Uniformização da jurisprudência dos tribunais e as modificações introduzidas pela Lei n. 13.467/2017 - Lei da reforma trabalhista

AutorMarlene Teresinha Fuverki Suguimatsu e Thais Hayashi
Páginas256-271

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Ver Nota12

1. Introdução

Entre as modificações promovidas pela Lei n.13.467/2017 Lei da Reforma Trabalhista - destaca-se a revogação dos parágrafos 3º a 6º do atual art. 896 da CLT3, que a partir da Lei n.13.015/2014 passou a contemplar a obrigatoriedade de os Tribunais Regionais do Trabalho uniformizar a sua jurisprudência, de acordo com o procedimento instituído nos parágrafos revogados. A uniformização da jurisprudência já estava prevista na CLT, mas na prática apresentava pouca efetividade por não dispor de um procedimento regular, não impor aos magistrados a sua observância e nem projetar qualquer resultado positivo na contenção do número de recursos de revista. A partir da Lei n.13.015/2014 esse mecanismo ganhou impulso, e desde então os incidentes de uniformização passaram a ocupar as pautas dos Tribunais Regionais e as súmulas e/ou teses prevalecentes aprovadas passaram a balizar os julgamentos nas Turmas e Seções quanto às matérias uniformizadas.

Na data da edição da Lei n.13.015, em 2014, ainda estava em vigor o Código de Processo Civil de 1973, que também previa o incidente de uniformização de jurisprudência, mas que, diante da edição de norma específica para a Justiça do Trabalho, remanesceu como instituto de aplicação supletiva4. Nos parágrafos 4º, 5º e 6º acrescidos ao art. 896 da CLT, essa lei estabeleceu os procedimentos para instauração e julgamento dos Incidentes, o que foi complementado pela Instrução Normativa TST n. 37/2015.

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, o tratamento destinado ao Incidente de Uniformização de Jurisprudência - IUJ na Justiça do Trabalho restringiu-se basicamente ao art. 896 e parágrafos da CLT e à Instrução Normativa n. 37/2015, considerados suficientes, destacando-se que o novo Código de Processo Civil não contemplou procedimento específico aos trâmites desse instituto.

A promulgação da Lei da Reforma Trabalhista, no entanto, abalou esse cenário. Os parágrafos 3º a 6º do art. 896 da CLT foram revogados. Quando a nova lei entrar em vigor, a uniformização da jurisprudência terá novo tratamento. Sustenta-se, por um lado, a revogação do próprio Incidente de Uniformização e sua substituição pelo Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR ou pelo Incidente de Assunção de Competência - IAC, estes disciplinados de forma mais exaustiva no novo CPC. Em contraposição, defende-se a permanência do Incidente de Uniformização e sua aplicação no Direito do Trabalho, agora com fundamento no novo CPC e no art. 702, f, da CLT5, a sua convivência com os demais incidentes tratados na norma processual civil e a necessidade de apenas se regulamentar o seu procedimento para os Tribunais do Trabalho.

Pretende-se, neste artigo, sustentar a subsistência do Incidente de Uniformização nos moldes criados pela Lei n.13.015/2014 após a entrada em vigor da Lei
n.13.467/2017. Será objeto de análise o tratamento destinado à matéria nos arts. 926 e 927 do CPC de 2015, nos arts. 8º, § 2º e 702, f, da CLT modificada pela Reforma, e a doutrina acerca das finalidades da uniformização da jurisprudência pelo mecanismo do IUJ e pelos demais institutos correlatos. Serão consideradas, também, as consequências jurídicas e os procedimentos diversos desses mecanismos correlatos, que possivelmente não se ajustem perfeitamente aos objetivos da uniformização introduzida pela Lei n.13.015/2014.

Para fundamentar a linha argumentativa adotada serão abordados: algumas considerações históricas sobre o sistema judicial adotado no País; a uniformização da

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jurisprudência e os procedimentos de uniformização antes e depois da Lei n.13.015/2014; a possibilidade de aplicação subsidiária do novo CPC no processo do trabalho; o tratamento atual no CPC a respeito da uniformização e a análise comparativa dos institutos correlatos; e a defesa da preservação desse instituto.

2. A jurisprudência no sistema judicial brasileiro - Influências e considerações históricas

Para restringir o campo de análise e adotar a classificação identificada por René David6 quanto aos modos de manifestação do direito nos sistemas jurídicos adotados nas diversas sociedades atuais, pode-se afirmar que o sistema judicial brasileiro assimilou, desde longa data, a forte influência do civil law, oriundo da família romano-germânica e que reconhece destacado papel às normas legisladas, escritas, e coloca em um plano inferior outras fontes de direito. Por outro lado, surge no sistema nacional cada vez mais nítida a aproximação do sistema civil law com o commow law, este de tradição anglo-saxônica, que foi criado pelos próprios juízes para solucionar alguns litígios e baseia-se em “leis costumeiras e não escritas da Inglaterra, que se desenvolveu a partir da doutrina do precedente”7, pelas decisões dos tribunais8.

A tendência de aproximação dos dois sistemas implicou que a jurisprudência nacional passasse a assumir papel de maior relevância na construção e na pacificação dos conflitos decorrentes da vida em sociedade. A utilização dos instrumentos que são típicos da tradição anglo-saxônica ganhou destaque porque as leis brasileiras impuseram e impõem a atuação uniforme das Cortes Judiciárias, principalmente a trabalhista, como uma das formas de se garantir isonomia e segurança jurídica aos cidadãos.

Desde o ano de 1943, a Justiça do Trabalho, criada inicialmente como instância administrativa, passou a adotar súmulas, anteriormente designadas de prejulgados. Previstos no art. 902 da CLT, esses prejulgados surgiram com natureza vinculante para os demais órgãos da Justiça do Trabalho e editados no julgamento do caso concreto ou anteriormente aos fatos, quando se pudesse antever a divergência de interpretações de uma mesma norma jurídica.

Com a Constituição Federal de 1946, a Justiça do Trabalho passou a integrar o Poder Judiciário9. A partir de então, a utilização dos prejulgados passou a ser impugnada em razão da sua função de criar, de forma prévia e abstrata, normas de caráter cogente. Em 1977, o Supremo Tribunal Federal - STF declarou a inconstitucionalidade do art. 902 da CLT devido a sua força vinculante; em 1982, a Lei n. 7.033 afastou a possibilidade de se utilizar os prejulgados e aqueles que já existiam se mantiveram, pois foram transformados em súmulas10. A criação de súmulas como mecanismo para uniformizar a jurisprudência foi inaugurada pelo STF no Regimento Interno de 1963. Na época, o STF editou súmulas, inclusive em matéria trabalhista, que só deixaram de ser aplicadas quando as decisões do TST passaram a ser irrecorríveis, salvo em se tratando de matéria constitucional11.

Em 1969, o TST criou a súmula de jurisprudência uniforme, inspirado no Decreto-Lei n. 229/1967, que autorizou o indeferimento dos embargos para o Pleno daquela Corte e o recebimento do recurso de revista quando a decisão recorrida estivesse em consonância com prejulgados ou com a sua jurisprudência uniforme. As súmulas foram chamadas de enunciados e novamente súmulas a partir de 2005.

As orientações jurisprudenciais, por sua vez, surgiram depois que o TST, por meio da Súmula n. 42 (substituída pela de número 333), criou mais um requisito de admissibilidade do recurso de revista, incluindo também as decisões superadas por iterativa, notória e atual jurisprudência da SBDI-1. As OJs foram introduzidas na legislação do trabalho por meio da Lei n. 9.756/1998, que alterou o § 4º do art. 896 da CLT, o que realçou a importância da jurisprudência consolidada na Justiça do Trabalho.

Pela análise do sistema judicial brasileiro, em especial na Justiça do Trabalho, é fácil perceber a construção de um sistema de precedentes, que iniciou com a elaboração dos prejulgados, prosseguiu com as súmulas e orientações jurisprudenciais e foi solidificado e reconhecido pelas importantes introduções feitas pela Lei n.13.015/2014.

A adoção de normas codificadas e a valorização da jurisprudência dos Tribunais pelos diversos mecanismos inspirados no common law, que aos poucos foram introduzidos no sistema nacional e culminaram com a adoção da teoria dos precedentes pelo novo Código de Processo Civil12,

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confirmam a influência dos dois sistemas, a necessidade de se superar o modelo de aplicação estrita da lei, e a imposição de avanços no sentido de se preservar e estimular os espaços de interpretação da lei e do direito pelos juízes13.

3. A uniformização da jurisprudência nos Tribunais Regionais do Trabalho

Na Justiça do Trabalho, antes da edição da Lei n.13.015/2014, a obrigatoriedade de se uniformizar a jurisprudência já estava prevista no art. 896, § 3º, da CLT, com a redação dada pela Lei
n. 9.756/1998, nos seguintes termos:

  1. Os Tribunais Regionais do Trabalho procederão, obrigatoriamente, à uniformização de sua jurisprudência, nos termos do Livro I, Título IX, Capítulo I do CPC, não servindo a súmula respectiva para ensejar a admissibilidade do Recurso de Revista quando contrariar súmula da Jurisprudência Uniforme do Tribunal Superior do Trabalho.

Esse dispositivo, todavia, por mais de uma década produziu pouco efeito prático. Embora fosse obrigatório unifor-mizar a jurisprudência, pelos Tribunais, não se avançou ao ponto de tornar obrigatória ou vinculante a observância...

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