A Violência e o Princípio da Condição Peculiar da Pessoa em Desenvolvimento

AutorWilson Gianulo
Páginas320-327

Page 320

1. Intento do artigo

Depois de decorridas duas décadas e meia de vigência, o Estatuto da Criança e do Adolescente precisava ser comemorado, mediante a conclusão estatística de que os comportamentos de abandono, má formação socioeducativa das crianças e dos jovens no Brasil tivessem diminuído pela só entrada em vigência do diploma legal e a prática de seus ditames mais salientes.

Lamentavelmente o que se vê no presente é realidade diversa, constrangedora, com o aumento substancial da criminalidade em todas as faixas etárias e a alarmante constatação da reduzida aplicação produtiva das disposições legais que realmente tragam benefícios evidentes.

Não se vai criticar a lei, sob os aspectos técnico, jurídico ou sociológico, uma vez que o diploma legal em si não prega nada mais que tratamento isonômico e salutar àqueles que tenham sido submetidos ao abandono e ou que por quaisquer questões viram-se envolvidos na criminalidade juvenil, preconizando que se priorize a atenção às crianças e aos adolescentes.

Busca-se, de forma objetiva, identificar os elementos de interação entre os vários componentes da violência e delinquência juvenis ou inimputáveis, de modo a corroborar com o diagnóstico e a sugestão de práticas que venham a minimizar os efeitos de tão constrangedora situação social, fenômeno a que não se dá o privilégio no Brasil, de modo a compreender de forma eficaz o princípio esculpido no art. 6º da Lei n. 8.609/90.

2. Preâmbulo

As discussões a respeito da delinquência de menores e adolescentes têm ocupado as atenções de toda a classe jurídica, além de outras áreas do conhecimento, passando pela Sociologia, Psicologia, Antropologia, Medicina, Economia e Finanças Pú-

Page 321

blicas, e pouco se tem conseguido para enfrentar o problema de maneira eficiente e definitiva.

Por questões de ordem metodológica, vários ramos científicos aprofundam os estudos e as pesquisas na determinação causal da violência criminalidade infantil e juvenil1.

Averiguar as razões que têm impelido jovens à prática de comportamentos violentos tem tomado posto de relevo nas pesquisas científicas nos últimos vinte e cinco anos.

Aparentemente, as disposições contidas na legislação brasileira e de certa quantidade de outros países não vêm atingindo suficiente progresso positivo quanto à profundidade de seus conteúdos.

Busca-se verificar o porquê da criminalidade embrenhando-se o estudioso nos mais difíceis âmbitos e, por vezes, as conclusões não se mostram práticas ou factíveis de execução em curto prazo.

Os números avassaladores têm se pronunciado com a autoridade da reiteração dos fenômenos sociais de forma a fazer parecer que todo o avanço legislativo e a busca de soluções que venham a preservar a infância e a juventude sofrem, dia após dia, o açoite da dúvida e da descrença na atuação estatal, de maneira a inserir a reprimenda em vez da educação, as providências emergenciais em que da solução definitiva da questão.

Este artigo tem o intento de averiguar os elementos constituidores do problema e a abordagem da ineficiente atuação do Estado na solução dos problemas que afligem a sociedade brasileira ante o choque portentoso dos fatos que, pela perplexidade que causam, põem em confronto a violência como fenômeno humano e, em especial, o princípio da condição peculiar da pessoa em desenvolvimento.

3. Violência

Tornou-se celebre a definição da Organização Mundial da Saúde em seu relatório sobre violência e Saúde Pública publicado em 2002, quando definiu violência como “O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, o contra um grupo ou uma comunidade que resulte ou tenha grande possibili-dade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”2.

Constitui-se, pois, em ato ou conjunto deles mediante utilização de força, brutalidade ou intimidação3 voltada à vulneração física ou psicológica em face de seu destinatário, seja pessoa ou grupo. Ser violento se constituiu em qualidade atribuída especificamente ao ente humano, em contraposição à atitude civilizada.

A finalidade na ação violenta não se apresenta de forma esquemática, variando desde a motivação de submissão para obtenção de determinado comportamento da vítima; desenrola-se desde a atitude de barrar ato de outrem que venha a vulnerar a esfera subjetiva de alguém até o simples prazer de imposição de sofrimento ao violentado.

A utilização da força bruta se mostra como a melhor característica de sua apresentação, mesmo que, em determinadas situações, se justifique parcialmente sua imposição, como é o caso em que se pratica violência para evitar danos e/ou prejuízos de ordem física, psicológica, patrimonial ou moral.

O qualificativo finalístico ou de intencionalidade do ato voltado para a submissão de comportamento entre agressor e agredido agrega a apreciação de estratificada incidência quanto à intensidade, estabelecendo-se desde a mera ameaça verbal até a morte da vítima.

A violência, enquanto tema cuja conceituação atenderia a exigências metodológicas e sistêmicas cognitivas do fenômeno, tem sido tratada com muito cuidado pela ciência, dados os contornos de verificação de extensão e incidência que tornam, quando confrontadas, difíceis sua delimitação4.

A conceituação desse objeto implicaria em aplicação apenas de um conjunto de situações nas quais seu conteúdo descritivo ensejaria precisão ou

Page 322

outros elementos mesmo que reunidos os identificadores, restariam desconexos, em razão da total inadequação de sua composição. Ante a constatação de uma simples briga doméstica entre irmãos a qual resulte em ferimento, tem-se um comportamento que facilmente se tipificaria como agressão, lesões corporais, mesmo culposas, porém, com grau de identificação conceitual razoável.

De outra parte, em uma luta de judô, ou outra arte marcial da qual resulte ferimentos graves, como perda de dentes ou fratura, o enquadramento conceitual seria virtualmente inviável.

A base conceitual, portanto, há de levar em consideração a finalidade vulnerativa do comportamento do agressor em detrimento da liberdade do ofendido e, suplementarmente, a imoralidade da agressão, acolhida esta, em contraposição aos ditames jurídicos.

A violência, assim entendida sob as características de intencionalidade, imoralidade e submissão da vontade, somente se verificada nas situações em que a finalidade se mostre voltada para resultado que, em tudo e por tudo, submete a vítima à imposição pela brutalidade (força moral ou física), aniquilação da vontade do agredido.

A conceituação em exame, antes de pretender ser definitiva, busca identificar elementos que designem o tipo de violência com o qual se depara o analista nos estudos do comportamento violento geral, mas sob o contexto vulnerador da liberdade do regramento moral e do ordenamento jurídico. Esta identificação intenta restringir o campo de observação e, a partir dele, verificar as condições de seu desenvolvimento e sua ampliação no meio social praticado por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT