Venezuela: dificuldades e contradições para a atuação antissistêmica

AutorCharles Pennaforte
CargoDoutor, Diretor-geral do Centro de Estudos em Geopolítica e Relações Internacionais (CENEGRI)
Páginas125-136

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1 Introdução

O projeto chavista de inserção da Venezuela no sistema-mundo contemporâneo enfrenta inúmeros obstáculos, tanto de ordem interna como externa. Devemos reconhecer a grande habilidade política de Hugo Chávez (1954-2013) na consolidação do seu poder desde o final dos anos 1990 até a sua morte em 2013. Por outro lado, deve-se assinalar que a velha elite política venezuelana não teve a habilidade necessária em lidar com o “fenômeno Chávez”, optando por desacreditar o processo que estava ocorrendo no país facilitando, de certo modo, a consolidação desse poder.

O golpe arquitetado pelos setores conservadores contra um governo eleito demo-craticamente em 2002, e a recusa em participar das eleições legislativas de 2005, por “falta de garantias democráticas” (PARUOLO, 2010), favoreceram a supremacia política do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), o partido chavista (PARUOLO, 2010). Com a supremacia política, Chávez pôde atuar com tranquilidade no desenvolvimento do projeto bolivariano. No âmbito interno o sucesso deste projeto estava intimamente ligado à manutenção do poder em sua figura pessoal no Palácio de Miraflores. A falta de outras lideranças de projeção nacional configura-se em um problema importante depois de sua morte.

Outro aspecto importante é que, apesar de Caracas atuar frontalmente contra as diretrizes políticas de Washington e do seu discurso anti-imperialista, as exportações de petróleo para o país se mantiveram intactas. Isso aponta para a realidade adversa encontrada pela Venezuela na dependência econômica de seu principal inimigo político e ideológico.

Os EUA são os principais compradores do petróleo cru pesado venezuelano e tem capacidade de refiná-lo (SENHORAS e GAMA NETO, 2009). Outro grande problema para o projeto antissistêmico bolivariano é a baixa industrialização do país. Como atuar de maneira independente dentro do sistema-mundo quando não se possui os mecanismos que possibilitem isso?

Como decorrência de tais aspectos, a Venezuela procurou aumentar a sua influência continental e internacional de maneira mais enfática aliando a ideologia e a construção de parcerias políticas e econômicas tanto com países latino-americanos como de outras partes do mundo. A diversificação dos laços econômicos é um importante componente para o desenvolvimento da atuação antissistêmica.

Durante grande parte dos seus mandatos, Hugo Chávez procurou estabelecer relações diplomáticas e econômicas com países que estivessem no polo oposto às dire-trizes da Casa Branca. Para ganhar projeção internacional compatível com o processo político-ideológico que estava desenvolvendo na Venezuela, Chávez procurou difundir sua atuação antissistêmica.

Nas próximas páginas, discutiremos os principais projetos de atuação antissistêmica da Venezuela. Em todos eles, possui lugar central o elemento da integração regional.

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2 A Venezuela e a integração regional

A Venezuela é entusiasta e incentivadora de todas as formas de diminuir a dependência econômica externa da América Latina e do avanço do processo de integração regional. O país está presente em todos os organismos regionais que apontem nessa direção e sempre que possível com uma atuação de liderança.

Essa participação em diversos organismos não ocasiona um conflito de interesses para os venezuelanos. Pelo contrário, serve como uma forma de complementariedade do processo de integração da América Latina. A existência dessa variedade de organizações reflete as assimetrias existentes no subcontinente americano.

As iniciativas promovidas por Caracas com a criação da Aliança Bolivariana para as Américas-Tratado de Comércio dos Povos (ALBA-TCP), do Banco da ALBA e da Petrocaribe, por exemplo, demonstram o firme objetivo de diminuição da influência norte-americana na América Latina. Um novo reposicionamento da América Latina no sistema-mundo contemporâneo é um objetivo fundamental da Venezuela bolivariana.

Faremos a seguir uma análise da participação da Venezuela nos organismos regionais.

2. 1 Aliança bolivariana para as américas-tratado de comércio dos povos (ALBA-TCP)

A ALBA-TCP foi criada em oposição à proposta defendida pelos EUA de implementação da Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA)1 e gerou um importante contraponto ideológico, econômico e político na América Latina a Washington.

A proposta de elaboração da ALBA foi apontada pela primeira vez por Hugo Chávez na III Cumbre de Chefes de Estado e de Governo, na Ilha de Margarita em dezembro de 2001 (ROSA, 2011, p. 91). No evento, Chavéz assinalou a necessidade de superação do modelo do neoliberal por outro baseado na integração latino-americana:

Ese modelo neoliberal no puede ser la base ni el marco para nuestros modelos de integración. No puede ser, es imposible que nosotros pongamos por delante para integrarnos, a la economía. No es la economía la que nos va a integrar y menos nuestras economías llenas de debilidades, de vulnerabilidades. No. Creo que se impone de nuevo lo que pudiéramos llamar la revancha de la política, que la política vuelva a la carga y que tome la vanguardia de los procesos de integración. y es la idea de Bolívar. (…) Un pacto político es lo que se impone hoy como era lo que se imponía entonces, y una integración integral, a lo bolivariano. El ALCA, por ejemplo, ¿es ese el camino? No.

Queremos un modelo que nos integre de verdad. No un modelo que nos desintegre, que integre a unos a expensas de la desintegración de otros, ese no puede ser el camino, por

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tanto con mucha modestia y humildad proponemos desde Venezuela, a los caribeños y a los latinoamericanos que vayamos pensando de una buena vez en otra alternativa porque esa creemos que no es posible. y es cuando se nos ha ocurrido lanzar una propuesta, que pudiera llamarse el ALBA, Alternativa Bolivariana para las Américas. Un nuevo concepto de integración que no es nada nuevo, se trata de retraer o de traer nuevamente un sueño que creemos posible, se trata de otro camino, se trata de una búsqueda, porque ciertamente la integración para nosotros es vital: O nos unimos o nos hundimos. Escojamos pues las alternativas. (FRÍAS, 2001.)

Em dezembro de 2004, foi realizada em Havana a I Cumbre da ALBA-TCP. Hugo Chávez e Fidel Castro assinaram uma declaração conjunta de criação da ALBA-TCP sobre os princípios que deveriam nortear a organização:

Afirmamos que el principio cardinal que debe guiar el ALBA es la solidaridad más amplia entre los pueblos de América Latina y el Caribe, que se sustenta con el pensamiento de Bolívar, Martí, Sucre, O’Higgins, San Martín, Hidalgo, Petión, Morazán, Sandino, y tantos otros próceres, sin nacionalismos egoístas que nieguen el objetivo de construir una Patria Grande en la América Latina, según lo soñaron los héroes de...

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