A Venezuela tecnocrata e a nova política para o petróleo

AutorFlávio Túlio Ribeiro Silva
Páginas71-90

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A Venezuela, por depender, em sua maioria, da sua renda originária do petróleo, traz anuências distintas a outros países, no que diz respeito ao poder do presidente em relação a um setor ou a uma massa de trabalhadores, tão primordial para a nação. A chegada de Hugo Rafael Chávez Frias ao poder executivo pela eleição de dezembro de 1998 não significava o domínio sobre diversos agentes políticos naquele momento. Podemos indicar que, pelo contrário, o petróleo possuía uma ascendência determinante nos caminhos que enveredariam o país e as forças políticas criadas no período do Punto Fijo, que ainda detinham um poder considerável no estado e formavam uma parte da estrutura.

A política econômica implantada no início da gestão Chávez procurou atuar com moderação, diante da realidade estabelecida. Manteve no Ministério da Fazenda Maritza Izaguirre1, titular do governo Caldera (1994-1999). Promoveu medidas ortodoxas a fim de aumentar o montante de arrecadação e descartou ações heterodoxas como controle

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de preços ou regulação de margens de lucro da atividade produtiva. A política cambial também foi mantida, com regime de bandas2flutuação do valor da moeda dando um horizonte de trabalho já conhecido pelos empresários.

A margem operativa de mudança era restrita. O PIB em 1998 tinha encolhido em 7,2%, as reservas do país em dólares no Banco Central Venezuelano (BCV) haviam alterado negativamente seu patamar de US$ 17,8 bilhões em dezembro de 1997 para US$ 14,8 bilhões 12 meses depois. Havia também a constituinte, que poderia promover incertezas pela visão do mercado. A procura do mesmo intento de dar confiabilidade aos investimentos estrangeiros (MARINGONI, 2008, p. 116) é que aprovada o decreto 356 em 3 de outubro de 1999, uma sugestão do embaixador estadunidense Joan Maisto:

Este decreto-lei tem como objetivo prover os investimentos e os investidores, tanto nacionais como estrangeiros de um marco jurídico previsível, no qual estes e aqueles possam desenvolver-se num ambiente de segurança [...] com vistas a lograr o incremento, a diver-sidade e a complementação harmônica dos investimentos e favor dos objetivos do desenvolvimento nacional. (GOTT, 2002, pp. 212 e 214).

Após 25 anos do primeiro encontro de chefes de estado de governo integrantes da organização de países exportadores de petróleo (OPEP) em Argel 1975, Chávez conseguiu promover em Caracas uma nova reunião com a finalidade de defender os interesses da entidade.

Las desigualdades en materia petrolera y "un modelo explotación colonial" se mantuvieron como una constante, hasta la creación de la OPEP, pero que su paulatino deterioro propicio un nuevo advenimiento de condiciones injustas por lo que sólo la unificación y coordinación de estrate-

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gias permitiría "lograr el equilibrio y precios justos en defesas de nuestros intereses". Discurso (CHÁVEZ, Caracas, 26/12/2000)3.

O discurso chavista assume a defesa de recomposição do preço do petróleo que atingira U$ 8,84 (OPEP, Annual Statistic Bulletin, 1999, pp. 112 e 119) em março de 1999 e vinha ao encontro a necessidades de dólares para que o país cumprisse as suas obrigações e preparasse novas ações de investimentos. A Venezuela, que até a ascensão de Chávez estava mais em sinergia com os países consumidores de petróleo como França, Inglaterra e Estados Unidos, do que com seus referidos sócios na OPEP, procura uma nova posição.

Adotou-se uma política4de reordenamento do preço: muitos países membros que violavam acordo de valores quando recebiam demanda de grandes consumidores de energia passaram a descartar o sentido da organização. Praticou-se uma gestão em bloco de defesa da preservação de um valor mínimo ao recurso não renovável, e por fim, uma comer-cialização mais justa e uma estabilidade do mercado.

Foram estabelecidas bandas de preço a depender dos objetivos pré-estabelecidos de produção. No caso venezuelano, o país representava 4% da produção mundial e 10% do grupo OPEP. Procurou-se frear a

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política crescente de produção, não apenas se privilegiando o econômico, mas a estratégia, o meio ambiente e os efeitos sociais. Esta mudança de prática significou a redução da sobre oferta, criando condições para o grupo venezuelano, que atingira menos de US$ 7, pudesse ascender aos US$ 28.

Poderíamos compreender que o discurso cumpre um papel ativo como também de expor o conhecimento adquirido com histórico da defesa da OPEP e, portanto, encaminhar uma nova prática social. Como afirma Roger Chartier, quando adentramos no terreno das representações, ascendemos a uma dimensão simbólica das práticas sociais. É perceptível a intenção do discurso chavista em ser protagonista na defesa do principal produto do seu país e, portanto, da renda que lhe alimentaria.

Em 2007, na cúpula da OPEP5, em Riad, Arábia Saudita, o presidente venezuelano lembrou o nascimento da OPEP e sua função: "Em Caracas poderíamos dizer que a OPEP renasceu", e continuou: "A OPEP deve se transformar de um ativo agente político em um ator político e geopolítico". Seguiu: "A OPEP nasceu como ator geopolítico, não só

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como ator econômico tecnocrático". Por fim, lembrou outro discurso que apontava uma intenção de controle da organização, a frase do ex-presidente Ronald Reagan: "Poremos a OPEP de joelho6". É perceptível, portanto, que os moldes do discurso, se por uma vertente procura fortalecer a associação de nações exportadoras, por outro lado, preocupa-se com a influência dos países consumidores em interferir no equilíbrio de um mercado favorável a ascensão do preço do petróleo. Esta linha não é exclusiva aos adversários, mas a aliados também. Em setembro de 2007, durante a 17a Cúpula Ibero-americana no Chile, após o Brasil anunciar descoberta de um bloco do pré-sal (bacia de Santos) com oito bilhões de reservas em potencial, Chávez convidou o país a integrar a OPEP: "Lula agora é um magnata do petróleo, que tem tanto petróleo [...] como não criar um mecanismo de cooperação com países que não têm petróleo ou meios para pagar 100 dólares por barril"7.

Neste mesmo evento Chávez declarou que haveria uma nova reunião da OPEP e o petróleo que estava a US$ 100 o barril poderia chegar a US$ 120. A procura de manter uma atitude de protagonista e de influência na política de defesa internacional do valor do barril gerou oposição dentro da própria OPEP, como a do rei da Arábia Saudita, Abpallah Bin Abdul Aziz Al-Saud, aliado estadunidense: "O petróleo é uma energia para construção, não um instrumento de conflito". (Em Riad 2007, Encontro OPEP)47.

Internamente, Chávez, desde sua candidatura, defendeu mudança em relação às práticas do Estado em relação ao petróleo. As propostas eram de construir um governo que transformasse as políticas, diferenciando-se do neoliberalismo.

Todos los candidatos presidenciales con excepción de Chávez se comprometieran a continua con la abertura petrolera. Por otra parte, buena parte de quienes se opusieran a esa política terminaron formando parte del equipo que triunfó electoralmente en 1998. (LANDER, 2006, p. 22).

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A primeira ação, no que abrange a questão do petróleo, está na promulgação da nova constituição de 1999. Nela, direciona a garantia pelo Estado do patrimônio das reservas e da empresa PDVSA.

Artículo 303º "Por razones de soberanía económica, política y de estrategia nacional el estado conservará la totalidad de las acciones de petróleos de Venezuela S. A., o Del ente creado para el manejo de la industria petrolera, exceptuando las de las filiales, asociaciones estratégicas, empresas y cualquier otra que se haya constituido o se constituya como consecuencia del desarrollo de negocios de petróleos de Venezuela, S. A". (Constituição da República Bolivariana de Venezuela, 1999).

A despeito desta determinação, podemos registrar que é uma reafirmação de posição de um Estado ator e coordenador. Mas, no entanto, se analisarmos por gestão, continuava a possibilidade de parcerias, que pela sua abrangência de atividade e volume de práticas no processo produtivo era a empresa parceira que geria junto com executivos da PDVSA a indústria petroleira. Estes administradores praticavam internamente ações que objetivavam reduzir a participação dos tributos na composição do valor, paradoxalmente por uma empresa de controle estatal. Assim, nos primeiros anos do governo Chávez, as inversões tributárias alcançaram seu nível mais reduzido.

En 1981, el ingreso bruto por la producción de hidrocarburos, incluyendo la refinación, ascendió a US$ 19,7 bi, un máximo histórico. En 2000 se alcanzo un nuevo máximo de 29,3 bi. No obstante, en 1981 PDVSA pago US$ 13,9 bi en ingresos fiscales, pelo solamente US$ 11,3 en 2000. En otras palabras, por cada dólar de ingreso bruto, PDVSA pago al gobierno 71 céntimos en rentas, regaliz e impuestos en 1981, pero solo 39 céntimos en 2000. (MOMMER in Ellner e Hellinger, 2003, p. 176).

A questão da receita fiscal e sua problemática eram as manobras contábeis baseadas nos mecanismos de tributação aplicáveis ao petróleo. A gestão executiva da PDVSA desempenhava uma política que provocava inflexão contínua na arrecadação. A base tributária maior era sobre o lucro do conglomerado, permitindo uma vasta ação que reduzia

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as transferências ao Estado, além de a estrutura fiscalizadora dentro do governo estar debilitada.

Dentre as 49 leis habilitantes aprovadas em novembro de 2001 (modelo que permite delegação de leis ao executivo pela constituição), estava a Ley dos Hidrocarburos8com diversas regulações:

Desde normativas:

Artículo 1 "Todo lo relativo a la exploración, explotación, industrialización, transporte, almacenamiento, comercialización, conservación de los hidrocarburos [...] si rige por esta ley".

Passando pela propriedade:

Artículo 3

Los yacimientos de hidrocarburos existentes en el territorio nacional, cualquiera que sea sua naturaleza, [...] en la zona económica exclusiva y dentro de las fronteras nacionales, pretense a la...

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