Verdadeiro e justo: campo jurídico e poder simbólico do direito (da autonomização das ideias sobre o fenômeno urbano) - uma introdução

AutorPaulo Somlanyi Romeiro
Ocupação do AutorAdvogado, doutor em Direito Econômico, Tributário e Financeiro pela Faculdade de Direito da USP (FADUSP)
Páginas21-37
VerDADeiro e jUSTo: cAMPo jUríDico e PoDer
SiMBóLico Do DireiTo (DA AUToNoMizAÇÃo DAS iDeiAS
SoBre o feNôMeNo UrBANo) – UMA iNTroDUÇÃo
Embora a parti r dos anos 1990 e, principal mente, no início
do século XXI se estude cada vez ma is temas relacionados à
aplicação de in strumentos u rbanísticos, ao direito à mora dia, à
gestão democrática da cidade, ao plano di retor, e outros que
emergem com a aprovação do Estatuto da C idade, argumentamos
que muitos desses estudos a inda são permeados de um certo
pensamento sobre o fenômeno urbano que, po de-se dizer, remon-
ta ao século XI X e início do século XX e ao urbanismo dos ano s
1920 a 1940, que também carrega d iversos elementos das crenças
sobre a possibilid ade de intervenção no territór io do século XIX.
A nosso ver, isso não acontece à toa, ma s é reflexo do funciona-
mento do discurso ju rídico e de sua relação com o discu rso
científico – como tam bém do relacionamento deste com o discu r-
so do urbanismo – e da universali zação e autonomiza ção de uma
visão do fenômeno urba no e das técnica s do urbanismo que
poderiam solucionar seus problemas. O que decorre, na nossa
hipótese, da positivação de um determ inado urbanismo, da in-
Direito urbanístico: entre o caos e a injustiça
22
serção de suas nor mas na forma ju rídica, a parti r de um esforço
intenso real izado no Brasil no decor rer do século XX, em especia l
entre as décadas de 1920 e 1980.
Procuramos inserir o direito urba nístico no est udo de
formas cada vez m ais sofisticad as de dominação, que neutra lizam,
universa lizam e autonomizam ideias que passam a ser i ncorpo-
radas por cada um de nós como se realmente f izessem parte de
nossa natureza. Seriam de a lguma m aneira meta-h istóricas
quando, na verdade, foram soci almente constr uídas. Nesse sen-
tido, elas serão invest igadas a parti r de elementos do pensamen-
to de Pierre Bourd ieu a respeito do poder simbólico do direito;
do funcionamento do c ampo juríd ico1 e sua linguagem; dos
efeitos da inserção dos v alores e práticas sociais da cl asse domi-
nante na forma ju rídica; e da autonomizaç ão das ideias. Esses
elementos foram apresentados pelo autor em O pod er simbólico
(1989). Também investiga remos a partir do pensamento de Lu ís
Al ber to War at2 sobre o c aráter culpabi lizante do direito e a res-
peito das relações entre a dogmática jur ídica e a epistemologia
dos fenômenos sobre os quais teoriza.
O direito urbanístico (ou seu discu rso) combina dois ele-
mentos poderosos em efeitos simból icos que se retroalimentam:
a ideia de um direito, ou de um Estado de Direito, justo, neutro
e universa l, e a ideia de um urbanismo pretensa mente científico,
ao mesmo tempo neutro e verdadeiro.
As mais complexa s formas de domi nação são aquelas que
não somos capazes de recon hecer como tais, das quais nos tor-
namos cúmpl ices – e às vezes até nos engajamos nelas –, por sua
capacidade de abstra ção e ocultação, ou até mesmo pela inver são
1 BOURDIEU, P ierre. O poder simb ólico, 1989.
2 WARAT, Luis Albert o. Introdução gera l ao direito vol. I, Interpretação
da lei: tem as para um a reformula ção, 1994, e Introduçã o geral ao
direito vol. I I, A epistemologi a jurídica da moder nidade, 1995 .

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT