A urgência na tutela do meio ambiente e a lei de ação civil pública

AutorMarcelo Abelha Rodrigues
Páginas293-341
CAPÍTULO 9
A URGÊNCIA NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE
E A LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
1. EQUILÍBRIO ECOLÓGICO E URGÊNCIA IN RE IPSA
Não é possível compreender a dimensão da importância das tutelas de urgência nas
ações civis públicas ambientais sem conhecer, um pouco que seja, das características
que dão identidade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; características estas
que f‌izemos questão de expor no capítulo 05.
O equilíbrio ecológico é:
Essencial: sem ele não se sobrevive; com ele impactado não há vida saudável; ele
abriga, protege e rege todas as formas de vida.
Complexo: porque ele é o resultado de uma perfeita combinação química, física
e biológica da interação dos recursos ambientais.
Ref‌lexivo: quando se desequilibra o meio ambiente também são afetados os
microbens ambientais que o formam, espalhando danos individuais e coletivos
Instável: Por ser o resultado da interação de vários recursos, bióticos e abióticos,
qualquer impacto sobre os recursos ou sobre o tempero da mistura (química,
física e biológica) pode desestabilizar o equilíbrio ecológico.
Perene: O dano ao meio ambiente não se estanca; ele amplif‌ica no tempo e no
espaço ampliando qualitativa e quantitativamente o prejuízo ambiental.
Indivisível: não há como reparti-lo; não há como dele se apropriar; o equilíbrio ecoló-
gico é um bem de todos, sem qualquer distinção; só admite o uso comum e isonômico
por todos
Ubíquo: Não há como limitá-lo a um espaço; o desequilíbrio inicia num ponto mas
se espalha para outros rapidamente porque cada ecossistema equilibrado é base de
um outro ecossistema maior.
Infungível: não se substitui por nenhum outro; não há dinheiro que substitua
ou equivalha ao equilíbrio ecológico. Deve ser preservado ou se ocorrido o dano
restaurado com imediatidade.
Estes são alguns dos elementos que personif‌icam o equilíbrio ecológico, que nada
mais é do que o bem jurídico objeto de tutela do art. 225 da CF/88. Atento a estas (e
tantas outras importantes características) do equilíbrio ecológico é que o texto consti-
tucional brasileiro foi claro e enfático estabelecendo o dever de protegê-lo e preservá-lo,
incumbência que cabe tanto do poder público quanto a coletividade. A manutenção
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA E MEIO AMBIENTE • MARCELO ABELHA RODRIGUES
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da integridade do equilíbrio ecológico é, além de tudo que foi dito, economicamente
muito mais viável do que ter que suportar os prejuízos de sua deterioração. Os serviços
ecossistêmicos têm um valor incomensurável quando comparado com o prejuízo da
sua degradação.
Não bastasse este axioma previsto no caput o texto maior estabeleceu uma série de
regras nos parágrafos e incisos do artigo 225 deixando claro e evidente que não admite o
dano ambiental, seja determinando que se impeça ou se controle o risco ao meio ambiente.1
Sabe o legislador que é absolutamente impossível o retorno ao status quo ante e
que a única forma de tutela justa e adequada do direito fundamental ao meio ambiente
é aquela que evita o dano, impedindo o desequilíbrio ecológico. A integridade do equi-
líbrio ecológico é condição sine qua non para o uso comum do povo.
Todas estas características do equilíbrio ecológico nos permitem af‌irmar, categori-
camente, que não há tutela do equilíbrio ecológico que não seja movida, impulsionada
caracterizada pela urgência. E, frise-se que a urgência não está apenas – e logicamente
– em tutela de preservação e proteção do equilíbrio ecológico para mantê-lo íntegro,
mas também na sua restauração ou recuperação, pois o dano ambiental de hoje é sempre
menor do que o de amanhã, pois ele se protrai no tempo e há a inexorável interconexão
dos bens ambientais e ecossistemas.
Isso signif‌ica reconhecer que até mesmo depois de ocorrido o dano ambiental, ainda
assim permanece – aliás amplif‌ica – a necessidade de que urgentemente sejam tomadas
medidas de estancamento e restauração do equilíbrio ecológico.
A expressão in re ipsa signif‌ica na própria coisa, ou seja, quando intitulamos este
tópico de urgência in re ipsa na proteção do equilíbrio ecológico o que estamos querendo
dizer é que quando se está em jogo a tutela do equilíbrio ecológico a urgência é presu-
mida, porque ínsita à proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Não bastasse o reconhecimento científ‌ico da ecologia, biologia, geologia etc. de que
equilíbrio ecológico é fundamental para abrigo, proteção e regência de todas as formas
de vida (humana e não humana) o próprio legislador – legge lata – diz isso no caput do
art. 225 da CF/88 ao mencionar que é essencial à sadia qualidade de vida.
E mais, todos os processos ecológicos essenciais devem ser preservados e restaurados
(inciso I); só uma lei de igual hierarquia é capaz de suprimir um espaço ambiental espe-
cialmente protegido, porque se reconhece a sua importância ambiental (inciso III); não
se pode ter licenciamento de atividade que cause signif‌icativa impactação sem estudo
prévio de impacto que permita fazer o controle da atividade ou obra (inciso IV) etc.
dando clara demonstração de que todos estes deveres jurídicos concretos são movidos
pela ideia de prevenção contra danos ambientais, porque se reconhece a fundamentalidade
do equilíbrio ecológico.
São deveres que circundam, que aninham e que conservam o núcleo do caput:
proteger e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado; estão expressamente
ali arrolados para efetivar o caput como diz o texto do §1º do art. 225.
1. Remetemos o leitor para o capítulo 05 do livro.
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CAPítUlo 9 • A URgêNCIA NA tUtElA do mEIo AmbIENtE E A lEI dE Ação CIVIl PúblICA
E mais, não bastasse isso há diversas leis infraconstitucionais que expressamente
reconhecem a fundamentalidade da função ecológica de recursos ambientais para a
manutenção do equilíbrio ecológico.
É o que se vê, por exemplo, no art. 3º, incisos II e III da Lei 12651 que expressa-
mente evidenciam a essencialidade ecológica das áreas de preservação permanente e
da reserva legal:
II – Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a
função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade,
facilitar o uxo gênico de fauna e ora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
III – Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do
art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel
rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodi-
versidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da ora nativa;
Logo, é óbvio que estas áreas protegidas devem ser preservadas, assim entendido
como “o conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem a proteção a longo prazo
das espécies, habitats e ecossistemas, além da manutenção dos processos ecológicos, preve-
nindo a simplif‌icação dos sistemas naturais”. (art. 2º, V da Lei 9985/00).
Não há dúvida que se estas áreas protegidas estiverem em risco potencial ou iminente
de sofrerem um prejuízo este risco deve ser afastado mediante medidas judiciais concretas
que mantenham a integridade da sua função ecológica, e, se isso já não for possível,
sem prejuízo de outras sanções civis, penais e administrativas, deve ser imposto com
imediatidade do dever de restauração das referidas áreas. Eis porque toda tutela judi-
cial que envolva uma área de preservação permanente e de reserva legal não precisa ser
demonstrada a urgência na sua proteção, porque legge lata o legislador descreve a sua
importância e fundamentalidade.
Neste aresto um bom exemplo desse reconhecimento em juízo:
I – Na origem, trata-se de ação civil pública, objetivando a demolição de edicação, bem como proceder
a recuperação ambiental do local, dada a supressão de vegetação nativa pela construção de uma casa de
veraneio, em topo de moro da APA de Sapucaí Mirim, considerada Zona de Vida Silvestre, sem que tal
empreendimento tivesse utilidade pública ou interesse social para ns de saúde pública. II – Na sentença,
julgaram-se parcialmente os pedidos para condenar solidariamente os réus nas obrigações de (a) demolir todas
as construções situadas na Zona de Vida Silvestre do imóvel no prazo de sessenta dias do trânsito em julgado
da sentença, sob pena de multa diária, limitada a 60 dias, sem prejuízo de se determinar providências que
assegurem o resultado prático equivalente; (b) recompor a vegetação nativa, conforme o PRAD (projeto de
recuperação da área degradada), aprovado pela CBRN, que deverá ser apresentado no prazo de 30 dias do
trânsito em julgado; (c) pagar pelos danos ambientas praticados, imediatos e contínuos, apurados na perícia
judicial, com atualização monetária desde a data da perícia complementar e juros de mora de 1% ao mês a
contar da citação, com exceção das Fazendas, cujo pagamento se faz por precatórios. Sujeitou a sentença
ao reexame necessário. No Tribunal a quo a sentença foi parcialmente reformada para julgar improcedente o
pedido de condenação com relação ao Estado e ao ente municipal. Considerou-se, ainda, a impossibilidade
de cumulação da condenação a demolir com a indenização dos danos materiais, e que não foi demonstrada
a ocorrência de dano coletivo. Afastou-se, também, a condenação em honorários. Nesta Corte, deu-se pro-
vimento ao recurso especial para restabelecer a sentença. II – Opostos embargos de declaração, aponta a
parte embargante vícios no acórdão embargado. Não há vício no acórdão. A matéria foi devidamente tratada
com clareza e sem contradições. III – Embargos de declaração não se prestam ao reexame de questões já
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