A valoração de princípios na ordem tributária

AutorEdvaldo Brito
Ocupação do AutorEmérito UFBA e Mackenzie e livre docente USP
Páginas255-290
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A VALORAÇÃO DE PRINCÍPIOS NA ORDEM
TRIBUTÁRIA
Edvaldo Brito1
Introdução
O tema, aqui, sob exame — a valoração de princípios na
ordem tributária — sugere transformá-lo nesta devida home-
nagem que faço, agora, ao meu pranteado amigo RUY BAR-
BOSA NOGUEIRA, inexcedível tributarista, em face de sua
tentativa de construir uma Filosofia do Direito Tributário, ins-
pirado na tridimensionalidade de MIGUEL REALE, na “Justi-
ça Tributária na Teoria e na Prática” de KLAUS TIPKE e na
Tributaristas Filósofos” de H. M. GROVES, tudo isto como
contribuição filosófica para a humanização da tributação2.
A razão está em que estudando a matéria sob o prisma da
temática deste XIV Congresso Nacional de Estudos Tributá-
rios do IBET, qual seja a “Racionalização do Sistema Tributá-
rio”, há de fugir-se ao tratamento que a tributação vem tendo
pelos leguleios, que tomaram conta do processo legislativo e
da atividade de lançamento, já ameaçando infestar as decisões
1. Emérito UFBA e Mackenzie e livre docente USP.
2. - cf. Miguel Reale e o direito tributário (Dogmática, ciência e filosofia do direito
tributário). São Paulo: Editora Resenha Tributária Ltda. 1991 p.22.
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IBET - INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS
judiciais, cada vez mais afastando-se dessa humanização da
tributação para, fugindo da formulação de uma Constituição
plasmada para um Estado dualista do desenvolvimento econô-
mico destinado a propiciar o bem-estar social, assumirem, sem
cerimônia, uma posição fiscalista.
Falar de valoração de princípios na ordem tributária, ins-
pirado no magistério de RUY BARBOSA NOGUEIRA ou no
do constitucionalista do direito tributário GERALDO ATA-
LIBA — fundador de uma escola, nesta linha, na PUC/SÃO
PAULO — é dizer, em termos de KELSEN3, que há uma fei-
ção dinâmica do direito positivo, também do direito tributário
positivo, a qual se manifesta pelo fenômeno da decisão; mas,
é, também, cuidar do tema no campo da axiologia, porque va-
lorar princípios é afirmar que esse objeto é um valor em si.
Faz-se, assim, uma análise filosófica e não de ciência jurídica
stricto sensu”.
A decisão, por sua vez, é a forma de dizer o direito (juris
dictio) no caso concreto, mediante a utilização da norma (ato
de execução), emitida pela fonte que está legitimada para isto
(ato de criação).
Este mecanismo decisório constitui um sistema submeti-
do ao próprio direito positivo de um determinado Estado ca-
pitaneado por uma Constituição, o que recomenda, sempre, a
análise de cada qual desses sistemas4, porque esse mecanismo
há de variar, por isso, em cada ordenamento jurídico dos siste-
mas conhecidos no mundo.
Lembre-se de, pelo menos, dois desses sistemas, o civil
law, a que se chama de continental europeu e o common law,
3. - cf. Hans Kelsen. Teoria pura do direito, 3ª ed. Trad. Dr. João Baptista Machado.
Coimbra. Arménio Amado – Editor, Sucessor, 1974, pp.163 a 376 e 463 e segs.
4. - cf. Mario G. Losano. Os grandes sistemas jurídicos. Trad. Ana Falcão Bastos e
Luís Leitão. Lisboa: Presença, 1979, p.224. Esse autor lista o que ele chama de oito
sistemas jurídicos puros: anglo-americano, chinês, germânico, indiano, japonês,
muçulmano, românico, eslavo, eslavo-soviético, consuetudinário tribal. Destaca,
ente eles, como sendo de relevância mundial: anglo-americano, românico, chinês e
islâmico.
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RACIONALIZAÇÃO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO
ou seja, o do casuísmo fundamental5; em cada qual deles a nor-
ma, tanto no plano da dinâmica, quanto no da estática jurídi-
cas, tem tratamento diversificado.
Outro aspecto a considerar refere-se à estrutura do pró-
prio sistema, porque há aqueles que não destacam, entre as
normas, qual aquela que tem conteúdo de validade diversifi-
cado de outra ou há aqueles que distinguem entre a norma e
o princípio.
Cabe, ainda, pontuar que a valoração de princípios deve
ser a pedra de toque da elaboração jurídica, tanto pela via do
processo de fazimento da norma pela fonte legitimada, quanto
pela via de produção da norma individual, isto é, aquela emi-
tida por quem diz o direito no caso concreto, assim, evitando
tantas variantes decorrentes do fato de que cada cabeça é um
mundo; ou mesmo por causa da pletora de textos normativos:
leis, decretos e demais atos administrativos, decisões judiciais
e atos jurídicos negociais (o contrato, por exemplo). Isto por-
que há princípios em todo o tecido jurídico, seja o da relação
jurídica regida pelo chamado direito público, seja pelo deno-
minado direito privado.
O sistema jurídico brasileiro é do tipo continental europeu,
cabendo verificar como se cuida dessa questão da valoração
de princípios na ordem tributária, a partir das questões aflora-
das nas linhas supra.
5. - cf. Roscoe Pound. The spirit of the “commom law”. Boston: Beacon Press, 1963,
p.4: “[...] o movimento mais significativo daqueles que atualmente se desenvolvem
nos países que receberam o Direito romano está representado por uma mudança
de frente, desde a ideia bizantina de um sistema cerrado de normas promulgadas
pela autoridade soberana que os juízes deviam simplesmente aplicar, de uma ma-
neira mecânica, até a ideia peculiar do common law que concebe a criação do Direi-
to através da resolução judicial dos casos. Por tudo isto é preciso admitir que o nos-
so sistema anglo-americano é um Direito mundial em medida inferior à de seu
rival”. José de Oliveira Ascensão. As fontes do direito no sistema jurídico anglo-ame-
ricano. Lisboa: Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal nºs. 175-176. Centro de Estu-
dos Fiscais da Direção-Geral das Contribuições e Impostos. Ministério das Finan-
ças. 1974. Henri Lévy-Ullmann. Le système juridique de l’Angleterre. Paris:
Editions Panthéon-Assas. 1999.

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