Vínculo Empregatício - Autonomia - Subordinação Estrutural - Teletrabalho

AutorJuiz Sérgio Cabral dos Reis
Ocupação do Autor13ª Região - PB
Páginas121-127

Page 121

SENTENÇA

Vistos, examinados etc.

Damiana Rodrigues da Silva ajuizou demanda trabalhista em face da empresa AVON Cosméticos Ltda., alegando, em síntese, que os seus direitos trabalhistas não foram observados. Juntou documentos.

Em sua defesa, de relevante, a reclamada sustenta que:

(I) há incidência da prescrição parcial neste processo;

(II) a reclamante jamais foi sua empregada, mas sim cliente, conforme ficha cadastral, de modo que se trata apenas de uma relação comercial; (III) a reclamante nunca recebeu remuneração diretamente da reclamada, mas sim dos clientes pelos produtos vendidos; (IV) nunca exerceu qualquer tipo de ingerência na atividade desempenhada pela reclamante, a exemplo de metas ou prestação de contas; (V) a reclamante jamais coordenou equipe de vendas, pois as revendedoras atuam com total autonomia; (VI) a reclamante arcava com os riscos do seu negócio, inclusive tinha total autonomia para conduzi-lo, escolhendo zona de atuação e clientes novos; (VII) não se exigia da reclamante dedicação exclusiva; (VIII) não havia pessoalidade na prestação dos serviços, pois a reclamante podia valer-se de terceiros na realização das vendas; (IX) o lucro da reclamante era obtido nas vendas que realizava; (X) há incidência da prescrição quinquenal neste processo; (XI) não é cabível a multa do art. 477 da CLT, pois, como nunca existiu relação de emprego com a reclamante, não se pode falar

Page 122

em pagamento tempestivo de verbas rescisórias; (XII) a reclamante não possuía controle de jornada, razão pela qual, se eventualmente for reconhecido o vínculo de emprego, deve incidir a regra prevista no art. 62, I, da CLT. Pugna, enfim, pela improcedência da demanda. Também juntou documentos.

As partes e duas testemunhas foram ouvidas.

Como não houve mais produção de provas, restou encerrada a fase (preponderante) de instrução.

As razões finais foram remissivas pela reclamante, enquanto que as da reclamada foram deduzidas oralmente.

Restaram infrutíferas as tentativas de conciliação.

É o RELATO do essencial.

Passa-se aos FUNDAMENTOS, que serão sucintos, e, logo em seguida, à conclusão da sentença.

Defere-se, inicialmente, o pedido de assistência judiciária gratuita, pois, na forma do art. 790, § 3º, da CLT, a alegação da reclamante de impossibilidade com os ônus financeiros deste processo, ainda que por intermédio do seu advogado (OJ n. 304 da SDI-1 do TST), inclusive sem a necessidade de poderes específicos (OJ n. 331 da SDI-1 do TST), não restou infirmada pela parte contrária, que detinha o ônus da prova. Prestigia-se, assim, o acesso à justiça.

Há, de fato, prescrição parcial neste processo. Sendo assim, considerando que a petição inicial foi protocolada em 13.6.2011, declara-se, para todos os efeitos, com fundamento no art. 7º, XXIX, da CF, a perda da eficácia do direito de exigir judicialmente as parcelas prescritíveis, exigíveis e eventualmente devidas no período anterior a 13.6.2006. Aplica-se, no caso, o disposto na Súmula n. 308, I, do TST.

Quanto ao FGTS, impõe-se observar o disposto na Súmula n. 362 do TST. A prescrição dos direitos relativos ao FGTS possui regime jurídico diferenciado. Não deve haver incidência da mesma sobre as parcelas devidas, e quitadas ao longo do curso do contrato de emprego. Contrariamente, deve incidir sobre as parcelas devidas, e não pagas no mesmo período. Justifica-se esse posicionamento em virtude de a prescrição do instituto acessório, que são os recolhimentos fundiários, seguir a sorte do instituto principal, que são as parcelas de natureza salarial em sentido amplo. Assim, se os depósitos são devidos em razão de parcelas remuneratórias quitadas durante a vigência do contrato de trabalho, o prazo prescricional é de trinta anos, a teor do disposto no art. 23, § 5º, da Lei n. 8.036/90. Contudo, se as contribuições devidas referem-se a diferenças nos recolhimentos para o FGTS que deveriam incidir sobre créditos não quitados durante a relação de emprego, dado a natureza acessória dessas contribuições, a incidência da prescrição deve ser quinquenal, nos termos do art. 7º, XXIX, da CF. Afinal, se o trabalhador perdeu o direito de exigir o pagamento de determinadas verbas salariais em decorrência da expiração do prazo legal fixado para tanto, por uma questão lógica, não poderá pleitear os valores relativos ao FGTS que incidiria sobre as referidas parcelas.

Quanto à eventual incidência prescricional no que tange aos direitos relativos aos 13º salários, urge observar que, à luz das regras jurídicas aplicáveis (art. 1º da Lei n. 4.090/62 e art. 1º da Lei n. 4.749/65), este instituto somente é exigível no mês de dezembro de cada ano. Assim, não havendo incidência prescricional neste mês, há de se considerar que os direitos relativos à gratificação natalina do ano respectivo restaram intactos, de modo que são devidos em sua integralidade (12/12). é equivocada, com todo respeito, a interpretação no sentido de confundir a contagem do número de meses e a prescrição reconhecida no título executivo. Observe-se, pois, que o que define o início do prazo prescricional é a exigibilidade da verba. Com efeito, se o mês em que o empregado poderia questionar o cumprimento da obrigação trabalhista em epígrafe restou incólume à prescrição, os valores eventualmente devidos a título de gratificação natalina no ano pertinente devem ser pagos em sua totalidade.

No que se refere à prescrição dos eventuais direitos relacionados às férias, deve-se observar, no caso de as mesmas não serem desfrutadas e quitadas, o disposto no art. 149 da CLT, ou seja, a incidência prescricional começa quando houve a violação concreta ao direito de gozo das férias: a partir da data em que escoou o prazo concessivo das mesmas.

Assim, considerando as especificidades dos institutos trabalhistas delineadas acima, resolve-se o processo com apreciação de mérito (art. 7º, XXIX, da CF; o art. 269, IV, do CPC; art. 769 da CLT) no tocante à parte da postulação atingida pela prescrição.

Com todo respeito ao entendimento em sentido oposto, esta Vara do Trabalho, de forma inequívoca, ficou convencida que houve uma relação de emprego entre as partes.

Observe-se que havia ingerência direta da reclamada nas atividades da reclamante, pois, na condição de executiva de vendas, para não ser descadastrada do programa, comparecia às reuniões e deveria ter uma média de revendedoras sob sua orientação. Havia, como se percebe, uma pressão por resultados, o que, conforme se verá adiante, tipifica o novo modelo de subordinação, especialmente pelo fato de a atividade da reclamante estar inserida na dinâmica estrutural da reclamada.

Da análise da prova oral, esta Vara do Trabalho concluiu que a dinâmica da prestação dos serviços ocorria

Page 123

da seguinte forma: (I) a executiva de vendas realmente não recebia ordens da gerente, mas sim as metas a serem cumpridas (angariar novas revendedoras, estimativas da campanha em vigor etc.), de forma que se sentia pressionada. Na prática, a gerente apenas repassava a informação de que, se não fosse atingido o resultado, a executiva de vendas receberia menos; (II) não havia uma obrigatoriedade formal de comparecimento às reuniões, inclusive sem qualquer punição às executivas, mas, na prática, a reclamante comparecia à maioria das reuniões (as eventuais faltas tinham os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT