Vida na natureza para alunos do Ginásio Santa Catarina: o piquenique como cultura modernizadora em Florianópolis (1906-1918)

AutorThiago Perez Jorge - Alexandre Fernandez Vaz
CargoDoutorando no Programa de Pós-Graduação em História pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil - Doutor em Ciências Humanas e Sociais pela Leibniz Universität Hannover, Alemanha
Páginas75-94
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2016v13n1p75
VIDA NA NATUREZA PARA ALUNOS DO GINÁSIO SANTA CATARINA: O
PIQUENIQUE COMO CULTURA MODERNIZADORA EM FLORIANÓPOLIS (1906
1918)
1
Thiago Perez Jorge
2
Alexandre Fernandez Vaz
3
Resumo
Os jesuítas alemães do Ginásio Santa Catarina, instituição inaugurada em
Florianópolis em 1906, como parte das estratégias republicanas de modernização do
Estado, trouxeram práticas culturais modernizadoras para seus alunos, para a
cidade. Entre elas, o piquenique, que este trabalho procura descrever e analisar. As
fontes mobilizadas (1906-1918) foram os relatórios anuais, fotografias de seu acervo
e os diários dos padres prefeitos, jornais da época. Propomos a construção
interdisciplinar do objeto piquenique a partir da vida na natureza: corpo, comidas,
brincadeiras, atividade física, banho de mar. A invenção do Pic Nic como atividade
de lazer permite, a partir dos elementos da cultura germânica, a apropriação de
espaços da natureza ambiental da Ilha de Santa Catarina, promovendo a civilização
da cidade a partir da emergência de práticas corporais atravessadas por elementos
de jogo e alimentação. Isso se dá em contraste com outras práticas de piquenique
da elite local, por sua vez, menos ativa.
Palavras-chave: Obra. Piquenique. Vida na Natureza. Ginásio Santa Catarina.
Florianópolis.
1 INTRODUÇÃO
Quinta-feira pela manhã, 15 de março de 1906, ocorre um banho de mar,
“mas o primeiro já ocorrera antes, em 10 de março”, e à tarde o passeio, “o primeiro
foi em 2 de março, uma sexta-feira” (DIÁRIO..., 1906). No dia seguinte, novamente
1
Materiais e análises que compõem este texto foram apresentados e publicados em anais de eventos
(JORGE, DALLABRIDA, VAZ, 2012; JORGE, 2013a, 2013b). O presente artigo tem em parte seu
primeiro impulso em Jorge (2013b). As fontes analisadas neste texto são retomadas em Jorge (2016,
prelo) com interesse no diálogo com a Antropologia da Alimentação. Ambos os textos partilham
questões sem que, no entanto, o enfoque seja o mesmo.
2
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História pela Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. Integra o Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade
Contemporânea na mesma Universidade. E-mail: thipjorge@gmail.com
3
Doutor em Ciências Humanas e Sociais pela Leibniz Universität Hannover, Alemanha. Professor
permanente dos programas de Pós-graduação em Educação (mestrado e doutorado) e
Interdisciplinar em Ciências Humanas (Doutorado). Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas
Educação e Sociedade Contemporânea da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
SC, Brasil. E-mail: alexfvaz@uol.com.br
76
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.13, n.1, p.75-94 Jan-Abr. 2016
aparece o banho pela manhã, e um escrito se destaca dos demais: “o lugar não
poderia ser melhor” (DIÁRIO..., 1906, grifo nossos).
Estas notas esparsas no Diário do Padre Prefeito
4
no primeiro ano de
funcionamento do então Ginásio Santa Catarina apontam os primórdios do que
serão os convescotes nesta instituição. Atividade que contempla saídas do Colégio
envolvendo os alunos com banhos de mar, rio ou lagoa, com correspondentes
refeições, que associam diversão e usos da força e de movimentos corporais junto à
natureza da Ilha de Santa Catarina, os piqueniques também eram denominados de
“passeio grande” nos Diários dos Padres (1906; 1907).
Palavra de origem francesa
5
também chamada de convescote (português) e
Pic Nic (inglês), na França do século XVII significava uma prática na qual cada
participante levaria sua refeição e, no século XIX tal atividade de alimentação
estende-se a lugares como campos e florestas, locais de contato com o que era
visto como natureza e vida selvagem, algo muito presente no processo de
constituição da modernidade.
A modernidade de Florianópolis também teve seus piqueniques, em parte
presentes nos movimentos civilizadores perpetrados pela escolarização. Nesse
sentido, o presente trabalho apresenta resultados de uma investigação sobre
aspectos da prática do Pic Nic do Ginásio Santa Catarina, em Florianópolis, no
período de 1906 a 1918, em contraste com uma outra forma de seu
desenvolvimento na mesma cidade, esta talvez ainda ligada a um ethos
aristocrático. A abordagem pretende ser, ainda que com limites, interdisciplinar,
movimento “que não esteja pressuposto em qualquer somatória de abordagens
disciplinares” (LEIS, 2011, p.110). Vale, portanto, a nosso juízo, o que Theodor W.
Adorno (1997) certa vez chamou de “prioridade do objeto”.
O referido Ginásio era então um educandário dirigido por padres alemães,
que no decorrer de mais de um século de existência, passou por algumas mudanças
de nomes. Da fundação, em 1905, até 1917, Ginásio Santa Catarina, de 1918 até
4
Agradecemos a Norberto Dallabrida pela disponibilidade deste documento histórico. Os Diários dos
Padres Prefeitos apresentam cotidiano do ambiente escolar jesuítico. A franqueza e a coragem de
trechos destes Diários dos Padres sugerem diferentes maneiras de dizer a verdade.
5
Há inclusive o verbo em francês “pique-niquer”, a exemplo da expressão “faire un pique-nique”, que
significa “fazer piquenique” (DICIONÁRIO, 2011, p.707).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT