Violência doméstica e maus-tratos infantis

AutorJamilly de Oliveira Musse/Mona Lisa Cordeiro Asselta da Silva
Páginas169-179

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A violência é definida como "o uso intencional da força física ou do poder, real ou ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação" (KRUG et al., 2002, p. 5).

A violência doméstica representa toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de um membro da família. Pode ser cometida dentro e fora do lar por qualquer um que esteja em relação de poder com a pessoa agredida, incluindo aqueles que exercem a função de pai ou mãe, mesmo sem laços de sangue (DAY et al., 2003).

A maior parte dos casos de violência acontece em casa, afetando sobretudo mulheres, crianças e idosos. Trata-se de um fenômeno considerado um sério e grave problema de saúde pública mundial, socioeconômica e culturalmente agravado pela falta de estatística consequente do silêncio da população, ou seja, está relacionado com a falta de notificação ou denúncia por parte das pessoas que tenham conhecimento do ocorrido. Uma das características importantes da violência é o ciclo vicioso de perpetuação das agressões, pois algumas vítimas tendem a refletir a postura do agressor em diferentes momentos de suas vidas, causando um efeito dominó.

Por ser um fenômeno de natureza multifatorial, torna-se crucial o interesse e a preocupação do Setor Saúde para com as vítimas da violência, principalmente em razão do número de mortes que provoca e da necessidade de perícia e assistência médico-odontológica (FERREIRA, SCHRAMM, 2000; NUNES et al., 2009).

Nos serviços de saúde, é preciso que profissionais, tanto os dedicados à atenção primária, como em setores de emergência e atenção secundária, estejam

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preparados para observação da violência nos sinais deixados pelas lesões e traumas, sendo capacitados ao enfrentamento do problema, respaldados na compreensão das relações sociais conflituosas (MINAYO, 2003).

Os profissionais de saúde têm o dever ético, legal e social de grande importância para com a vítima quando se trata da notificação e denúncia dos casos suspeitos e/ou confirmados de violência da qual tenha conhecimento. A maior parte das lesões consequentes de violência doméstica e maus-tratos acometem a região de cabeça e pescoço, o que coloca os cirurgiões-dentistas em posição privilegiada quando comparado a outros profissionais de saúde. No entanto, a abordagem do assunto na perspectiva forense ainda precisa ser melhor discutida e aprofundada, principalmente no que diz respeito aos grupos que estão mais expostos e vulneráveis a sofrerem violações dos seus direitos, que são as crianças e adolescentes, mulheres e idosos (LIMA; CARVALHO; OLIVEIRA, 2010).

Contudo, observa-se que na prática os profissionais da saúde temem notificar situações suspeitas de maus-tratos por medo de perder os pacientes, falta de confiança no serviço de proteção, medo de lidar com os pais quando crianças estão envolvidas, incerteza do diagnóstico e desconhecimento da verdadeira responsabilidade em notificar (GARBIN et al., 2006).

Nesse contexto, o presente capítulo abordará o fenômeno da violência relacionando com a legislação vigente e a obrigatoriedade da notificação e denúncia.

Tipos e manifestações da violência

De acordo com Day et al. (2003), existem quatro formas mais comuns de violência intrafamiliar: física, psicológica, negligência e sexual.

VIOLÊNCIA FÍSICA

O Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde, a conceitua como atos violentos, com o uso da força física de forma intencional, não acidental, que pode ferir, lesar, provocar dor e sofrimento ou destruir a pessoa, deixando ou não marcas evidentes no corpo, podendo provocar inclusive a morte. Pode ser praticada de forma "direta" por meio de tapas, empurrões, socos, mordidas, chutes, estrangulamento, obrigar a tomar medicamentos desnecessários ou inadequados, álcool, drogas ou outras substâncias, arrastar, arrancar a roupa, danos à integridade corporal; e de forma "indireta", por meio de instrumentos como queimaduras, cortes e lesões por armas ou objetos (BRASIL, 2010; WILLIANS et al., 2009).

Vítimas de violência física geralmente apresentam lesões corporais, manifestadas clinicamente na forma de hematomas, equimoses, fraturas, escoriações, entre outros (Figuras 1 e 2). Essas lesões definidas pelo Código Penal Brasileiro,

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em seu artigo 129 (BRASIL, 1940) como ofensa à integridade física ou à saúde de outrem, tendo como pena detenção de três meses a um ano. Divide-se em lesão grave e gravíssima, tendo diferença de pena entre elas. As lesões corporais de natureza grave são aquelas que resultarem em: incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; perigo de vida; debilidade permanente de membro, sentido ou função; aceleração de parto, tendo como pena a reclusão de dois a oito anos. É considerada lesão corporal de natureza gravíssima se resultar em: incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável; perda ou inutilização de membro, sentido ou função; deformidade permanente; aborto, tendo como pena a reclusão, de dois a...

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