplicada pelo Estado ou quem lhe faça às vezes, no exercício de sua função administrativa e, portanto, sob a égide do regime jurídico administrativo, apartando-a, desde logo, da sanção penal.

De qualquer sorte, é bom que se diga que não só o Poder Executivo encontra-se incluído em nosso conceito, mas também os Poderes Legislativo e Judiciário, no exercício de suas funções atípicas e, portanto, de caráter administrativo.

Convém lembrar, ainda, que por vezes a sanção administrativa não terá caráter autoexecutório, devendo a Administração, nesta hipótese, se socorrer do Poder Judiciário, não retirando, contudo, o inarredável fato de a sanção ocorrer mediante ato administrativo6.

Por último, cabe enfatizar que, quanto à finalidade, a sanção não pode ser considerada um fim em si mesmo. Em outras palavras, a sanção não pode ser concebida com a finalidade de punir. A sanção tem sempre uma finalidade pedagógica, na medida em que o seu objetivo é evitar a ocorrência de comportamentos reprováveis7.

2.1. O regime jurídico da sanção administrativa

Guido Zanobini ensina que existem regimes jurídicos distintos para as sanções administrativas, a saber: sanções dos deveres gerais, como aquelas decorrentes diretamente do ordenamento jurídico, de caráter absolutamente compulsório, e sanções

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dos deveres particulares, aquelas decorrentes de um liame especial8.

Eduardo...

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