Memória, informação, utopia e ficção-científica: construindo o conceito de memória do futuro

AutorLeila Beatriz Ribeiro, Carmen Irene Correia Oliveira, Valéria Cristina Lopes Wilke
CargoProfa. Dra. Adjunto III do Departamento de Processos Ténico-Documentais. - Profa. Dra. Adjunto I do Departamento de Filosofia e Ciências Sociais. - Profa. Dra. Adjunto I do Departamento de Filosofia e Ciências Sociais.
Páginas146-177
Cad. de Pesq. Interdisc. em Ci-s. Hum-s., Florianópolis, v.11, n.98, p. 146-177, jan/jun. 2010
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Memória, informação, utopia e ficção-científica:
construindo o conceito de memória do futuro
Memory, information, utopia, science ficction:
constructing the concept memory of the future
Leila Beatriz Ribeiro1
Carmen Irene Correia Oliveira2
Valéria Cristina Lopes W ilke3
RESUMO
Propõe o desenvolvimento do c onceito de memória de futuro a partir das relações
entre memória, informação e ficção-científica. Apresenta a questão da utopia e
distopia como centrais na construção do conceito que está sendo proposto. A
percepção da memória como uma narrativa coloca os filmes de ficção-científica
como propícios à análise, pois neles diferentes códigos estão inscritos, implícitos em
um trabalho ou processo de significação. Analisa dez produções fílmicas e
estabelece três eixos a partir dos quais se estrutura a memória projetiva de futuro a
partir de questões do presente: vitória sobre sistemas totalitários; ciência celebrada
ou negativizada; angústias humanas socialmente contextualizadas.
Palavras-chave: Memória do futuro. Memória social. Ficção-científica. Informação.
ABSTRACT
This paper proposes the concept memory of the future based on the relations
between memory, information and science fiction, arguing that the issues of utopia
and dystopia are central to the concept being proposed. The view of memory as
narrative makes science fiction movies suitable for analysis, since they include
different codes which are implicit in a meaning process. This piece of research
analyzes ten movies and establishes three axes based on which projective memory
of the future is structured, taking memory of the present as its starting point: victory
over totalitarian systems; celebrated or negative science; socially contextualized
human anxieties.
Key-words: Memory of the future. Social memory. Science fiction. Information.
1 Profa. Dra. Adjunto III do Departamento de Processos Ténico-Documentais. Atua com pesquisas na
área de memória, coleções, imagem e patrimônio. leilabribeiro@ig.com.br
2 Profa. Dra. Adjunto I do Departamento de Filosofia e Ciências Sociais. Atua com pesquisas na área
de memória, comunicação científica e ciência. irenecor@oi.com.br
3 Profa. Dra. Adjunto I do Departamento de Filosofia e Ciências Sociais. Atua com pesquisas na área
de políticas e informação, educação científica e imagem. valwilke@gmail.com
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1 PROPOSTA
Os estudos sobre memória têm caminhos diferenciados conforme o campo
teórico que os conduz. Algumas questões estão sempre em pauta, tais como o
caráter social da memória e sua relação com a subjetivi dade, as representações
coletivas, a construção de identidades em um contexto multicultural, o esquecimento
e sua relação com projetos de memória. Um ponto que tem sido indiscutível pode
ser expresso da seguinte forma: a memória é uma reconstrução feita a partir das
demandas do presente. Assim, pensamos em uma cadeia entre passado-presente-
futuro, com um retorno ao passado e redimensionamento do presente, no qual, a
construção no presente faz-se com elementos do passado e projeta-se para o futuro.
no futuro, que se torna presente, uma nova projeção se estabelece. Os
elementos retomados são múltiplos, fazendo com que cada presente projete um
futuro diferenciado, e as representações construídas nesse processo lançam uma
perspectiva alimentada do que já f omos, conhecemos ou sonhamos, aproximando
memória e utopia. Os projetos utópicos são vistos como um dos combustíveis de
uma memória de futuro que se c onstrói na injunção de uma representação social de
presentes que repensam passados e idealizam futuros.
O foco de nossas investigações é o cinema e seu produto o texto fílmico.
Memória e informação são discutidas considerando, em termos globais: a) a questão
da produção e circulação dos filmes como produtos c ulturais e como elementos de
uma dinâmica de informação e memória que se constrói no âmbito desses dois
pólos; b) a máquina da indústria cinematográfica como contexto macro dessa
dinâmica.
Temos como quadro teórico discussões no campo da comunicação, ciência
da informação e memória social, com uma abordagem que c onta das
peculiaridades do texto fílmico como produto cultural híbrido, como documento
informacional, como problematizador das questões relacionadas à memória e como
dinamizador de projetos identitários que se situam no âmbito da construção de uma
memória idealizada por e para determinados grupos. Além disso, o texto fílmico
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pode funcionar como dispositivo que deflagra o processo de lembrança individual,
por trazer representações válidas para aquele que o lê.
Com tais relações e aquelas que podem ser estabelecidas entre memória e
utopia, desenvolvemos o conceito de memória de futuro, considerando, a partir de
Jamenson (2005), que não é possível excluir do pensamento sócio-político a
dimensão de futuro e de mudança radical. Na c onstrução desse conceito, são
consideradas análises de dez narrativas de ficção científica cinematográficas, que
alimentam a discussão sobre projeções utópicas e distópicas.
Esse conceito funcionou como catalisador das problemáticas que
desenvolvemos na fronteira entre memória e informação, considerando a
perspectiva de práticas de leituras fílmicas que foram, posteriormente, desaguar em
estratégias didáticas de exploração temáticas em contexto formais de educação.
O presente artigo apresenta um contexto acerca do cinema e dos filmes de
ficção-científica para, em seguida, aborda o conceito de memória e a fundamentação
da memória de futuro a partir da utopia e distopia. Finalmente, apresentamos a
discussão analítica com as categorias arroladas na construção do conceito propost o.
2 A INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA HOLYWOODIANA: um projeto
globalizante
Um dos nossos pressupostos é o de que, na contemporaneidade, os produtos
culturais são objeto de intensa negociação por parte de produtores e consumidores,
acirrando posicionamentos de resistência, ou flexibilizando os discursos e práticas,
ao possibilitar formas culturais híbridas. É nesse sentido que teóricos como Nazário
(2005) percebem a necessidade de redimensionar o conceito de indústria cultural,
de modo a abarcar essa nova condição de circulação das mensagens que se
entrecruzam “em imbricações complexas como veias e artérias, por onde circulam
os novos produtos culturais sob forma de informação” (NAZÁRIO, 2005, p.340).
Fenômeno complexo, o cinema é indústria, é meio de comunic ação, é arte e é
um projeto de universalidade, dentre tantas outras coisas, e se encontra
estreitamente relacionado à modernidade em sua fase de fins do século XIX. Uma
das perspectivas para sua abordagem s e refere, mais diretamente, às formas pelas
quais a indústria cinematográfica se estabeleceu, principalmente a hollywoodiana,

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