Uso da jurisprudência estrangeira pelos tribunais constitucionais
Autor | Guilherme Peña de Moraes |
Páginas | 7-31 |
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USO DA JURISPRUDÊNCIA
ESTRANGEIRA PELOS TRIBUNAIS
CONSTITUCIONAIS
1. DEFINIÇÃO
O uso de jurisprudência estrangeira, ao longo do trabalho em
exame, é definido como utilização de precedentes que, malgrado
tenham sido emitidos por um tribunal nacional, são recebidos por
outro com valor persuasivo.1
Do ângulo do tribunal emissor, os precedentes nacionais devem
ser usados como “decisões pretéritas que funcionam como modelos
para decisões mais recentes”, tendo em vista a “aplicação de lições do
passado para a resolução de casos concretos do presente e do futuro”.2
Do ângulo do tribunal receptor, os precedentes estrangeiros
podem ser utilizados como holding ou ratio decidendi, em ordem a
justificar racionalmente os fundamentos de decisões sobre questões
constitucionais que permeiam os sistemas jurídicos contemporâneos,
sob a égide do Direito Constitucional de convergência.3
Em harmonia com a linha pelo fio da qual a pesquisa é desenca-
deada, a investigação científica gira em torno de materiais estrangei-
ros – e não internacionais – que operam efeitos jurídicos nos Estados
nos quais são emitidos, mas, em sentido oposto, não dizem respeito
aos interesses dos Estados nos quais podem ser recepcionados.4
1. TUSHNET, Mark V. The Constitution of the United States of America: a contextual analysis.
Portland: Hart Publishing, 2009. p. 268-270.
2. MACCORMICK, Donald N.; SUMMERS, Robert S. Interpreting precedents: comparative
study. Brookfield: Ashgate Publishing Co., 1997. p. 522.
3. JENKINS, Jeffrey A. The American courts: a procedural approach. Sudbury: Jones &
Bartlett Learning, 2009. p. 19-20.
4. GROPPI, Tania; PONTHOREAU, Marie-Claire. The Use of Foreign Precedents by Cons-
titutional Judges. Portland: Hart Publishing, 2014. p. 411.
CONSTITUCIONALISMO MULTINACIONAL • GUILherMe PeñA de MOrAeS
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Face ao exposto, considerando que o Direito interno é aberto,
dinâmico, e suscetível de interagir com outros ordenamentos jurí-
dicos, o estudo ao qual nos dedicamos tem a pretensão de construir
um modelo teórico que franqueie aos tribunais nacionais critérios
objetivos de seleção de precedentes estrangeiros que podem, ou
mesmo devem, ser utilizados pela justiça constitucional, razão pela
qual algumas observações preliminares se nos afiguram convenientes
e oportunas para a delimitação do tema.
1.1 Materiais estrangeiros
Conquanto a doutrina, não somente a nacional, mas também
a estrangeira, em regra, não estabeleça a diferenciação semântica, a
utilização de elementos internacionais e o uso de elementos estran-
geiros pelos órgãos da justiça constitucional são distintos entre si.
Os tribunais constitucionais são vinculados, em tese, ao Direito
internacional, eis que as decisões dos tribunais internacionais (ou
supranacionais), como, verbi gratia, a Corte de Justiça e o Tribunal
Penal Internacionais, da Organização das Nações Unidas, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados
Americanos, e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, da Orga-
nização do Conselho da Europa, devem ser utilizadas por todos ou
alguns Estados que se submetem a sua jurisdição.
Os tribunais constitucionais podem ser persuadidos, em casos
concretos, pelo Direito estrangeiro, dado que, em linha de princípio,
as decisões oriundas de cada tribunal nacional de justiça constitu-
cional única ou justiça constitucional de cúpula, como, videbimus
infra, as Cortes ou Tribunais Constitucionais, da Itália e da Espanha,
a Suprema Corte, dos Estados Unidos, e o Supremo Tribunal Federal,
do Brasil, são usadas pelos Estados de onde promanam.5
5. No sentido do texto, Cindy G. Buys e Jacob J. Zehnder afirmam a necessidade da diferen-
ciação entre a utilização de elementos estrangeiros e o uso de elementos internacionais,
in expressis: “há dois tipos de Direito em questão nesse debate: o Direito estrangeiro e o
Direito internacional. Estes dois tipos de Direito são, às vezes, confundidos pela dou-
trina”, de forma que “os casos que envolvem as convenções e tratados internacionais”,
à evidência, são diferentes dos “casos que envolvem meramente questões domésticas e
citem leis estrangeiras simplesmente para apoiar os fundamentos das decisões do tribu-
nal constitucional. Os casos em que convenções e tratados internacionais são usados
com eficácia vinculante não podem ser confundidos com os casos em que fontes legais
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