Vínculo Empregatício - Médico - Pejotização - Professor

AutorJuiz Almiro Eduardo de Almeida
Ocupação do Autor4ª Região - RS
Páginas9-16

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VISTOS, ETC.

David Henry wilson ajuíza ação trabalhista contra Comunidade Evangélica Luterana São Paulo - Universidade Luterana do Brasil Ulbra em 21.5.2010. Após exposição fática e fundamentação jurídica, postula o pagamento das parcelas arroladas às fls. 16/18. Atribui à causa o valor de R$ 40.000,00.

Recusada a conciliação, a reclamada apresenta defesa escrita (fls. 35/62), impugnando os pedidos e sustentando a improcedência da ação.

São produzidas provas documental e pericial técnica. Colhem-se os depoimentos pessoais das partes. Encerradas instrução e audiência, é determinado pelo Juiz que os autos venham conclusos para publicação de sentença.

É o relatório.

ISTO POSTO:

I - PRELIMINARES:

DA CARÊNCIA DA AÇÃO

A reclamada argúi a prefacial em epígrafe alegando inexistir vínculo de emprego entre as partes.

O exame da natureza da relação jurídica de direito material havida entre as partes implica análise do mérito da causa, não podendo ser resolvido como preliminar.

Além disso, encontram-se presentes todas as condições da ação, a saber, possibilidade jurídica do pedido, legitimidade das partes e interesse processual, não havendo falar, assim, em juízo de carência da ação.

Rejeito, pois, a prefacial.

DA INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA Considerando que o reclamante postula o reconhecimento do vínculo de emprego na função de médico, esta Justiça especializada é competente para processar e julgar o litígio.

Rejeito a prefacial.

II - MÉRITO:

DO VÍNCULO DE EMPREGO

O reclamante postula a declaração de vínculo de emprego no período de 1.9.1995 a 30.4.2009.

Alega ter sido contratado para trabalhar na reclamada em 1.9.1995, nos cargos de professor e médico anestesista. Aduz que, em 2.4.2000 a reclamada lhe obrigou a montar uma empresa denominada SAA - Serviço de Analgesia e Anestesia Ltda., para poder continuar exercendo a função de médico. Informa que o contrato de professor foi rescindido em 31.3.2005 e o de médico durou até 30.4.2009, quando o autor o deu por rescindido, nos termos do art. 483, d, da CLT.

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A reclamada contesta alegando que manteve com o reclamante um único vínculo de emprego, de 1.3.1997 a 31.3.2005, na condição de professor. Quanto à função de médico, nega o vínculo empregatício, sustentando ter contratado a empresa SAA - Serviço de Analgesia e Anestesia Ltda., da qual o reclamante figura como sócio, para lhe prestar os serviços de médico na especialidade de anestesiologia.

Registra-se, primeiramente, restar incontroversa a existência de vínculo de emprego entre as partes, na função de professor. Quanto ao período, em face da documentação juntada aos autos, há de se acolher a alegação da defesa, no sentido de que o vínculo como professor perdurou de 1.3.1997 a 31.3.2005.

Quanto à função de médico anestesista, para a qual a reclamada nega a existência de vínculo de emprego, há de observar-se que o contrato de trabalho é contrato reali-dade, de modo que a sua configuração está intimamente ligada às circunstancias de fato, pouco importando a vontade das partes no sentido de formar relação jurídica diversa. Estando presentes os requisitos necessários para tanto, há de se reconhecer como empregatícia a relação existente entre as partes.

No caso dos autos, todos os requisitos se fazem presentes:

A pessoalidade verifica-se presente porque o trabalho era realizado pelo próprio reclamante.

Irrelevante, no caso, a circunstância de, após cinco anos de serviços, o reclamante ter constituído pessoa jurídica, com o nítido propósito de mascarar o elemento ora analisado.

O fenômeno conhecido na doutrina e na jurisprudência como "pejotização" do trabalhador visa mascarar a relação empregatícia, mediante fraude à legislação trabalhista, transformando o ser humano em uma pessoa jurídica (individual ou coletiva), na tentativa de afastar o reconhecimento do vínculo de emprego pela ausência dos requisitos da pessoalidade e da subordinação, atraindo a incidência da regra contida no art. 9º da CLT.

A propósito, visando afastar a fraude aqui identificada foi, inclusive, aprovada a seguinte tese no XVI CONAMAT (Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), ocorrido em João Pessoa-PB, de 1º a 4 de maio de 2012:

Empresa individual. Vínculo de emprego. Prevalência da primazia da realidade. O fenômeno da ‘pejotização’ em suas diferentes formas é uma espécie de precarização do trabalho. Haverá vínculo de emprego entre o trabalhador, que constituiu empresa individual de responsabilidade limitada nos termos da Lei n. 12.441/2011 e o tomador de seus serviços quando estiver configurada a subordinação jurídica. Aplica-se, no particular, o princípio da primazia da realidade em detrimento da formalidade da criação da pessoa jurídica.

Importa referir, ainda, que o caráter intuito personae não significa dizer que o trabalhador não possa ser auxiliado por outros trabalhadores no desempenho de suas atribuições. Em sentido distinto, essa característica da relação denota que, não apenas o trabalhador auxiliado, mas também os seus auxiliares, serão sujeitos (empregados) das relações de emprego mantidas com o tomador de suas atividades (empregador). Ou seja, o caráter personalíssimo da relação de emprego faz com que tais sujeitos-trabalhadores se vinculem ao tomador através de distintas relações empregatícias.

Nesse sentido, adverte expressamente Ribeiro de Vilhena:

Outra consequência, e palmar, aflora aqui: não há empregado de empregado. O empregado deste é empregado de quem seja o primeiro e originário empregador. Fazendo-se a síntese, completa-se o teorema: o empregado do empregado é ipso facto empregado do empregador.

Na mesma linha de raciocínio, o trabalhador que é substituído não perde, por essa circunstância, a sua condição de empregado. O que ocorre nesse caso é um fenômeno distinto e paralelo: o seu substituto - justamente pelo fato de que, quando substitui um empregado, tem a sua atividade laboral inserida na atividade econômica da empresa, integrando-a e passando a ser por ela "empregado" a partir daquele momento - passa a figurar também ele na condição de empregado. Desse modo, longe de descaracterizar o vínculo de emprego, o fenômeno da substituição de trabalhadores na dinâmica da empresa faz com que se formem novos vínculos dessa mesma natureza.

Sob qualquer ângulo que se veja, resta preservada, portanto, a pessoalidade no serviço prestado pelo reclamante.

Merece destaque, ainda, o fato de que a reclamada, em que pese seja uma entidade que, dentre o seu complexo, conte com um hospital, não reconheça como empregado nenhum médico, tomando a mão de obra de todos os médicos, em todas as especialidades, mediante contrato de prestação de serviços com empresas constituídas para esse fim.

Resta evidente, assim, a fraude à legislação trabalhista, impondo-se a incidência do art. 9º da CLT.

A onerosidade resta incontroversa nos autos, uma vez que a própria reclamada admite que o trabalho era

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prestado mediante remuneração, pouco importando, para a caracterização do vínculo de emprego, a forma com que a remuneração era paga e, inclusive, a eventual existência de notas fiscais que, assim como a constituição da pessoa jurídica, visavam tão somente mascarar o real vínculo de emprego existente.

A não eventualidade encontra-se, da mesma forma, presente, uma vez que o serviço prestado pelo reclamante por mais de dez anos, na função de médico anestesista, era essencial à atividade-fim da reclamada, entidade que mantém em seu complexo, um hospital.

Salienta-se, nesse ponto, por oportuno, que o requisito da não-eventualidade, previsto no art. 3º da CLT, diz respeito à natureza dos serviços prestados, e não à própria prestação, sendo irrelevante, pois, o número de vezes que o empregado trabalha durante a semana. Não se trata, aqui, de serviços de natureza contínua, próprio da relação de emprego doméstica, mas sim serviços de natureza não-eventual. A par disso, depreende-se dos autos que o reclamante prestava serviços à reclamada quase todos os dias da semana.

Por fim, a subordinação também resta evidenciada, não só no seu aspecto objetivo, consistente na participação integrativa da atividade do trabalhador na atividade do tomador do trabalho, conforme lição de Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena; mas também sob o aspecto subjetivo, eis que prestando serviços de médico anestesista para a reclamada, o reclamante estava sujeito à organização do trabalho imposta pela rotina da ré.

Destarte, estando presentes os requisitos necessários para a configuração do vínculo de emprego, considero...

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