Vínculo Empregatício - Affectio Societatis - Fraude - Sócio

AutorJuiz Rodrigo Garcia Schwarz
Ocupação do Autor2ª Região - SP
Páginas116-121

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Processo n. 0001841-79.2012.5.02.0373

SENTENÇA

Vistos, etc.

José Leandro de Paulo ajuíza, em 21.8.2012, a presente reclamação trabalhista em face de Saúde Ocupacional Assessoria e Consultoria S/C Ltda. e Masterfoods Brasil Alimentos Ltda., postulando, em síntese, a condenação das reclamadas à retificação das anotações apostas na sua Carteira de Trabalho e Previdência Social e ao pagamento de verbas remuneratórias, rescisórias e indenizatórias. Junta documentos. Dá para a causa o valor de R$ 81.808,47. Frustrada a conciliação, as reclamadas contestam o pedido inicial. Juntam documentos. O reclamante, em réplica, manifesta-se. Na audiência, são ouvidas duas testemunhas. Encerrada a instrução processual, frustrada a conciliação, vêm os autos conclusos para julgamento.

É o breve relatório.

DECIDO

  1. Concedo para o reclamante o benefício da justiça gratuita, nos termos do art. 790, § 3º, da CLT, em virtude da sua declaração de insuficiência econômica, à fl. 14.

2. Rejeito, de plano, as arguições preliminares, pois as matérias suscitadas a título de preliminares processuais, pelas reclamadas, concernem, na realidade, ao mérito da reclamação trabalhista.

3. Ajuizada a presente reclamação em 21.8.2012, estão atingidas pela prescrição parcial (quinquenal), nos termos do art. 11 da CLT, as parcelas postuladas, vencidas e exigíveis em data anterior a 21.8.2007, à exceção das parcelas concernentes às contribuições devidas para o FGTS, pois, em relação a tais parcelas, é trintenário o prazo prescricional, nos termos da Súmula n. 362 do Tribunal Superior do Trabalho. A prescrição não atinge, contudo, a pretensão concernente à ratificação das

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anotações apostas na Carteira de Trabalho e Previdência Social do reclamante, tratando-se, no tópico, de demanda manifestamente declaratória, imprescritível, nos termos do § 1º do art. 11 da CLT.

4. O reclamante postula, em síntese, a condenação das reclamadas à retificação das anotações apostas na sua Carteira de Trabalho e Previdência Social e ao pagamento de verbas remuneratórias, rescisórias e indenizatórias. (4.1) Negado, embora, pela primeira reclamada o vínculo empregatício com o reclamante no período de 30.1.2007 a 31.7.2008, mas não a própria prestação de serviços em causa, atribuída ao reclamante a condição singular de sócio quotista da empresa, verifica-se, facilmente, tratar-se a incorporação meramente formal do reclamante ao quadro societário da empresa, como sócio quotista minoritário, sem poderes de administração e/ ou gestão, ou de simples deliberação quotidiana, de ardil engendrado pela primeira reclamada para fraudar acintosamente a aplicação dos preceitos da CLT, sendo nulo de pleno direito tal estratagema, nos termos do art. 9º da CLT, formando-se, em consequência, o vínculo empregatício aventado pelo reclamante na inicial. No presente caso, o reclamante foi admitido pela primeira reclamada em 30.1.2007, fato incontroverso (fl. 81), mas foi incorporado ao respectivo quadro societário somente em 2.3.2007, como demonstra claramente o documento às fls. 32-44, sequer havendo prova, nos autos, de que tal documento tenha sido levado a registro, porque o documento efetivamente levado a registro somente foi firmado em 12.7.2007 (fls. 110-19). Dessa forma, resta inequívoco que o reclamante já estava prestando serviços à primeira reclamada quando foi formalmente incorporado ao respectivo quadro societário, com outros trabalhadores, o que evidencia a fraude. Por outro lado, analisando-se os documentos em questão, verifica-se que o sócio-gerente da empresa, Sr. Umberto Rodrigues de Paula, com a incorporação dos trabalhadores ao respectivo quadro societário, continuou concentrando unipessoalmente a administração e/ou gestão da empresa, inexistindo verdadeira affectio societatis no caso. Pelo contrato social em questão, a administração da empresa, com os poderes e atribuições inerentes à sua gestão, é exercida exclusivamente por Umberto Rodrigues de Paula, que possui para si 94 (noventa e quatro) das 100 (cem) quotas do respectivo social, detendo, portanto, 94% (noventa e quatro por cento) do capital social, havendo sido estabelecido estatutariamente que todas as deliberações sociais - absolutamente todas - devem ser aprovadas por representantes de, no mínimo, 3/4 do capital social, o que, de fato, deixa absolutamente todas as deliberações sociais a critério exclusivo de Umberto Rodrigues de Paula. O que fez o Sr. Umberto Rodrigues de Paula, titular do empreendimento econômico, portanto, foi travestir fraudulentamente os diversos trabalhadores a serviço da empresa de "sócios", mantendo-os, contudo, absolutamente afastados da administração e/ou gestão da empresa, e mesmo das mais comezinhas deliberações quotidianas. Trata-se de fraude grosseira, com a qual não pode a Justiça do Trabalho pactuar. Ademais, por fim, ressalvo que não há nenhum impedimento para que se forme o vínculo de emprego entre a sociedade e o integrante do quadro societário desta, desde que permaneça a subordinação jurídica inerente à relação de emprego diante da inexistência de poderes de administração e/ou gestão do empreendimento pelo sócio em questão. Destaco que, no caso, competia à primeira reclamada demonstrar concretamente a existência de óbice ao reconhecimento da relação empregatícia, porque, na aplicação das normas de direito do trabalho, toda prestação de trabalho concerne, em tese, a uma relação de emprego, salvo prova em contrário, cujo ônus é sempre atribuído ao tomador dos serviços: em síntese, tem-se como existente a relação de emprego, como presunção relativa, a partir da simples demonstração concreta da existência da relação de trabalho. A relação de emprego corresponde à categoria fundamental sobre a qual se constrói o direito do trabalho brasileiro, de forma que a própria noção de "trabalho", no ordenamento jurídico brasileiro, está inequivocamente relacionada à noção de "emprego". A ordem constitucional econô-mica, fundada na valorização do trabalho humano, tem por princípio a busca do pleno emprego, nos termos da Constituição Brasileira de 1988 (art. 170, caput e VIII). No presente caso, a reclamada não produziu provas tendentes à configuração de uma relação diferenciada, evidenciando-se, portanto, o vínculo empregatício. Nesse contexto, a primeira reclamada deverá retificar...

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