Urna eletrônica, segurança no exercício da cidadania

AutorElainy Akamine França
CargoAnalista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE/MS), exerce a função de Chefe de Cartório da 52ª Zona Eleitoral, em Ponta Porã/MS. MBA em Gestão Pública, pela Universidade Anhanguera. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Páginas85-115

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Introdução

Nas eleições gerais de 2014, a disputa eleitoral despertou o interesse para um estudo aprofundado sobre a segurança que a urna eletrônica confere ao processo de escolha dos nossos representantes políticos. Após a proclamação do resultado do segundo turno, nas redes sociais, na internet e nos meios de comunicação foram divulgados vídeos e notícias com o fito de denunciar que o processo eleitoral havia sido contaminado por fraudes, suscitando dúvidas atacando a confiabilidade na apuração dos votos e da infalibilidade da urna eletrônica, desde o processo de votação até a totalização do resultado.

O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB-Nacional) requerereu ao Tribunal Superior Eleitoral auditoria nos sistemas de votação e totalização dos votos das eleições presidenciais de 2014, manifestada no processo de Apuração de Eleição nº 1578-04.2014.6.00.0000 – Classe 7

– Distrito Federal(Brasília), a ser realizada por comissão de especialistas formada a partir de representantes indicados pelos partidos políticos.

No referido pedido foram levantadas questões atinentes a segurança do sistema de votação e apuração, bem como a impossibilidade de recontagem de votos, por não ter sido implementado o sistema de impressão do voto, o que possibilitaria a recontagem física do resultado da eleição. Mencionou-se ainda que a legitimidade da representação popular está diretamente relacionada à confiança do povo brasileiro no processo

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eleitoral e que as manifestações demonstravam que essa confiabilidade estava abalada e a sociedade buscava ações concretas para dissipar a dúvida.

Da análise do pedido, o Tribunal Superior Eleitoral deferiu o fornecimento de cópia dos boletins de urna do primeiro e segundo turno, arquivos eletrônicos, logs originais das urnas eletrônicas e dos arquivos de transmissão e dados apurados, acesso aos programas de totalização de votos utilizados pelos Tribunais Regionais Eleitorais e Tribunal Superior Eleitoral.

Independente do resultado alcançado pelo PSDB o escopo do presente estudo é demonstrar à sociedade que o processo de votação, na forma concebida e implantada é seguro e as Eleições 2014 também transcorreram de forma a assegurar a livre escolha de representantes pelo povo brasileiro.

Não há que se duvidar que a adoção do processo de votação eletrônico foi concebido para garantir a segurança no exercício da cidadania, para tanto, a cada eleição as técnicas de segurança são aprimoradas para garantir a livre manifestação da vontade de escolha dos eleitores. A votação eletrôncia busca pôr fim as manobras fraudulentas da votação do sistema de cédulas, sistema no qual a interferência humana possibilita a prática de atos que ferem a lisura do pleito.

A votação eletrônica é uma realidade do processo eleitoral, apontada como um mecanismo seguro, que merece maior participação das instituições e sociedade organizada visando assegurar a transparência necessária ao processo eleitoral de votação.

Surgimento da justiça eleitoral

Os movimentos revolucionários de 1930 levantaram a bandeira da moralização das eleições, marcadas por fraudes desde o período do Império. O processo de votação manual era objeto de insatisfação popular face as deficiências e falta de confiabilidade que o processo conferia.

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As fraudes eram inúmeras, dentre elas podemos citar o voto carreirinha e o mapismo, vejamos:

Voto carreirinha: um eleitor, valendo-se da desatenção ou mesmo da conivência dos componentes da mesa, deixava de depositar a cédula na urna, colocando em seu lugar, algum pedaço de papel assemelhado. Então, a cédula oficial não depositada era entregue para outro eleitor, já preenchida, que a colocava na urna e deixava a seção eleitoral portando a cédula em branco recebida do mesário.90 (NETO, 2013, p. 12)

O mapismo, ocorria após a apuração dos votos de determinada urna, o mapa resultante era alterado para beneficiar algum candidato. A aglomeração de pessoas nos locais de apuração, favorecia o mapismo, o que dificultava a fiscalização pelos partidos e pela Justiça Eleitoral.

Além das fraudes, o processo de votação e contagem manual dos votos envolvia um grande número de pessoas que após a votação passavam muitos dias afastados dos locais de trabalho e posteriormente tinham direito de afastamento do trabalho pelo tempo equivalente, o que prejudicava sobremaneira a produção de bens e serviços.

Mesmo antes de ser criada, já havia sinalização da necessidade da criação da Justiça Eleitoral, com o fim de moralizar as eleições, tirando do Poder Executivo e do Legislativo a atribuição de realizar as eleições, transferindo o processo eleitoral ao Poder Judiciário.

O Código Eleitoral foi promulgado em fevereiro de 1932 e introduziu várias mudanças, dentre as quais destaca-se a criação da Justiça Eleitoral, órgão que tornou-se responsável por todos os trabalhos eleitorais: alistamento eleitoral, organização das mesas de votação, apuração dos votos, reconhecimento e proclamação dos eleitos, bem como o julgamento de questões que envolviam a matéria eleitoral. Trouxe ainda as seguintes inovações: voto feminino facultativo, fixação definitiva do voto secreto,

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instituição do sistema representativo proporcional e regulação em todo país das eleições federais, estaduais e municipais.

O caráter de voto secreto surgiu estruturado com a utilização do envelope uniforme oficial, que não poderia ter marcas que o identificasse e dentro dele se inseria a cédula e o gabinete indevassável, uma cabine que isolaria o cidadão no momento do envelopamento da cédula.

No sentido de assegurar o voto secreto, o Código de 1932 previu além do envelope oficial e do gabinete indevassável, o uso da máquina de votar.

Jairo Nicolau descreve com maestria o novo momento político do Brasil:

Em 16 julho de 1934 foi promulgada uma nova Constituição, que estabeleceu as regras para as eleições de uma série de cargos, entre os quais o de Presidente da República. No dia seguinte, a Assembleia elegeu Getúlio Vargas para ocupar a Presidência até o dia 3 de maio de 1938. As eleições diretas para a escolha do sucessor de Vargas estavam previstas para acontecer 120 dias antes do término de seu mandato.

No dia 14 de outubro de 1934, houve eleição para a Câmara dos Deputados e para a Assembleia Constituintes dos Estados. Estas últimas, assim que foram empossadas, elegeram os governadores e dois senadores. Esse foi o único pleito realizado durante a curta vigência da Carta de 1934, já que em 10 de novembro de 1937 um golpe de Estado comandado por Vargas instituiu o regime autoritário conhecido como Estado Novo. Durante esse período, os partidos foram extintos; o Congresso Nacional, as Assembleia Legislativas e as Câmaras Municipais foram dissolvidos; e as eleições foram suspensas. Por onze anos – de outubro de 1934 a dezembro de 1945 – não foram realizadas eleições no país. Paradoxalmente, após criar as condições para a realização de eleições limpas e garantir que as mulheres pudessem votar, o país ficaria o mais longo período de sua história sem eleições.91

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Após o Golpe Militar em 29 de outubro de 1945, a Justiça Eleitoral foi reinstalada definitivamente. O Código Eleitoral de 1945, conhecido como Lei Agamenon, restabeleceu a Justiça Eleitoral, regulando em todo o país o alistamento eleitoral e as eleições. Esse Código orientou a eleição para a Assembleia Nacional Constituinte de 1945 e as eleições diretas para todos os cargos nos três níveis de governo.

Origem do voto eletrônico

O Código Eleitoral de 1932 já previa a existência da máquina de votar, que somente foi concretizada em 1996. Houve algumas tentativas antes desta data, tais como o projeto de Sócrates Ricardo Puntel, em 1958, que elaborou uma engenhosa máquina de votar, porém a idéia restou infrutífera.

Em 1974, após um exaustivo processo de apuração manual de votos, Francisco Luis Moro, advogado e contador de Osório-RS sugeriu um novo sistema, em que a eletrônica assumiria papel fundamental. A loteria esportiva, que utilizava a tecnologia de transposição de dados de um cartão para um computador, serviu como inspiração ao projeto. Concluiu o inventor que, mesmo com baixa escolaridade, o eleitor que preenchia os volantes da loteria não teria problemas para repetir a mesma operação no momento das eleições. No projeto de Moro, o eleitor assinalaria a cédula, que depois seria perfurada pelo mesário após o encerramento da votação e, por fim, enviada a um computador que decodificaria os bilhetes. A ideia era visionária, pois almejava a economia com pessoal, segurança, rapidez e exatidão na apuração, contagem e divulgação do resultado.

Ainda em 1974 o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul utilizou computadores para contagem final dos votos, seguindo o raciocínio desenvolvido por Francisco Moro, eliminando, assim, o Mapa

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Totalizador de Votos, uma enorme planilha onde se lançavam os votos de todos os candidatos, urna por urna, mais os votos branco e nulos.

Em 1987, o engenheiro Alberto Gosh idealizou um sistema semelhante ao sugerido por Francisco Moro e, em 06 de dezembro de 1988, o apresentou à Presidência do TRE-RS. O Presidente à época, desembargador Marco Aurélio de Oliveira afirmou que o Tribunal Superior Eleitoral já estava estudando a possibilidade de informatizar o processo de apuração dos votos.

Na eleição de 1982 o Tribunal Regional do Rio de Janeiro contratou a empresa Proconsult para totalizar os votos da eleição de governador, senador, deputados, prefeitos e vereadores. Entretanto, muitas polêmicas surgiram em razão da divergência de resultado apresentado pela imprensa, gerando desconfiança em relação à informatização do pleito...

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