Veículos: Fundamentos Contratuais e Jurídicos

AutorValdemar P. Da Luz
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas129-164
TRÂNSITO e VEÍCULOS: Responsabilidade civil e criminal
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1 COMPRA E VENDA DE VEÍCULOS
1.1 Generalidades
Segundo consta do art. 481 do Código Civil, compra e venda é o contrato
pelo qual um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e
outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.
O contrato de compra e venda de bem móvel, como no caso de veículo
automotor, poderá ser escrito ou verbal, não exigindo a lei que seja formalizado
por instrumento público.
Caso seja verbal o contrato, sua comprovação poderá ser feita por todos
os meios de prova em direito admitidos (art. 221, parágrafo único, Código Civil)
os quais, segundo o art. 212, são: conssão; documento; testemunha; presunção;
perícia.
Cumpre observar, no entanto, que, face ao teor do parágrafo único do art.
227 do Código Civil, a prova exclusivamente testemunhal somente é admissível
nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo
vigente no País, ao tempo em que forem celebrados. De qualquer sorte, qualquer
que seja o valor do contrato, desde que superior a dez vezes o salário mínimo, a
prova testemunhal é admissível como subsidiária ou complementar da prova por
escrito (art. 227, parágrafo único).
Ressalve-se, contudo, que a regra do art. 401 não se aplica à alienação duciária,
uma vez que se exige que a prova do contrato se faça obrigatoriamente por escrito
Outro ponto a relevar é o de que o contrato puro e simples, seja ele verbal
ou escrito, não confere poderes de proprietário ao comprador que ainda não
obteve a entrega do veículo adquirido. Isto porque a transferência da propriedade
ou do domínio, em se tratando de bens móveis, somente ocorre com a tradição
(entrega ou transferência da coisa), segundo consta dos arts. 1.226 e 1.267 do
Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos
por atos intervivos, só se adquirem com a tradição.
Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da
tradição.
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Também a jurisprudência reitera a exigibilidade da tradição para a con-
cretização da compra e venda de veículo:
A venda de veículo se aperfeiçoa com a tradição e não através do certicado, docu-
mento meramente administrativo. Assim, o comprador, munido do recibo e de posse
de veículo, é parte legítima para propor ação de indenização”. 118
No entanto, subtende-se ocorrida a tradição pelo constituto possessório (art.
1.267, parágrafo único, do Código Civil), ou seja, quando o vendedor, após efetuar
a venda do veículo, continua na posse do mesmo com a autorização do comprador,
como, por exemplo, no caso de locação do veículo vendido ao vendedor.
Ainda nos reportando à tradição, cabe acrescentar que, caso não tenha havido
a entrega do veículo ao comprador, logo após o pagamento do preço e o veículo
vier a ser alienado a terceiro com a tradição, não poderá o primeiro comprador
reivindicar o veículo do terceiro adquirente. Poderá, tão somente, exigir perdas e
danos do vendedor.
A exceção que permite a transferência do domínio por contrato decorre do
contrato de alienação duciária (art. 66, Lei 4.728/65):
Art. 66 - A alienação duciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a
posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem,
tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direito e depositário com todas as
responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal.
Entretanto, feita a tradição por quem não seja o proprietário do veículo,
esta não transfere a propriedade, conforme adverte o art. 1.268 do Código Civil.
Dessa forma, sendo o veículo alienado produto de furto, o alienante é respon-
sável pela reparação dos prejuízos causados ao adquirente de boa-fé, garantindo-se
àquele o direito de regresso contra quem lhe transferiu o bem.119
1.2 Arras ou princípio de pagamento
Arras, também conhecidas por sinal ou princípio de pagamento, é a quantia
em dinheiro que um contratante entrega a outro para garantir o cumprimento de
uma obrigação ou de um contrato (Código Civil, art. 417).
118 TJ-MT-Ac. Unân. da 2ª Câm. Civ. Julg. Em 25.10.88 – Agr. 3.569 – Capital – Rel. Des. José Vidal –
ADCOAS, BJA nº 20/89.
119 Boletim de Jurisprudência IOB, 3/8136.
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Assim, a função das arras nada mais é do que conrmar a conclusão de um
contrato, ou seja, o de procurar evitar que ocorra o arrependimento de qualquer
das partes.
As arras tanto se aplicam a contratos de compra e venda e promessa de
compra e venda de imóveis, como a compra e venda de bens móveis, como no
seguinte exemplo:
A possui um automóvel para vender. Aparecem B, C e D que demonstram
interesse em adquirir o veículo. A resolve dar preferência a B, mas este demora
para vir concretizar o negócio. Diante da insistência de C e D, que também pre-
tendem efetivar a compra, A exige de B um determinado valor (sinal) para lhe
conceder a preferência e para conrmar a realização do negócio, mesmo que o
restante do pagamento venha a ser efetuado nos próximos dias.
Embora uma das funções das arras seja evitar o arrependimento das partes,
esta armação deve ser entendida em termos e não de forma taxativa. Assim, caso
haja concordância, poderão as partes estipular o direito de se arrepender (Código
Civil, art. 420). Caso isto ocorra, as consequências serão as seguintes:
1. Se B se arrepender e desistir do negócio, perderá as arras dadas em
proveito de A, que recebeu;
2. Se for A quem se arrepender, deverá restituir a B o dobro do valor recebido
(Código Civil, art. 420).
Entretanto, se o direito de arrependimento não constar do contrato e mesmo
assim uma das partes se arrepender, a consequência será:
1. Se B (quem deu arras) não executar o contrato, poderá A (quem recebeu)
-lo por desfeito e reter para si as arras recebidas (Código Civil, art. 418);
2. Se A (quem recebeu) não executar o contrato, poderá B (quem deu arras)
haver o contrato por desfeito e exigir a sua devolução em dobro, com
correção monetária, juros e honorários de advogado (Código Civil, art. 418).
Em última hipótese, poderá a parte que não deu causa à rescisão pedir inde-
nização suplementar, se provar ter sofrido maior prejuízo, valendo as arras como
taxa mínima. Poderá, igualmente, exigir a execução do contrato, com as perdas
e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização (Código Civil, art. 419).
Todavia, a restituição das arras ao que as adiantou, no mesmo valor em que
foi pago, poderá ocorrer em qualquer das seguintes hipóteses:
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