Uti possidetis juris e o papel do direito colonial na solução de controvérsias territoriais internacionais

AutorLucas Carlos Lima
CargoUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
Páginas121-147
Uti Possidetis Juris e o Papel do Direito Colonial
na Solução de Controvérsias Territoriais
Internacionais
Uti Possidetis Juris and the Role of the Colonial Law for the Resolution of
International Territorial Disputes
Lucas Carlos Lima
Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte, MG, Brasil.
Resumo: O presente trabalho discute a condi-
ção do direito colonial nas controvérsias terri-
toriais internacionais decididas pela Corte In-
ternacional de Justiça. Em particular, o artigo
verifica tal condição nos casos em que o princí-
pio Uti Possidetis Juris é invocado para auxiliar
na determinação dos limites e das fronteiras ter-
ritoriais. Se, por um lado, a jurisprudência tra-
dicional da Corte tende a tratar o direito interno
dos Estados como um “mero fato”, por outro,
os particulares casos de uti possidetis requerem
determinados exercícios por parte do juiz inter-
nacional que parecem afastar esse tratamento.
Por meio de um exame da jurisprudência e dos
casos em que o princípio é invocado e das téc-
nicas empregadas pela Corte para determinar e
interpretar o direito colonial, o artigo demonstra
que a abordagem tradicional da Corte é mitiga-
da quando o direito colonial aparece no contex-
to do contencioso internacional.
Palavras-chave: Direito Colonial. Direito In-
terno e Direito Internacional. Corte Internacio-
nal de Justiça.
Abstract: The present essay discusses the
condition of colonial law in the international
territorial disputes decided by the International
Court of Justice. In particular, the article
verifies that condition in cases where the uti
possidetis juris principle is invoked to aid in the
determination of territorial limits and frontiers.
If, on the one hand, the Court’s traditional case
law tends to treat the domestic law of States as
a “mere fact”, on the other, the particular cases
of uti possidetis require certain exercises by the
International Court that appear to refrain from
such treatment. Through an examination of
the case law and cases in which the principle
is invoked, as well as of the techniques
used by the Court to determine and interpret
colonial law, this article demonstrates that the
traditional approach of the Court is mitigated
when colonial law appears in the context of the
international litigation.
Keywords: Colonial Law. Domestic Law
and International Law. International Court of
Justice.
Recebido em: 26/09/2017
Revisado em: 09/10/2017
Aprovado em: 17/10/2017
http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2017v38n77p121
122 Seqüência (Florianópolis), n. 77, p. 121-148, nov. 2017
Uti Possidetis Juris e o Papel do Direito Colonial na Solução de Controvérsias Territoriais Internacionais
1 Introdução
Entre os diferentes princípios e regras que governam o gerencia-
mento dos espaços nacionais e internacionais, o princípio Uti Possidetis
Juris1 desempenha papel proeminente, particularmente quando se trata
da solução de controvérsias sobre fronteiras e limites entre Estados que
recentemente se tornaram independentes. Como a Corte Internacional de
Justiça (CIJ)2 (2007, p. 706) observou, “[...] o princípio do uti posside-
tis manteve seu lugar entre os mais importantes princípios jurídicos em
relação a títulos territoriais e delimitação de fronteiras no momento da
descolonização”3.
Originalmente aplicado no contexto hispano-americano, ao longo
da segunda metade do século XX, o princípio foi geralmente utilizado
para resolver conflitos sobre fronteiras na África4 e, mais recentemente,
foi também invocado no contexto Europeu5. Em poucas palavras, a prin-
cipal característica do princípio resulta que, quando um ou mais Estados
se tornam independentes, as antigas divisões administrativas constituem o
elemento primário para o estabelecimento das fronteiras do novo Estado.
Nas palavras da Corte, “[...] a aplicação do princípio uti possidetis resulta
em limites administrativos sendo transformados em fronteiras internacio-
nais no sentido pleno do termo” (CIJ, 1986, p. 566).
1 Importante sublinhar que o presente trabalho trata do princípio uti possidetis juris, o
qual se distingue do princípio uti possidetis de facto, que privilegia a efetiva ocupação do
território em vez do título jurídico sobre ele – doutrina que foi particularmente utilizada
pelo Brasil na determinação de suas fronteiras. Sobre a questão, ver Barberis (1992,
p.130-156).
2 Doravante “a Corte” ou “CIJ”.
3 Do original: “the principle of uti possidetis has kept its place among the most important
legal principles regarding territorial title and boundary delimitation at the moment of
decolonization”. Nesse sentido, ver Rodríguez (1997, p. 149-382).
4 Acerca das controvérsias territoriais africanas trazidas perante a Corte, ver Abou-El-
Wafa (2009, p. 9-570).
5 A importância do princípio uti possidetis juris foi enfatizada pela Comissão de Arbitragem
da Conferência de Paz sobre a Iugoslávia (também conhecida como a Comissão Badinter),
em especial a Opinião Número 3. Sobre a questão, ver Pellet (1992, p. 178-185) e Nesi
(1996, p. 193-195).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT