Vínculo Empregatício - Acúmulo de Funções - Telecomunicações - Terceirização

AutorJuiz José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva
Ocupação do Autor15ª Região - SP
Páginas73-80

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Processo n.: 1079-80.2010.5.15.0079-RT

Autor: Neovani Benedito Ribas

Rés: Tel Telecomunicações Ltda. e Telecomunicações de São Paulo S.A. - Telesp

Submetido o processo a julgamento, foi prolatada a seguinte

SENTENÇA

I - RELATÓRIO

Neovani Benedito Ribas, qualificado à fl. 3, ajuíza ação trabalhista em face de TEL Telecomunicações Ltda. e Telecomunicações de São Paulo S.A. - Telesp, alegando, em síntese, que, admitido pela primeira ré, em 1.6.2000, prestou serviços exclusivamente à segunda ré, sendo imotivadamente dispensado em 7.6.2010; assinalou o recebimento de salário "por fora"; laborou em sobrejornada e não recebeu as horas extras correspondentes; não foi observado o intervalo semanal interjornadas; acumulava as funções de instalador, reparador, vendedor e, quando passou a prestar serviços em Boa Esperança do Sul, a de ligador; por estas e pelas demais razões de fato e de direito expostas na petição inicial de fls. 3/18, pleiteia, diante da caracterização de terceirização ilícita, a declaração do vínculo empregatício diretamente com a segunda ré, bem como o pagamento das verbas elencadas às fls. 14/16, e, de forma subsidiária, o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da segunda ré; requer honorários de advogado, os benefícios da justiça gratuita e dá valor à causa (R$ 30.000,00). Junta instrumento de procuração, declaração de pobreza e documentos.

Termo de audiência una às fls. 130/133, na qual foi rejeitada pelas partes a primeira proposta conciliatória.

As rés apresentam defesas distintas, arguindo, preliminarmente, inépcia da petição inicial e ilegitimidade passiva; no mérito, suscitam a prescrição quinquenal e, no mais, aduzem que são indevidas as verbas postuladas, pelas razões que expõem; impugnam o pleito de verba honorária, assistência judiciária gratuita, bem como os documentos trazidos com a exordial e pugnam pela improcedência dos pedidos. Juntam instrumento de procuração, carta de preposição e documentos.

Após a colheita do depoimento pessoal do autor, foram ouvidas duas testemunhas, uma de cada parte.

Instrução processual encerrada.

Razões finais pelo autor às fls. 372/398 e pela primeira ré às fls. 404/412, deixando a segunda ré transcorrer in albis o prazo a ela concedido, conforme certidão de fl. 424.

Proposta conciliatória rejeitada.

II - FUNDAMENTAÇÃO

PRELIMINARES

INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL

A segunda ré procura taxar de inepta a petição inicial, quando da contestação aos pedidos nela formulados.

De se ponderar que no processo do trabalho não é aplicável o art. 282 do CPC, vez que a CLT tem norma própria, inserida no § 1º do art. 840. Este dispositivo legal exige apenas "uma breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio". Estão preenchidos os requisitos da petição inicial trabalhista com relação aos demais pleitos postos naquela, mesmo porque a segunda ré pôde oferecer defesa em relação a estes.

ILEGITIMIDADE PASSIVA

Pretendem as rés ver declarada a ilegitimatio ad causam da segunda delas porque inexiste relação empregatícia entre esta última e o autor.

A legitimidade de parte é uma das condições da ação, cuja falta acarreta a extinção do processo sem apreciação de seu mérito.

Traduz-se na titularidade ativa e passiva da causa, ou seja, é a pertinência subjetiva da ação. Tem legitimidade ativa o titular da pretensão deduzida em juízo (res in iudicio deducta). A legitimidade passiva recai na pessoa em face da qual formula o autor sua pretensão.

No entanto, de se notar que na processualística moderna o direito de ação é autônomo e abstrato, isto é, desvinculado do direito material deduzido. Assim, ainda que se reconheça ao depois que o postulante não tem o direito invocado, não é o caso de se considerá-lo carecedor da ação.

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Neste caso concreto o autor pleiteia o reconhecimento do vínculo empregatício diretamente com a segunda ré com a sua condenação ao pagamento das verbas que elenca ou a sua condenação ao referido pagamento com responsabilidade subsidiária. Mesmo que, no mérito, verifique-se a improcedência de seu pedido, de se concluir que ele é o titular da pretensão trazida a juízo, deduzida em face de todas as rés.

Rejeito, pelo exposto, a preliminar de ilegitimidade de parte.

MÉRITO

PRESCRIÇÃO

Arguida pelas rés a matéria prescricional, embora esta seja de mérito, deve ser analisada e decidida antes de adentrá-lo propriamente.

Tendo a presente ação sido ajuizada em 6-12-2010 (fl. 2), declaro prescritos os direitos cuja ciência da lesão se deu anteriormente a 6-12-2005, nos termos do art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal.

RELAÇÃO DE EMPREGO E RESPONSABILIDADE DAS RÉS

Na exordial alega o autor que foi admitido pela primeira ré para prestar serviços de instalador e reparador das linhas telefônicas comercializadas pela segunda ré, sendo esta a tomadora de seus serviços. Postula, diante da caracterização de terceirização ilícita, tendo em vista tratar-se de serviços ligados à atividade-fim desenvolvida pela segunda ré, o reconhecimento judicial do vínculo empregatício diretamente com esta ou, caso este não seja reconhecido, a declaração da sua responsabilidade subsidiária.

As rés, em sua defesa, sustentam a existência de vínculo empregatício apenas entre o autor e a primeira ré, sendo que, entre elas, houve a celebração de um contrato de prestação de serviços, revelando-se plenamente lícita a terceirização levada a efeito, haja vista o permissivo legal disposto no art. 94, II, da Lei n. 9.472/97.

Pois bem, restou incontroverso nos autos que a atividade laboral desempenhada pelo autor consistia na prestação de serviços de instalação e manutenção da rede externa nas áreas de telecomunicações.

Digno de destaque, portanto, que a atividade desenvolvida pelo autor em benefício direto da segunda ré, através da intermediação da primeira, estava diretamente relacionada à atividade econômica finalística daquela, conforme se infere da análise do objeto daquela (fls. 351/352), não havendo falar em licitude na terceirização levada a efeito.

Ora, há muito se fala que a terceirização não pode ser permitida na atividade principal da empresa, mas apenas na sua atividade secundária. Fraudes de toda natureza, mas principalmente quanto aos direitos trabalhistas, fizeram com que a jurisprudência passasse a repudiar a terceirização na chamada atividade-fim das empresas, permitindo-a tão somente na atividade-meio, pelo que se depreende do exame da Súmula n. 331 do TST, editada há mais de 10 anos. Exemplos de atividades em que se permite a terceirização são de todos conhecidos, como nos serviços de limpeza, alimentação, transporte de funcionários, vigilância.

No entanto, os serviços prestados pelo autor integram a atividade principal da segunda ré, useira e vezeira em se utilizar de empresas interpostas para a contratação de serviços inerentes à sua atividade-fim, como se constata nestes autos.

Houve, pois, no caso evidente intermediação ilícita de mão de obra pela primeira ré.

Ora, de há muito se propaga que a República Federativa do Brasil tem como fundamentos, dentre outros, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, nos moldes dos incisos III e IV do art. 1º da CF/88. Outrossim, constituem objetivos fundamentais dessa República a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III do art. 3º), sendo que a redução dessas desigualdades não se faz pelo desenvolvimento de empresas que se prestem a intermediar mão de obra de forma ilícita, como quer a primeira ré, mas sim pela profusão de autênticas empresas, que tenham capital bastante à realização de um objeto social determinado, que prestem serviços a diversos tomadores e não fiquem presos a uma única fonte, como é o caso dos autos, já que não há nenhuma prova documental de que a empresa Tel Telecomunicações Ltda. tenha prestado serviços a outros tomadores.

E não há falar em livre iniciativa ou em liberdade de empresa se não se respeitar o trabalho humano, o seu valor intrínseco, o pleno emprego, os ditames da justiça social, enfim, a dignidade humana dos trabalhadores, nos termos do art. 170 da Constituição da República.

Por dignidade da pessoa humana não se deve entender apenas a satisfação dos valores inerentes à liberdade, sendo imprescindível que, igualmente, sejam efetivamente respeitados os direitos sociais fundamentais dos trabalhadores. De modo que o princípio da dignidade da pessoa humana, ápice da construção jusfilosófica na evolução cultural da humanidade, em uma síntese muito apertada, significa que a pessoa humana é dotada de direitos essenciais sem cuja realização não terá forças suficientes para a conformação de sua personalidade e seu pleno desenvolvimento enquanto pessoa. Vale dizer, não será respeitada enquanto pessoa, enquanto tal. Esses direitos consubstanciam o que se tem convencionado chamar de mínimo existencial. Não é tarefa fácil a de

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identificar o núcleo essencial da dignidade humana, que é também direito (ou regra), além de princípio-guia do...

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