Violência doméstica: As mulheres e os direitos fundamentais

AutorBruno Meneses Lorenzetto - Roberta Franco Massa
CargoAdvogado - Promotora de justiça do estado do Paraná
Páginas10-13
10 REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 666 I OUT/NOV 2020
TRIBUNA LIVRE
Bruno Meneses LorenzettoADVOGADO
Roberta Franco MassaPROMOTORA DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
MULHERES E O NÃO RECONHECIMENTO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Em Nova York, no dia 13 de
março de 1964, Catherine
Susan Genovese (para os
íntimos, Kiy) estaciona-
va seu veículo e caminhava pela
calçada do prédio onde residia
quando foi atacada pelas costas
com duas facadas por Winston
Moseley. A mulher de 28 anos
gritou por socorro, mas, em
princípio, ninguém apareceu.
Ela rastejou até os fundos de
seu prédio, onde foi novamen-
te surpreendida pelo agressor,
que a estuprou e a esfaqueou
mais, até a morte. Os baru-
lhos do ataque perpetrado por
Winston acrescidos pelos gritos
de socorro de Kiy não foram
suficientes para que qualquer
um dos 38 vizinhos – que os es-
cutaram – descesse do prédio
para, ao menos, tentar acudi-
-la, tampouco as ligações feitas
para a polícia fizeram com que
o socorro chegasse a tempo de
evitar a trágica morte1.
Já no Rio de Janeiro, em
30 de maio de 2020, a médi-
ca Ticyana D’Azambuja, após
chegar em casa vinda de um
exaustivo plantão médico e
necessitando descansar para,
depois, retornar ao local de tra-
balho em plena pandemia de
covid-19, se deparou com mais
uma das inúmeras festas pro-
movidas pelo seu vizinho, inti-
tulada “Baile do Covid-19”. Sem
conseguir dormir, a médica se
dirigiu ao local, chamou pelos
moradores, mas não foi aten-
dida. Em um ímpeto de esgo-
tamento, agravado pelas inten-
sas horas de plantão na rede de
saúde justamente na época de
maior de demanda por conta
da pandemia, Ticyana buscou
um martelo e quebrou o vidro
de um veículo Mini Cooper es-
tacionado em frente ao local2.
A partir de então, as cenas
que se seguiram foram dan-
tescas, permeadas de surrea-
lismo. Os frequentadores da
festa saíram da casa e foram
atrás de Ticyana. A médica
tentou fugir, mas foi alcança-
da por aquelas pessoas, em
sua maioria homens, e foi bru-
talmente agredida por vários
deles. Registre-se que o dono
do veículo danificado era um
sargento da Polícia Militar, que
também participava da festa.
Além disso, as diversas agres-
sões contra Ticyana se deram
em frente a um batalhão do
Corpo de Bombeiros, cujos ofi-
ciais presenciaram, de forma
omissa, a cena. A médica teve
diversas fraturas no corpo e,
tão cedo, não poderá voltar a
trabalhar no pior cenário vivi-
do pela saúde pública brasilei-
ra nos últimos tempos3.
O que as histórias de Kiy e
Ticyana têm em comum? Além
de ambos os casos poderem
ser enquadrados como ocor-
rências do fenômeno do efeito
do espectador, caracterizado
quando um grupo de pessoas
presencia cenas em que outra
está em situação de emergên-
cia, mas simplesmente não age
em socorro àquela4, também
evidenciam um problema de
ordem estatal no que diz res-
peito ao (não) atendimento a
pessoas em situação de risco.
No episódio envolvendo Kit-
ty Genovese alguns vizinhos
até ligaram para a polícia rela-
tando a ocorrência. Entretan-
to, ao fazer o juízo de valor da-
quilo que era recebido a polícia
de Nova York ignorou as cha-
madas telefônicas, pois acre-
ditava se tratar de mais uma
“briga de bar” ou “briga de rua”.
Já o caso de Ticyana, sob
a óptica do papel do Estado,
também se revela grave em ra-
zão de as agressões terem sido
realizadas diante daqueles que
deveriam adotar as providên-
cias cabíveis. Tanto no sentido
da apuração do alegado crime
de dano contra o carro quan-
to, em seguida, para realizar a
proteção das agressões perpe-
A médica tentou fugir,
mas foi alcança da por
aquelas pessoas, em
sua maioria homens, e
foi bru talmente agredida
por vários deles

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