Value, alienation and class struggles: the need for ontological criticism/Valor, estranhamento e lutas de classes: a necessidade da critica ontologica.

Autorde Rezende, Thiago Dutra Hollanda
CargoTexto en portugues

Introducao

O assim chamado mundo capitalista globalizado nao cumpriu sua promessa. Ao inves de o capitalismo resolver as iniquidades e mazelas globais por meio da sua expansao, livre de promessas de projetos societarios alternativos, assistimos a (re)producao de um mundo em que fica cada vez mais dificil varrer para debaixo do tapete a miserabilidade, a barbarie, a violencia etc. O Papa Francisco lancou uma enciclica abordando a desigualdade global. Na Laudato Si', o pontifice enfoca a degradacao ambiental, tendo em vista "[...] proteger a nossa casa comum [...]" (IGREJA CATOLICA, 2015 p. 12) das "[...] consequencias danosas dos estilos de vida, producao e consumo [...]" (IGREJA CATOLICA, 2015, p. 127). Francisco enfoca as questoes da desigualdade e da pobreza como urgentes, considera os mais pobres como os mais afetados pela deterioracao ambiental e propoe aos paises ricos que limitem o consumo de energias nao renovaveis, exigindo padroes globais de regulacao da poluicao, alem de pedir por mais solidariedade. Sugere aos paises pobres que "[...] as prioridades devem ser a erradicacao da miseria e o desenvolvimento social dos seus habitantes" (IGREJA CATOLICA, 2015, p. 172-173).

Apesar de sua atuacao predatoria e das prescricoes dadas tradicionalmente (HARVEY, 2003; BORON, 2009), o FMI (2015) publicou um estudo no qual sugere a necessidade de uma reversao nas taxas regressivas de impostos e, com base em ampla evidencia empirica, rejeita a teoria do "trickle-down". Alem disso, conclui que melhor acesso a educacao, melhores politicas de saude e politicas sociais redistributivas ajudam a aumentar a renda dos mais pobres e da classe media, independente do nivel de desenvolvimento economico do pais. Constata, por fim, que, a partir de certo nivel, a desigualdade se torna barreira ao crescimento economico.

Este estudo, por referencias diretas e metodologia, e influenciado pelo frances Thomas Piketty (2014). O autor observa o crescimento da desigualdade no mundo a partir dos anos 1970 e destaca o papel das instituicoes sociais na manutencao da desigualdade em niveis adequados ao bom funcionamento da democracia e a promocao da justica social. Paul Krugman (2014) atesta o diagnostico de Piketty, definindo-o como magistral, e diz que nunca mais falaremos sobre riqueza e desigualdade como antes. Ha alguns anos ele tambem tem criticado a maneira como a Uniao Europeia e os Estados Unidos vem manejando a crise, e tem defendido uma alternativa neokeynesiana as receitas de austeridade (KRUGMAN, 2012).

Por outro lado, Chesnais (2009) considera que o regime de acumulacao do capital mundializado e inviavel por conta da desigualdade e da injustica ele que gera. Alem disso, tambem pelo fato de que os mecanismos financeiros que puderam permitir ao capital ignorar as condicoes de producao e realizacao do valor estao se exaurindo. Harvey (2003) afirma que o brilho do metodo dialetico de Marx esta em demonstrar que a liberalizacao do mercado produzira niveis cada vez maiores de desigualdade social. Ja Pereira (2013, p. 273) defende que as lutas proletarias "[...] devem inscrever-se no bojo de uma luta maior, continua, pela busca do bem-estar total, o unico humanamente emancipador". A "protecao social possivel" deve "[...] contribuir para a conscientizacao da classe oprimida beneficiaria, emancipando-a gradualmente" (PEREIRA, 2013, p. 274).

Com diferentes justificativas, ha a retomada da defesa do papel do Estado enquanto regulador e indutor do desenvolvimento e/ou protetor social no debate publico e teorico. Assim, temos basicamente duas criticas as mazelas sociais e as desigualdades originadas no capitalismo: uma que busca sua harmonizacao (papa, democratas, Piketty, neokeynesianos etc.), e outra que busca a sua superacao (marxistas). O que ha em comum e a enfase na desigualdade, na distribuicao da riqueza social como fator de desarmonia ou de barbarie. Entretanto, Duayer e Medeiros (2008, p. 157) argumentam que, dessa maneira, temos uma critica marxista que:

[...] alimenta um debate com a ciencia economica burguesa (o pleonasmo usado aqui a titulo de enfase) justamente no campo que a favorece, vale dizer, em um terreno em que nao se discute a natureza historica da sociedade do capital, suas contradicoes, sua desumanidade, sua excentricidade em relacao aos sujeitos, mas simplesmente a reparticao da riqueza. Para os autores, ha a ausencia da enfase na critica ontologica da sociedade capitalista, do papel do estranhamento da producao em relacao aos sujeitos sociais, que sao os sujeitos cuja pratica e teoria podem possibilitar a transformacao e a superacao efetiva do modo de producao capitalista. Nesse sentido, tendo em vista a retomada, por diferentes prismas, da necessidade da intervencao do Estado na questao social e nas diferentes formas de mazelas sociais contemporaneas, mais uma vez se coloca a questao sobre qual deve ser a posicao dos trabalhadores diante das reformas sociais e de atuacao por meio do aparelho estatal.

As reformas sociais sao um caminho gradual para alem do capital? Ou o Estado e apenas forma de dominacao e nao deve fazer parte de uma estrategia emancipatoria? Ou, ainda, a acao dos trabalhadores deve comportar uma simultaneidade de acoes em todas as esferas abertas a sua atuacao? Tendo em vista essas questoes, no presente texto analisaremos, em primeiro lugar, os limites da critica que se prende as formas politicas capitalistas de resolucao das mazelas sociais, deixando em segundo plano a critica que parte da genese, do carater e da necessidade das relacoes sociais de producao concretas dadas em cada particularidade. Em seguida, apontaremos elementos que indicam a necessidade de se pensar uma critica a sociedade capitalista que enfatize o estranhamento das relacoes sociais, sendo essa, necessariamente, uma critica ontologica que vai a raiz das determinacoes das lutas de classes no capitalismo. A partir da analise de realidade que essa perspectiva propicia, e possivel partir de cada particularidade concreta na critica das formas politicas e na instrumentacao dessas pelos trabalhadores, numa tatica que comporte uma simultaneidade de acoes articuladas para a sua emancipacao.

Determinacoes das formas politicas, politicismo e indiferentismo politico

Ao discutir e explicar o Estado de Bem-Estar, Gough (1978) o define como ambiguo, pois, ao mesmo tempo em que e meio de repressao e reproducao capitalista, ele tambem mitiga a dureza da economia de mercado e forma um salario social que deve ser defendido pelos trabalhadores. Ou seja, o Estado de Bem-Estar promove o controle social sobre as forcas de mercado e melhora a vida dos individuos, inclusive suas capacidades individuais, mas tende a controla-los e adapta-los a economia capitalista. Propondo-se a refutar o enfoque marxista que exagera o carater reprodutor das relacoes capitalistas, o autor argumenta que, ao atender a demanda dos trabalhadores na forma de salarios mais altos ou ajudas sociais, o Estado de Bem-Estar engloba uma atitude racional que se opoe ao mercado. Assim, esse Estado contradiz os requisitos da acumulacao capitalista na forma de garantia de direitos e satisfacao de necessidades.

Para Navarro (1998), o pensamento neoliberal e sua institucionalizacao no desmonte dos estados de bem-estar trouxeram consequencias sociais deleterias, especialmente na ampliacao das desigualdades e do desemprego. Apos expor as falacias e os resultados da guinada neoliberal a partir da decada de 1970, o autor propoe a retomada do Estado de BemEstar Social como parte da solucao desses problemas, aumentando a demanda interna agregada pelo investimento social e reducao das desigualdades sociais. Um "[...] investimento consideravel em capital humano e infraestrutura fisica e investigacao e uma regulacao dos mercados financeiros, penalizando sua especulacao, junto a uma diminuicao das flutuacoes monetarias" (NAVARRO, 1998, p. 107).

Pereira (2013) defende que Marx buscava um bem-estar social total. Segundo a autora, ha uma "[...] afinidade conceitual das categorias autonomia, associada aos direitos sociais e a igualdade substantiva [...] com a concepcao de emancipacao humana, adotada por Marx" (PEREIRA, 2013, p. 76--grifos no original). Assim, e preciso que se busquem "[...] os direitos sociais, que devem ser concretizados por politicas publicas, tendo como premissa a justica social em associacao direta com a concepcao de igualdade substantiva" (PEREIRA, 2013, p. 58).

Estrategia semelhante foi definida por Coutinho (2000, p. 47) como "reformismo revolucionario", que se caracteriza por "[...] um reformismo que tem como objetivo explicito aprofundar a democracia e superar o capitalismo [...]". Para o autor, trata-se precisamente da radicalizacao da politica de reformas:

[...] o objetivo deveria ser a obtencao do consenso politico necessario para reformas de novo tipo, efetivamente estruturais, que tenha como objetivo a progressiva construcao de uma nova logica de acumulacao e de investimento, nao mais centrada na busca do lucro e na satisfacao do consumo puramente privado, mas no crescimento do bemestar social e dos consumos coletivos. Isso demanda modificacoes no estatuto da propriedade, [...] de fazer com que o setor publico com controle publico--se torne o setor hegemonico, o que implica conceber tambem a propriedade como direito social (COUTINHO, 2000, p. 46--grifos nossos).

Alem disso, Coutinho (2000, p. 47) defende que "[...] a luta pela democracia e a luta pelo socialismo sao duas faces solitarias da mesma moeda", ou, na "[...] feliz expressao de um dos ultimos documentos do Partido Comunista Italiano, 'a democracia nao e um caminho para o...

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