Vícios e defeitos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor

AutorCarlos Pinto Del Mar
Páginas132-151

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Conceitos e tipos de vícios previstos no código civil

Vício (do latim vitium) é um defeito grave que torna uma pessoa ou coisa inadequada para certos fins ou funções; é qualquer deformação física ou funcional238. Defeito (do latim defectum) é imperfeição, deficiência, deformidade, vício, enguiço239. As palavras têm praticamente o mesmo significado no dicionário, observando-se que o defeito é um vício, enquanto o vício não é definido como um defeito240.

Nos dicionários jurídicos, as palavras “vício” e “defeito” são utilizadas em sentido equivalente, vício representando defeito, e defeito representando vício241.

O art. 784, parágrafo único, do Código Civil, conceitua o vício intrínseco como sendo o defeito próprio da coisa, que se não encontra normalmente em outras da mesma espécie242. Ou seja, vício intrínseco e defeito próprio se equivalem, pois ambos representam a mesma situação. O texto que remanesce desse dispositivo legal não diferencia vício de defeito. Em verdade, somente a partir do CDC é que se estabeleceu claramente a distinção entre vício e defeito, que não foi feita nem pelo CC de 1916 nem pelo CC de 2002.

Os vícios aparentes não estão previstos de forma expressa no Código Civil. Vícios aparentes são aqueles visivelmente constatáveis por qualquer pessoa, não necessariamente um técnico ou alguém dotado de diligência ou percepção extraordinárias243.

O Código Civil prevê os vícios redibitórios como ocultos e dá ao contratante o direito de enjeitar a coisa ou reclamar o abatimento do preço.

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Vícios ocultos são aqueles não constatáveis de imediato, porque não aparentes, ou porque foram dissimulados, ou ainda porque somente são verificáveis por pessoa com aptidão técnica ou com percepção fora do comum.

Os vícios ocultos podem ser classificados em simples e redibitórios.

Vícios ocultos simples são aqueles que apresentam apenas essa característica (de serem ocultos), sem, contudo, terem gravidade tal que tornem a coisa imprópria ao uso a que é destinada ou lhe diminuam o valor. São deficiências reparáveis, sem comprometimento posterior ao uso ou ao valor do imóvel.

Vícios ocultos redibitórios são aqueles previstos no art. 441 do Código Civil, que tornam a coisa imprópria ao uso a que é destinada ou lhe diminuem o valor244.

Para Maria Helena Diniz, vícios redibitórios são defeitos ocultos existentes na coisa alienada, objeto de contrato comutativo, não comuns às coisas congêneres, que a tornam imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminuem sensivelmente o valor, de tal modo que o ato negocial não se realizaria se esses defeitos fossem conhecidos, dando ao adquirente ação para redibir o contrato ou para obter abatimento do preço245. Caio Mário sintetiza o conceito de vício redibitório como sendo o defeito oculto de que é portadora a coisa objeto de contrato comutativo, que a torna imprópria ao uso a que se destina ou lhe prejudica sensivelmente o valor, e informa que, mutatis mutandis, é como todos os autores o definem246.

Na doutrina de Orlando Gomes:

Para haver vício redibitório é preciso, em primeiro lugar, que o defeito da coisa seja oculto. Se está à vista, presume-se que o adquirente quis recebê-la assim mesmo. Necessário, em segundo lugar, que o vício exista no momento da conclusão do contrato. Se aparece posteriormente, quando já se encontra no domínio do adquirente, a garantia, obviamente, não pode ser invocada. Entendem alguns que, se o defeito se manifestar depois da perfeição do contrato, mas antes da tradição da coisa, haverá vício redibitório. O momento da existência seria, então, o da execução do contrato pelo alienante. Por fim, é indispensável que o vício oculto torne a

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coisa imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminua o valor. Se insignificante, não é atingida sua utilidade ou o seu valor, vício redibitório não é247.

Assim, para que o vício seja redibitório, é necessário que atenda cumulativamente ao seguinte:

  1. que surja em uma coisa adquirida por contrato comutativo (oneroso)248;

  2. que o vício exista no ato da contratação;

  3. que seja oculto;

  4. que seja desconhecido do adquirente;

  5. que seja grave;

  6. que prejudique a utilização da coisa ou lhe diminua o valor, e

  7. que seja insanável.

Nos termos do artigo 443249 do Código Civil, o alienante responderá por vício redibitório, conhecendo ou não o vício da coisa. A diferença entre as duas situações está em que, se o alienante tinha conhecimento do vício oculto, deverá restituir o que recebeu, acrescido de perdas e danos, ao passo que, se desconhecia o vício, deverá apenas restituir o valor recebido, acrescido das despesas do contrato.

Um vício oculto não é necessariamente redibitório, mas o vício redibitório, este sim, deve ser oculto. Vale dizer que todo vício redibitório é oculto, mas nem todo vício oculto é redibitório. Um encanamento que venha a se revelar parcialmente obstruído com o uso, por exemplo, é um vício oculto para quem recebeu as chaves daquele imóvel e não o utilizou, mas não é um vício redibitório porque o problema não é de natureza grave (em geral pode ser desobstruído sem maiores problemas). Para ser considerado redibitório o vício deve, além de oculto, ser de natureza grave, que torne o imóvel impróprio para o fim a que se destina ou que lhe diminua o valor, o que não acontece no caso de uma corriqueira obstrução do encanamento. Já os vícios redibitórios, além de graves, devem ser ocultos por conceito legal. Exemplo clássico de vício redibitório é o do imóvel que é alvo de enchente por chuvas normais, fato de que o adquirente só tomará ciência por ocasião da primeira ocorrência. Trata-se de algo oculto, existente à época da ce-

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lebração do negócio e de natureza grave, pois sem dúvida compromete o uso e deprecia o imóvel em relação a outros que não tenham esse tipo de problema. Portanto, nem todo vício oculto (encanamento entupido) é redibitório, e todo vício redibitório (imóvel em local sujeito a enchentes) é oculto, porque assim deve ser pelo conceito legal.

A diferenciação é importante porque os vícios redibitórios têm tratamento jurídico diferenciado em relação aos vícios ocultos simples. No caso de vício redibitório, a coisa pode ser enjeitada quando o vício torná-la imprópria ao uso a que é destinada ou lhe diminua o valor, o que não ocorre em qualquer situação de vícios ocultos simples250.

Os vícios referentes à solidez e à segurança da obra estão previstos no artigo 618 do Código Civil251. Pela sua própria natureza, os vícios referentes a solidez e segurança são, em regra, defeitos (afetam a segurança).

Segundo o ensinamento de Pontes de Miranda:

O conceito de solidez não apresenta dificuldades para a apreciação das espécies. Quanto à segurança, não se pode entender que só se refira à ausência de possíveis danos provindos de desabamentos ou rompimento de paredes ou tetos ou soalhos, ou arrebentamento de escadas. Há os perigos de incêndio, de umidade grave, de anti-higiene e de gases252.

De acordo com esse entendimento, tanto a doutrina como a jurisprudência têm alargado o conceito de solidez e segurança, para considerar uma e outra ameaçadas com o aparecimento de defeitos que, por sua natureza, numa interpretação estrita do art. 618, não teriam tal alcance. Gonçalves observa que isso se justifica perfeitamente pelo progresso e desenvolvimento da indústria da construção civil e pela necessidade de se preservar a incolumidade física e patrimonial das pessoas que possam ser afetadas pelos mencionados vícios e defeitos253.

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SOLIDEZ E SEGURANÇA

Solidez (da obra): estabilidade, risco de ruína

Habilidade (segurança de utilização dos moradores – salubridade): danos físicos, insalubridade

A evolução do conceito de solidez e segurança é abordada com mais detalhes no Capítulo 4, item 4.3, restando aqui o registro de que, por força do entendimento doutrinário e jurisprudencial, especificou-se uma categoria especial dentro da classe dos vícios de “solidez e segurança”, ampliando o conceito de segurança para estendê-lo também aos moradores e criando – dentro da classe de vícios de solidez e segurança previstos no art. 618 do CC – uma categoria especial de vícios referentes à habitabilidade dos moradores, como são os casos de infiltrações gene-ralizadas, umidade grave, questões de salubridade, perigos de incêndio, de gases, anti-higiene, por exemplo.

TIPOS DE VÍCIOS NO CC

Vícios aparentes

São aqueles visivelmente constatáveis por qualquer pessoa, sem necessidade de que seja um técnico ou dotado de diligência ou percepção extraordinárias.

Vícios ocultos

São os vícios não constatáveis de imediato, porque não são aparentes, ou foram dissimulados, ou somente são verificáveis por pessoa com aptidão técnica ou com percepção fora do comum.

Vícios redibitórios

São os vícios ocultos de que é portadora a coisa objeto de contrato comutativo, que a tornam imprópria ao uso a que se destina ou lhe prejudicam sensivelmente o valor.

Vícios referentes à habitabilidade – segurança dos moradores (são defeitos)

Vícios de habitabilidade ou de segurança dos moradores – trata-se de uma especificação jurisprudencial que, dentro da classe dos vícios referentes à “solidez e segurança”, estendeu o conceito de “segurança” vinculando-a aos moradores, como é o caso de: infiltrações generalizadas, umidade grave, questões de...

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