Violação de Segredo da Empresa (Art. 482, g, da CLT)

AutorMelchíades Rodrigues Martins
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho Aposentado do TRT da 15ª Região. Mestre em Direito
Páginas206-223

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1. Generalidades e conceito

Segundo Agostinho Eiras "o termo segredo (do latim secretum, arcanum) significa 'coisa que deve conservar oculta aquele que a sabe'. Em processo penal, o segredo não tem por finalidade ficar oculto, mas antes pelo contrário trazer à luz aquilo que se desconhece"220. No campo trabalhista, a violação de segredo da empresa caracteriza justa causa para a rescisão do contrato de trabalho. Desde a Lei n. 62/35, essa justa causa já estava prevista na alínea e do art. 5a, com a seguinte redação "violação de segredo de que o empregado tenha conhecimento", depreendendo-se que o segredo deve estar relacionado com a empresa para a qual o empregado trabalha. A CLT, pelo Decreto-Lei n. 5.452, de Ia.5.43, a inseriu no rol das justas causas com outra redação ao dispor "violação de segredo de empresa". Portanto, houve uma mudança significativa no conceito, já que a proteção quanto à violação do segredo tem como destinatária à empresa, cujo conceito nos dias atuais tem uma dimensão maior pelo que ela representa no mundo dos negócios.

A respeito, fazendo referência a importância da empresa na economia moderna afirma Amador Paes de Almeida que "para a empresa convergem vários interesses, ressaltando sua importância econômico-social. Destacam-se, entre outros: o lucro do seu respectivo titular (o empresário individual ou coletivo - a sociedade empresária), lucro esse condicionado ao interesse social, ex vi do disposto no art. 173, § 4a, da Constituição Federal de 1988; os salários, instrumento de sobrevivência do trabalhador e de sua família, de manifesta natureza alimentar; os tributos, indispensáveis à consecução dos fins objetivos do Estado, nas suas três esferas: federal, estadual e municipal; a que acrescentamos a paz social, com a indispensável manutenção do emprego"221. Os segredos da empresa que podem ser originados do processo de produção ou da própria empresa é que passaram a ser objeto de proteção, dando-se assim maior valor ao direito da empresa do que à individualidade do empregado. A norma da CLT também não se preocupou em estabelecer os tipos de segredos, preferindo tratar a questão de forma mais genérica e com isso dando uma conotação mais abrangente, levando-se em conta a complexidade da atividade empresária.

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Assinala também Célio Pereira Oliveira Neto que "Não se confunde concorrência desleal com não concorrência. Com efeito, no curso do contrato de emprego, a concorrência ao empregador é tida por desleal, e tem por condão gerar a rescisão do contrato por justa causa, se o empregador assim desejar; a concorrência desleal está tipificada no Código Penal e na Lei de Propriedade Industrial e enseja punição mesmo após encerrado o contrato de trabalho. Não há necessidade, pois de qualquer pacto para tanto"222.

Abstraindo-se do que foi dito vários autores procuram dar um conceito dessa justa causa, começando com Dorval Lacerda para quem "segredo é todo fato, ato, ou coisa, que, de uso exclusivo da empresa, não possa ou não deva ser tornado público, sob pena de causar um prejuízo remoto, imediato ou provável àquela"223. Já para Sérgio Pinto Martins "comete falta grave de violação de segredo da empresa o empregado que divulga fatos, atos ou coisas pertencentes ao empregador, sem seu consentimento, o que não deveria ser tornado público, configurando prejuízo àquele. Exemplos seriam a divulgação do empregado de marcas e patentes, de fórmulas, de questões relativas ao negócio do empregador".224 Wagner D. Giglio entende que "segredo de empresa é tudo que, sendo referente a produção ou negócio e do conhecimento de poucos, não deve, pela vontade de seus detentores, ser violado"225.

Já para Regiane Terezinha Mello João "A conceituação do objeto dessa obrigação, denominada genericamente de segredo, tem sentido amplo, estendendo-se a tudo que se relacione ao modo de produção, organização, dados, informações ou características internas da empresa que a diferencie das demais, tornando seu negócio viável e lucrativo e que, levado ao conhecimento de terceiros, poderia trazer prejuízo ao empregador"226.

2. Relação com o contrato de trabalho

Não há nenhuma dúvida que a falta prevista na alínea g do art. 482 da CLT, deve estar relacionada com o pacto laborai. Só o conhecimento do segredo da empresa e sua revelação pelo empregado em decorrência da sua situação de subordinado (empregado) é que dará ensejo a justa causa com base na referida alínea. Aqueles segredos conhecidos pelo trabalhador que não possuem nenhuma relação com o contrato de trabalho e que a sua revelação possa causar prejuízos a outrem, em determinadas situações, podem constituir em crimes previstos nas leis penais, uma de aplicação ao funcionário público227, e outra sob a ótica de crimes de concor-

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rência desleal228, mas não em ilícito trabalhista. Ficam, portanto, fora da aplicação dessa justa causa quaisquer segredos que venham do empregador ou mesmo do empregado que não tenham vinculação com a empresa, já que são originados de situações pessoais e de ordem privada. A esse respeito, diz também Giglio que "ficam excluídos, desde logo, os segredos pessoais dos empregadores, vez que a pessoa jurídica da empresa não se confunde com as pessoas físicas que

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a dirigem. Ainda que o empregador seja uma pessoa física, não há equiparar os segredos dessa pessoa fisica como os do empregador como tal"229

Ressalte-se, no entanto, que existem atividades em que o profissional liberal tem o dever de ofício de guardar segredos dos seus pacientes ou clientes, citando, como exemplo, o caso do médico, o do advogado que possui escritório em nome individual. Os empregados que trabalham para tais profissionais tomam conhecimento de situações que não deixam de ser segredos, no caso, os dados dos respectivos fichários e documentos que interessam tão somente às pessoas envolvidas. A divulgação indevida dos respectivos fatos que estão afetos aos citados profissionais e seus clientes e que possam causar prejuízos à imagem da clínica (médico) como do escritório (advogado), mas também dos seus titulares dá ensejo ajusta causa em violação de segredo da empresa. Entretanto, alerta Dorval Lacerda que "a vida pessoal, as ocorrências diárias que se passam com o indivíduo, mesmo no âmbito da empresa (o consultório), não são segredos da empresa, mas podem simplesmente constituir segredos do Dr. Fulano, não médicos mas individuais. O empregado que os divulgar, não viola, destarte, segredos de empresa e o seu ato, consequentemente, não pode ser capitulado na alínea "g", em exame, mas dado ao aspecto de que se revestir, na alínea k, do mesmo art. 482 (ato lesivo da boa fama) ou como mau procedimento, o que é outra coisa"230.

3. Tipos de segredos

Pela Lei n. 62/1935, entendia que ajusta causa fundada em violação de segredo alcançava apenas os empregados da indústria ou do comércio, já que a respectiva lei assim dizia no seu art. Ia e se dava mais atenção à situação individualizada do trabalhador do que ao direito da empresa. A CLT é que mudou a conotação da justa causa para dar maior proteção aos segredos da empresa, ou seja, àqueles que ela quer ver protegida para si e dos efeitos de uma concorrência buscada no seu seio, pelos trabalhadores que deles obtiveram conhecimento em função do emprego ou do cargo. Nessa vertente, os mais variados segredos da empresa passaram a ser objeto de proteção, desde que pela sua revelação venha a causar prejuízos à empresa ou ao empregador. Na atualidade, os tipos de segredo não são os mesmos dos idos passados, dada a evolução natural das atividades das empresas. Antes, poderia falar de dois tipos de segredos, os de fábrica ou de indústria que correspondem ao processo de fabricação de produtos, as respectivas fórmulas, os inventos e os seus melhoramentos que se identificam com a empresa; os de negócios que dizem respeito à situação económica da empresa, abrangendo os seus projetos recorrentes de segredos. Hoje, conforme assinala Sérgio Pinto Martins, existem "segredos de serviços, como de divulgação dos dados técnicos relativos à elaboração de certo programa de computador, de um produto de banco etc."231. A verdade é que há possibilidade da existência de segredos dos mais variados que são ligados a diversos tipos de atividades como as industriais, administrativas, técnicas, comerciais, serviços e logísticas, sendo, portanto, de difícil previsão, cujos segredos, quando violados podem ter o alcance da referida norma, em virtude de seu caráter geral.

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4. Conhecimento do segredo da empresa pelo empregado

Assinala Eduardo Henrique Raymundo Von Adamovich que "o segredo se estabelece em razão da destinação e do valor da informação, ato ou coisa que devem ser preservados, violá-lo, como pede o dispositivo legal em comento, será dar-lhe divulgação, pública ou privada, com finalidade ou valor distintos daqueles para os quais se instituíra e que seriam razoavelmente esperáveis...

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