Ataque aos 'piratas' da fibra de vidro novo conceito sobre propriedade intelectual

AutorKris Williamson
Páginas212-220

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Como sabemos, avanços tecnoló-' gicos vêm provocando uma mudança estrutural em nossa economia e sociedade. No entanto, tais avanços tecnológicos, novos conhecimentos, novas técnicas, procedimentos e metodologias precisam de proteção adequada. A era digital traz com ela uma variedade crescente de produtos que são de cara produção, mas que são positivamente vulneráveis a imitações baratas e rápidas.

A ausência de uma proteção legal atua como desestímulo ao investimento em desenvolvimento de certos produtos. As leis de patentes protegem as pesquisas e o desenvolvimento para elaboração de novos produtos, no sentido mais abrangente, e requerem, na maioria das vezes, grandes investimentos. Proteger produtos através de uma patente significa evitar que competidores copiem e vendam esse produto por um preço mais baixo, uma vez que os produtos não são onerados com os custos da pesquisa e desenvolvimento. A proteção conferida pela patente é, portanto, um valioso e imprescindível instrumento para que a invenção e a criação industrial se tornem um investimento rentável. As leis tradicionais de direitos autorais ou copy-right voltam-se à forma das respectivas criações, e não ao conteúdo destas - e mui-to menos ainda ao seu conteúdo utilitário. Desta maneira, a utilização industrial de qualquer tecnologia funcionalmente equivalente àquela que foi patenteada é restrita segundo a lei pertinente, ainda que os conhecimentos técnicos intrínsecos na patente possam ser livremente utilizados em qualquer propósito intelectual, científico ou não-industrial.1

O copyright e os direitos de autor não podem ser utilizados para restringir obras funcionalmente equivalentes: por definição, as obras literárias, artísticas ou científicas não têm qualquer funcionalidade além do seu objetivo de expressão. Tais criações são produzidas com a finalidade de expressar idéias, conceitos e sensações, todas elas com circulação livre de qualquer restrição jurídica.2 Os produtos resultantes da atividade intelectual humana, que fogem destes dois regimes primários de proteção, foram historicamente deixados à própria sorte, sujeitos aos segredos de negócios e às leis de concorrência desleal ou aos caprichos do livre mercado.3

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A questão à nossa frente é se um terceiro paradigma geral pode ser construído para produtos protegidos inadequadamente ou inapropriadamente, através de patentes ou leis de direitos autorais que melhor equilibrem incentivos à criação/invenção contra o uso livre e desenvolvimento eficiente.

Nos Estados Unidos a abordagem deste problema tem sido uma série aleatória de casos sui generis, cada um focalizando em objetos específicos de proteção. Como, por exemplo, em 1972, com relação a terceiros que copiam indevidamente o desenho original de uma outra pessoa, as legislaturas de certos Estados, e em particular da Califórnia, promulgaram leis proibindo a duplicação e venda de produtos através do processo chamado de moldagem direta.4 Esta lei criou um novo direito em propriedade intelectual, proibindo a fabricação ou venda de produtos feitos de moldagem direta de um produto de um concorrente.

Isto é de particular interesse para a indústria de barcos de recreação, que utiliza este processo na fabricação de cascos de barco. A indústria de barcos de recreação nos Estados Unidos, assim como no Brasil, tem sido infestada por fabricantes de barcos de baixo custo que nada vêem demais em pegar um projeto de um casco de barco de um concorrente e utilizar este desenho como umplug para fazer um molde para sua própria fabricação desautorizada, uma técnica de contrafação conhecida comercialmente como splashing. "Molhar o casco" (splashing) ocorre quando um construtor de barcos faz uma cópia sem autorização do projeto de um casco de bar-co e se apropria do projeto. Tal fenômeno existe desde a invenção da fibra de vidro, um material comum na fabricação de barcos de recreação. Os "piratas" usam o casco completo da embarcação para fazer um molde e com usinagem especial o molde copiado é, então, usado para produzir múltiplos cascos do mesmo projeto.

1. O caso "Bonito Boats, Inc vs. Thunder Craft Boats, Inc."

Essa discussão veio à tona no caso "Bonito Boats, Inc. vs. Thunder Craft Boats, Inc.".5 Entretanto, antes de discutir a matéria deste caso propriamente dita, é importante compreender que, ao contrário do Brasil, nos Estados Unidos os Estados podem criar suas próprias leis de propriedade intelectual. No entanto, quando uma lei estadual está em conflito com uma lei federal, a lei federal se sobrepõe à lei estadual.6 Portanto, a questão crucial que surgiu com a proteção que certos Estados estavam dando à moldagem direta era se o estatuto estadual referente à moldagem direta conflitava com a lei de patente federal, a ponto de minar o esquema federal.

O assunto havia sido discutido no caso "Interpart Corp. vs. Italia",7 ocasião

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em que se determinou que o estatuto da Califórnia evita que concorrentes inescru-pulosos obtenham um produto e o utilizem como plug para fazer moldes. Entretanto, a lei não proibia copiar o desenho do produto de uma outra maneira. Isto porque, se o produto for de domínio público, qualquer pessoa pode fazê-lo, usá-lo ou vendê-lo. Entretanto, neste caso específico o Supremo Tribunal dos Estados Unidos confirmou que as leis federais sempre prevalecerão.

O caso "Bonito Boats", que surgiu em setembro/1976, marcou um momento decisivo na área. Bonito Boats, Inc. ("Bonito"), uma empresa da Flórida, tinha desenvolvido o projeto de um casco de fibra de vidro para um barco de recreação, comercializado com o nome comercial de Bonito Boat Model 5VBR. Projetar o casco exigiu esforço substancial da parte de "Bonito" e um conjunto de projetos de engenharia foi preparado, dos quais um modelo de madeira maciça foi criado. O modelo de madeira maciça foi posteriormente banhado com fibra de vidro para criar um molde, que depois serviu para produzir os barcos de fibra de vidro acabados que foram colocados à venda. O 5VBR foi lançado no mercado em meados de setembro/1976. Não há indicação de que um pedido de patente tenha sido feito para proteção dos aspectos utilitários ou do projeto do casco ou para proteção do processo pelo qual o casco foi fabricado. O 5VBR foi recebido favoravelmente pelo público náutico e foi desenvolvido um "amplo mercado interestadual" para sua venda.

Neste meio tempo, respondendo às críticas levantadas pelo lobby náutico, à procura de uma proteção mais ampla para seus projetos de embarcações, a legislatura do estado da Flórida sancionou uma lei, Fla. Stat. 559.94,8 que tornou "ilegal para qualquer pessoa usar o processo de moldagem direta para duplicar, com o propósito de venda, o casco de qualquer embarcação fabricada ou qualquer componente de uma embarcação fabricada por outro sem a permissão por escrito daquela pessoa". A lei estabelece que é ilegal uma pessoa "intencionalmente vender um casco de embarcação ou um componente de embarcação duplicada (...)". "Qualquer pessoa que sofra prejuízo ou dano como resultado da violação da lei" poderia pleitear indeniza-ção, requerer uma liminar e custas advoca-tícias. A lei tornou-se aplicável a cascos de embarcações ou componentes duplicados através da utilização da moldagem direta depois de 1.7.1983.

Em 21.12.1984, depois do modelo Bonito 5VBR estar disponível ao público por mais de seis anos, "Bonito" iniciou um processo no Tribunal de Primeira Instância do Condado de Orange, na Flórida, alegando que Thunder Craft Boats, Inc. ("Thunder Craft"), uma empresa do Ten-

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